Responsável por desacelerar a economia da China nos primeiros meses do ano, o surto do novo coronavírus vem gerando impactos em diversos setores da sociedade, sobretudo no agronegócio. De acordo com o Escritório Nacional de Estatísticas (NBS), a produção industrial chinesa recuou 13,5% no primeiro bimestre de 2020, em comparação com o mesmo período do ano anterior. O resultado superou a marca de 3% prevista por especialistas.
Os primeiros casos de covid-19 surgiram em Wuhan no fim de 2019 e fizeram com que a China fosse o primeiro país do mundo a lidar com o surto da doença. Após três meses de combate à propagação do vírus, o país asiático, que registrava mais de 2mil novos casos por dia no início do ano, conseguiu estabilizar a crise com medidas de isolamento social.
Quando o número de mortos ultrapassou a marca de 3mil pessoas, a China implantou medidas severas, como o fechamento temporário de fábricas e indústrias, além de proibir a circulação de carros e transporte público nas cidades mais afetadas. Em meio à recessão, o governo chinês foi obrigado a desacelerar as atividades na economia mundial nos primeiros meses de 2020.
Sendo a segunda maior economia do mundo, com Produto Interno Bruto (PIB) avaliado em R$ 12,24 trilhões, a China representa o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009, de acordo com o Ministério da Economia. As negociações com um dos países mais ativos no mercado de exportações geraram superavit de R$ 29,2 bilhões para os cofres brasileiros no balanço de 2019.
Impactos no agronegócio
Com o total de mortos pela covid-19 chegando a 100 mil até a primeira quinzena de abril, setores da sociedade começaram a atravessar períodos turbulentos após a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendar que os governos internacionais adotassem medidas de isolamento social para conter os avanços do vírus.
Em especial, o agronegócio vem observando alterações na rotina de exportações e logística, além das constantes preocupações com o bem-estar das safras e da comercialização de animais.
Rotina diferente, expectativas semelhantes
Apesar do alerta ligado para as condições de higienização do mercado de agronegócio, o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) indicou que a pandemia de coronavírus não deve ser suficiente para reduzir o PIB do setor neste ano. O estudo feito pela organização demonstrou que as perspectivas para a produção de grandes culturas, como grãos e café, seguem positivas, e o Brasil deve continuar tendo resultados relevantes, sobretudo na agropecuária.
De acordo com os pesquisadores, o mercado de produtos alimentares essenciais apresenta baixa probabilidade de diminuição de renda. O agronegócio é um dos setores da sociedade abordados pelo Decreto n. 10.282/2020 do governo federal, que salienta as atividades essenciais para o funcionamento do País e que devem prosseguir suas operações durante a pandemia.
Dados de março do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) corroboram as boas expectativas. As exportações do agronegócio brasileiro durante esse período foram de US$ 9,29 bilhões, o que representa expansão de 13,3% em relação aos US$ 8,2 bilhões de 2019.
A pandemia de coronavírus fez com que o comércio brasileiro estreitasse laços com oito países. Egito, China e Indonésia são algumas das nações que expandiram suas atividades de importação de carnes e pescados nacionais em 2020.
Abastecimento na América do Sul
A incerteza sobre o fim do período de quarentena aumentou a demanda dos supermercados no Brasil. Famílias correram para montar estoques de alimento e álcool em gel (importante ferramenta no combate ao coronavírus), o que resultou em prateleiras vazias em diversas partes do País.
Após a Federação de Agricultura e Pecuária de Santa Catarina (Faesc), a Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj), o Sindicato dos Supermercados do DF (Sindsuper) e a Associação Paulista de Supermercados (Apas) registrarem alta na procura por suprimentos em suas regiões, autoridades locais fizeram questão de garantir à população que o Brasil não deve encarar problemas de abastecimento.
Seguindo recomendações de higienização da OMS, companhias estaduais de abastecimento, como a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), seguem operando com adaptações para conter o contágio de covid-19.
No começo de março, a Ministra da Agricultura, Tereza Cristina, convocou uma videoconferência com países vizinhos para estabelecer medidas que protejam o transporte de cargas e alimentos pela América do Sul. A chamada reuniu representantes da Argentina, do Paraguai, do Chile, do Peru, da Bolívia e do Uruguai, que ressaltaram a importância da comunicação durante o período de crise. Com fronteiras rodoviárias fechadas para passageiros e turistas, os governos entraram em acordo para manter a rotina de abastecimento normalizada nos primeiros meses do ano.
Em inúmeras ocasiões, Tereza Cristina tranquilizou a população brasileira quanto a um possível problema no abastecimento em território nacional. Quando questionada pelo Estadão, a líder da pasta comentou: “Não temos risco de desabastecimento local. Nossa situação é favorável. Vamos cumprir todos os contratos com outros países, em sua totalidade. Não temos nenhum motivo para se preocupar com isso. Os acordos internacionais não correm riscos”.
O impacto nas safras
O surto de coronavírus fez com que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) diminuísse a projeção de crescimento mundial em ao menos 0,5% para 2020. A perspectiva de aumento era de 2,9% em novembro de 2019, e o reajuste fez com que o número diminuísse para 2,4%.
