Cautela, caldo de galinha e a excelência da CTNBio

9 de fevereiro de 2021 6 mins. de leitura
Invocar o princípio da precaução para atacar a Lei de Biossegurança e as avaliações técnicas, transparentes e imparciais da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança não tem fundamento

Christian Lohbauer

*Christian Lohbauer é doutor em ciência política e presidente executivo da CropLife Brasil**

**CropLife Brasil (CLB) é uma associação que reúne especialistas, instituições e empresas que atuam na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias em quatro áreas essenciais para a produção agrícola sustentável: germoplasma (mudas e sementes), biotecnologia, defensivos químicos e produtos biológicos.

Por Christian Lohbauer*

Como diz o ditado popular “cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”. A cautela pode ser suscitada pela preocupação com as consequências das nossas ações. Sugere cuidados antecipados ou precaução, substantivo do verbo precaver-se (do latim prae = antes e cavere = tomar cuidado).

O princípio da precaução é um dos principais princípios do direito ambiental. Se existe alguma incerteza, tal preceito tem por finalidade fazer com que os Estados observem todos os riscos envolvidos em determinados procedimentos científicos ou tecnológicos para evitar a ocorrência de danos ao meio ambiente.

Em matéria ambiental, o respeito à precaução não é a impossibilidade de se introduzir uma nova tecnologia. Ele requer que a inserção da atividade no meio ambiente seja precedida de uma análise que permita, a quem tem competência, determinar a necessidade e quais são os estudos que a atividade em questão exige, de forma a evitar eventuais riscos às pessoas e ao ecossistema. 

Na Lei de Biossegurança (Lei n.º 11.105/05), o princípio da precaução já é evidenciado na composição e atribuições da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio). Trata-se de um colegiado multidisciplinar formado por 54 membros – entre titulares e suplentes – que possuem reconhecida competência técnica, grau acadêmico de doutor e destacada atuação nas áreas de biossegurança, biologia, biotecnologia, meio ambiente, saúde humana e animal. 

Quando há liberação comercial de um novo OGM, a CTNBio convoca audiências públicas, como ocorreu com o trigo este ano

Além de 12 especialistas vindos das áreas vegetal, ambiental, animal e da saúde humana, a comissão abriga também representantes de ministérios como o da Ciência e Tecnologia, Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Saúde, Meio Ambiente e Defesa, entre outros. Os ministérios também indicam para a composição da comissão especialistas em defesa do consumidor, saúde, meio ambiente, biotecnologia, agricultura familiar e saúde do trabalhador. 

A tarefa da CTNBio, em essência, é assegurar que todos os procedimentos relativos à pesquisa, desenvolvimento, transporte e comercialização de organismos geneticamente modificados (OGMs) e seus derivados ocorram sem causar impacto negativo ao meio ambiente, saúde animal e humana. Para isso, estabelece regras e procedimentos rígidos para cada atividade associada à biotecnologia, seguindo normas internacionais de biossegurança. Todas as decisões da comissão estão pautadas na avaliação do risco do OGM à saúde humana e ao meio ambiente, feita caso a caso, para cada produto. 

Cada caso é um caso

Ao contrário do que sugere a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3526, que está para ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o Estudo/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) não é a única garantia de segurança na questão da liberação de OGM ao meio ambiente. 

O princípio da precaução é aplicado desde a constituição da CTNBio passando por todo o seu funcionamento. Quando julgar necessário, inclusive, a própria comissão pode solicitar a realização do EIA/RIMA. Em tal situação, cabe à CTNBio encaminhar o OGM para o licenciamento ambiental, que compete ao Ministério do Meio Ambiente.  

O Brasil possui uma das mais completas legislações de biossegurança do mundo e aprovou uma diversidade de produtos. Em mais de 20 anos de adoção de biotecnologia no campo, não existe nenhum relato de impacto negativo na saúde humana, animal ou no meio ambiente. Nessas décadas de trabalho, a comissão já aprovou, em plantas, 116 eventos em seis culturas diferentes. Em vacinas, tanto para humanos quanto animais, foram 44 aprovações. Na indústria, mais de 40 microrganismos. Na área da saúde humana há cinco terapias gênicas aprovadas e um mosquito para o controle da dengue.

A vacina contra Covid-19, da AstraZeneca/Oxford, que será produzida pela Fiocruz, teve o seu pedido de uso emergencial aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Antes, a CTNBio atestou a segurança do produto. “A gente avalia se o OGM é bom ou ruim, sob o ponto de vista de segurança quanto à alteração genética introduzida, e remetemos o parecer para a Anvisa”, explicou em entrevista recente à CropLife Brasil o engenheiro agrônomo e doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, Paulo Barroso, presidente da CTNBio. 

Transparência no zelo pela biossegurança

Os especialistas da comissão, que têm mandato de dois anos, renovável por até mais dois períodos consecutivos, são escolhidos a partir de lista tríplice, elaborada com a participação das sociedades científicas e organizações da sociedade civil. A atuação deles, como prevê a Lei de Biossegurança, deve ser pautada pela “observância estrita dos conceitos ético-profissionais, sendo vedado participar do julgamento de questões com as quais tenham algum envolvimento de ordem profissional ou pessoal, sob pena de perda de mandato”.

A CTNBio existe para zelar pela biossegurança e não para promover determinada tecnologia. Suas convocações, decisões e todos os seus processos são publicados no Diário Oficial da União. Suas reuniões são abertas ao público mediante agendamento e, em casos de liberação comercial, audiência pública pode ser requerida por partes interessadas – na área agrícola foram sete audiências para culturas como o milho, em 2007, até mais recentemente para o trigo, em 2020.     

As audiências públicas são um hábito da comissão para receber informações, tirar dúvidas e levar transparência à população sobre o que está em desenvolvimento no país. Neste contexto, a CTNBio possui um sistema de participação da sociedade civil e comunicação ampla de seus atos e de suas decisões que a coloca como uma agência de biossegurança de grande transparência no cenário mundial.

Criado em 2005, pela Lei de Biossegurança, o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) é uma instância superior de decisão, formada por uma comissão de ministros. Entre outros pontos, compete ao conselho a análise dos aspectos socioeconômicos e de interesse nacional dos OGMs e seus derivados, aprovados pela CTNBio.   

Com toda essa instrumentalização, o Brasil poderá prosseguir honrando a entrega de produtos de inovação em biotecnologia decorrentes da análise baseada em ciência, transparência e excelência que o colegiado da CTNBio já faz há décadas.  

*Christian Lohbauer é presidente executivo da CropLife Brasil**

**CropLife Brasil (CLB) é uma associação que reúne especialistas, instituições e empresas que atuam na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias em quatro áreas essenciais para a produção agrícola sustentável: germoplasma (mudas e sementes), biotecnologia, defensivos químicos e produtos biológicos.

Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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