Sobre negacionismo, ciência e beterrabas

13 de julho de 2021 6 mins. de leitura
Em tempos de crise sanitária, seguir na jornada da ciência é o melhor remédio

Christian Lohbauer*

No dicionário, negacionismo é definido como “atitude tendenciosa que consiste na recusa em aceitar a existência, a validade ou a verdade de algo apesar das evidências ou argumentos que os comprovam”. A ciência, ao longo do tempo, tem sido a principal vítima dos negacionistas. Mesmo diante de resultados de pesquisas inquestionáveis, há uma parcela da população que se recusa a aceitar fatos e dados. 

Os debates em torno do Green Deal europeu, Pacto Verde na tradução para o português, evidenciam as abissais diferenças entre a visão de cientistas e ativistas político-ambientais. 

Entre as metas apresentadas na construção do pacto, está a “poluição zero, com a busca de um ambiente livre de substâncias tóxicas”. Numa visão desfocada da realidade, produtos químicos de toda a natureza se tornaram alvos de quem nega a ciência. Mesmo que pesquisadores de todos os cantos do planeta assegurem que químico não é sinônimo de ruim. 

Em artigo recente, o especialista em comunicação científica David Zaruk, professor da Universidade St-Louis, na Bélgica, alertou que relacionar todos os produtos químicos como tóxicos é, no mínimo, absurdo.  E citou, como exemplo, que uma única xícara de café contém mais de 1.000 produtos químicos naturais. Satirizando a meta estabelecida de tornar o ambiente europeu “livre de tóxicos”, ZaruK afirmou que por mais que ame café, se a Comissão Europeia mantiver esse vocabulário em sua legislação final, vai propor uma iniciativa popular para proibir o consumo de café na União Europeia.

Não existe risco zero

Exageros à parte, é sempre bom lembrar que tudo oferece risco. Como já dizia no século 16 o médico suíço-alemão Paracelso, a diferença entre remédio e veneno está na dose. Por isso, é fundamental entender, também, a diferença entre perigo e risco. 

No arcabouço da saúde humana, perigo é uma condição que têm o potencial de causar lesão ou morte. Risco é a probabilidade de que algo aconteça. 

O simples fato de atravessar uma avenida movimentada pode ser perigoso. Quem é que não se lembra de sua mãe dizendo: olhe para os dois lados antes de atravessar a rua?

Se você seguir a orientação materna, e das autoridades de trânsito, além de prestar atenção, vai atravessar somente na faixa destinada aos pedestres e quando o semáforo estiver vermelho para os carros. Assim, o risco de ser atropelado será muito pequeno, mas não inexistente. Afinal, acidentes acontecem.

A mesma lógica pode ser aplicada aos produtos químicos. Alguns são de fato perigosos e, portanto, devem ser usados com os devidos cuidados. Justamente por isso, a ciência estabelece regras para orientar a avaliação e o emprego dessas substâncias. A maioria dos países tem sistemas regulatórios que analisam cada novo agente químico antes de colocá-lo no mercado. Além de segurança, o que se busca é o equilíbrio entre riscos potenciais e benefícios que um determinado produto pode trazer.

E os benefícios são inegáveis. Substâncias químicas, naturais e sintéticas, foram essenciais para o aumento da expectativa e da qualidade da vida humana. Medicamentos e defensivos agrícolas estão entre eles. 

O desenvolvimento de tecnologias inovadoras destinadas à saúde e à produção agrícola, entregam a possibilidade de curar doenças, que antes eram sentenças de morte, e contribuem para reduzir a fome no mundo. 

A própria Comissão Europeia, na apresentação das estratégias do Green Deal, concorda que produtos químicos são fundamentais para a humanidade. E ainda destaca que qualquer elemento pode ser banido, “exceto se for comprovadamente essencial para a sociedade”.

Decisões baseadas em ciência 

Decisões emocionais, que não consideram as recomendações da ciência, podem mesmo resultar em desastres. Em 2018, o governo francês proibiu o uso de alguns inseticidas da família dos neonicotinóides nas lavouras do país. A medida atingiu em cheio os produtores de beterraba sacarina, destinada à produção de açúcar, que viram suas lavouras serem infestadas por pulgões transmissores do vírus do amarelo da beterraba. Causador de uma doença grave, o vírus se espalhou pela França e Alemanha, causando imensas quebras de safra. 

A França é o maior produtor de açúcar da Europa. Para não desmantelar a cadeia produtiva, com consequências para a economia do país, em 2021, a decisão teve que ser revogada. O uso de neonicotinóides voltou a ser permitido.

Para evitar situações como essa, a Suíça delegou à população a decisão de eliminar os defensivos agrícolas de suas lavouras. Em 13 de junho, por meio de um plebiscito, 61% dos suíços rejeitaram duas ações que pediam a proibição do uso de agrotóxicos no país. Assim, os agricultores seguirão tendo o direito usar as tecnologias necessárias para proteger seus cultivos. 

Aqui no Brasil, em 29 de junho, o Rio Grande do Sul corrigiu uma distorção que há décadas colocava os gaúchos numa situação de insegurança ameaça à oferta de produtos inovadores para a proteção vegetal. Ignorando a legislação federal, a chamada regra do país de origem, instituída na década de 1980, determinava que o estado comercializasse apenas defensivos agrícolas que tivessem autorização de uso nos países onde foram fabricados. Por imensa maioria, a Assembleia Legislativa aprovou a extinção da regra. 

De agora em diante, os gaúchos terão acesso irrestrito às tecnologias, aprovadas pelos órgãos federais, que se baseiam na ciência para avaliar riscos e impactos associados aos defensivos agrícolas.

*Christian Lohbauer é cientista político e presidente-executivo da CropLife Brasil.

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