Um dos fatores que auxiliam na queda dos números da economia mundial são os impactos que o novo coronavírus vem causando no agronegócio e nas safras de commodities no mundo todo. No Brasil, o mercado de algodão é um dos que mais sofrem com a pandemia. Com a desaceleração das atividades econômicas na China, um dos principais importadores de grãos brasileiros, é possível que o País sofra com uma queda pela demanda de seus produtos nos próximos meses.
O surto de coronavírus vem causando instabilidades também na Bolsa de Valores, fazendo com que o preço do algodão voltasse a recuar após uma sequência de altas. Com o avanço do vírus pelo mundo, o valor da commodity chegou a cair 7%, deixando o preço da libra-peso abaixo de 67 centavos durante fevereiro.
Soja
Outro grão que desperta estado de alerta no governo federal é a soja. Desde 2018, o Brasil é considerado o maior produtor do grão no mundo pela Organização Mundial do Comércio (OMC), sendo responsável por 56% das quantias negociadas no planeta.
Apesar de o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Bartolomeu Braz, assegurar que o País não deve sentir impactos de curto prazo com queda nas vendas do produto, existe uma preocupação para os meses subsequentes.
Como os contratos para a venda de commodities são firmados com antecedência, o país sul-americano se encontra protegido de possíveis perdas no início do ano. Porém, caso o vírus continue causando limitações por um período maior, é possível que o Brasil perceba efeitos ainda maiores na economia.
Café
As expectativas para o cultivo de café seguem positivas em meio ao surto do novo coronavírus. Mesmo com quedas acentuadas no valor do produto, registradas pelo Cepea, o mercado interno deve observar aumento na liquidez com a aproximação da colheita da safra 2019/2020. De acordo com a instituição, será necessário escoar a produção, para liberar espaço para a nova safra e cumprir as necessidades de caixa.
O ano não vem sendo particularmente bom para os cafeicultores. Apesar de o relatório da Embrapa Café apontar aumento de 0,7% na demanda pelos grãos no mundo todo em relação aos 168,10 milhões de sacas consumidos no período 2018-2019, o Brasil registrou queda de 5,8% nas exportações internacionais durante os primeiros quatro meses do ano.
As safras de grãos particulares também devem registrar mudanças neste ano. A produção de café da espécie Arábica deve diminuir 3,9%, passando para 96,37 milhões de sacas, enquanto os grãos de café Robusta apresentam crescimento de 3,7%, alcançando a marca de 72,5 milhões de sacas.
Comercialização de animais
Com a suspeita de que o surto de coronavírus tenha se iniciado no consumo de carnes silvestres comercializadas na cidade de Wuhan, na China, as exportações desse produto podem sofrer forte impacto nos próximos meses. O governo chinês encerrou temporariamente as atividades do comércio de animais selvagens em Pequim, visto que existe uma preocupação com os efeitos que a aproximação entre humanos e espécies silvestres pode causar na disseminação da covid-19.
No Brasil, o Mapa anunciou, em nota oficial, que as exportações de carne brasileira não devem sofrer alterações. No comunicado, a pasta do governo garantiu que a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) não sinalizou qualquer restrição em relação à comercialização de produtos e de animais.
Com a paralisação desse comércio na China, o presidente da JBS, Gilberto Tomazoni, disse acreditar em um aumento no número de exportações de produtos brasileiros para o país asiático. Segundo ele, o cenário é parecido com o do surto da síndrome respiratória aguda grave (Sars), em 2000, quando se observou grande crescimento na importação de carne pelos chineses.
Produção de álcool em gel
Além da preocupação financeira, existe uma enorme atenção humana em torno do agronegócio. As usinas associadas à União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (Unica) anunciaram, em março, a doação de álcool para a produção de gel e solução 70 para assepsia.
Com isso, a entidade pretende auxiliar as crescentes demandas pelo produto em unidades de saúde pública espalhadas pelo País. A OMS apontou o álcool em gel 70 como um importante produto no combate aos avanços do novo coronavírus, visto que a solução é eficiente na higienização de mãos e ambientes.
O aumento de casos diagnosticados de covid-19 fez com que farmácias, supermercados e hospitais registrassem a escassez de álcool em gel. A ação conjunta entre Unica, Mapa, Ministério da Saúde e secretarias estaduais de saúde é uma importante medida para que o Brasil consiga se manter firme na luta contra o vírus.
Etanol
O aumento nas ações de isolamento social pelo Brasil prejudicou o mercado de etanol no primeiro semestre do ano. Por isso, o governo federal passou a estudar ações que auxiliassem as usinas de cana-de-açúcar durante o período de quarentena. Em declaração para a imprensa, a ministra Tereza Cristina anunciou que está em estudo um plano para aumentar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para a gasolina e retirar os tributos PIS/Cofins para o etanol.
Com isso, os preços do etanol, que batiam marcas de R$ 2,16 por litro em março, despencariam para R$ 1,38 por litro durante abril. Visto que as usinas da Região Centro-Sul devem iniciar uma nova safra de cana em breve, o governo federal também planeja elaborar mecanismos de financiamento para o estoque de etanol, garantiu Tereza Cristina.
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Fonte: Embrapa, Estadão, Governo Federal e Reuters.