A hora e a vez dos biológicos

22 de abril de 2021 6 mins. de leitura
Vírus, fungos, insetos e afins ganham cada vez mais espaço na proteção vegetal e já movimentam um mercado superior a um bilhão de reais

Christian Lohbauer

*Christian Lohbauer é doutor em ciência política e presidente executivo da CropLife Brasil**

**CropLife Brasil (CLB) é uma associação que reúne especialistas, instituições e empresas que atuam na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias em quatro áreas essenciais para a produção agrícola sustentável: germoplasma (mudas e sementes), biotecnologia, defensivos químicos e produtos biológicos.

*Christian Lohbauer

Se há dez anos alguém dissesse que o ataque de uma lagarta poderia impulsionar um mercado de defensivos biológicos que chegaria a R$ 1,179 bilhão em 2020, como aponta a pesquisa divulgada na segunda-feira, 19, pela CropLife Brasil, a pessoa, na certa, seria tachada – para ficarmos no campo da agricultura – como alguém de mente fértil.

Na safra de 2012/13, uma lagarta, cuja fêmea é capaz de colocar até 3 mil ovos, surpreendeu pesquisadores pelo seu poder de destruição nas lavouras de soja, milho e algodão, principalmente. Causou um prejuízo de cerca de R$ 2 bilhões somando-se valores de perdas e custos de controle em todo o país. O bichinho voraz, que se mostrou capaz de atacar mais de 100 plantas diferentes, era comum na Ásia, Oceania, África e parte da Europa. Nem sinal nas Américas – até ser identificado por aqui, pelos pesquisadores da Embrapa, naquela fatídica safra.

Nos locais onde ocorre, a praga não é simples de ser controlada. Ela tolera naturalmente muitos inseticidas e doses que, normalmente, combatem outras espécies.

A Helicoverpa armigera tirou o sono de muitos produtores, mas foi um marco nas pesquisas sobre defensivos biológicos e impulsionou o desenvolvimento de produtos nessa área. À época, com o pouco conhecimento disponível sobre a eficácia de defensivos químicos em seu controle, a solução encontrada para combatê-la se deu a partir de produtos biológicos desenvolvidos com vírus (Baculovirus), microvespas (Trichogramma pretiosum) e com a bactéria Bacillus thuringiensis (Bt), que produz toxinas inseticidas conhecidas como proteínas Cry.

Desde a identificação da lagarta no Brasil, o crescimento do setor foi enorme: houve um aumento de mais de 300% no número de biodefensivos disponíveis aos agricultores. Hoje, existe pelo menos uma dezena de defensivos biológicos capazes de eliminá-la com sucesso – entre eles vírus e bactérias. O mercado nacional de controle biológico superou a marca de R$ 1 bilhão no ano passado, representando um aumento de 75% em relação a 2019. Ainda é pouco comparado ao mercado de defensivos químicos, que gira em torno de US$ 12 bilhões anuais.

Crescimento superior a 30%

O mercado brasileiro ainda fica atrás dos Estados Unidos e Europa, que, juntos, respondem por praticamente ⅔ do mercado mundial, calculado em US$ 5 bilhões. O potencial, no entanto, vai muito além de onde a vista alcança. De acordo com o relatório desenvolvido pela Blink, em parceria com a CropLifeBrasil e divulgado recentemente, o crescimento do setor nacional de biológicos supera 30% ao ano, acima da média internacional, que é de cerca de 15% anual. E a projeção é que alcance quase R$ 3,7 bilhões em 2030, um aumento de 175% em relação a 2020. Atualmente, a participação no mercado para algumas pragas já é equivalente aos defensivos químicos, como no caso dos nematicidas. “O uso de controle biológico não pode mais ser visto como alternativo. Ele é obrigatório dentro do sistema de defesa vegetal e manejo integrado de pragas”, afirma Amália Borsari, diretora executiva de biológicos da CropLife Brasil.

Cerca de 80% desse mercado está concentrado em grandes culturas, como soja, milho, algodão, café́ e cana- de-açúcar. Mas, a maior taxa de adoção ainda está na produção de frutas e hortaliças: onde a taxa é superior a 40%. Ao todo, desde 1991, 433 defensivos biológicos foram registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). A soma dos registros de 2019 a 2021 correspondem a 35% do total. Em 2019, foram registrados 44 produtos e, em 2020, 96. Houve um aumento de mais de 100% no mercado de bioinsumos na safra de 2019/20 em comparação com a safra 2017/18.

Bioquímicos, semioquímico, vírus, bactérias, protozoários, fungos, insetos, ácaros, nematoides. Tudo isso faz parte desse diversificado ferramental à disposição do agricultor, que é usado, atualmente, em 20 milhões de hectares dos quase 80 milhões de hectares plantados no Brasil.

Em maio de 2020, o Mapa, com a contribuição da CropLife Brasil, lançou o Programa Nacional de Bioinsumos. Trata-se de um marco para o setor, que, certamente, está impulsionando a utilização de recursos biológicos na agropecuária brasileira.

As empresas com atuação focada no setor estão ampliando seus portfólios e, as que atuam de maneira mais ampla, principalmente na área de defensivos químicos, estão investindo em biológicos e incorporando-os em suas ofertas ao produtor. Em 2017, por exemplo, houve um maior número de patentes registradas para biodefensivos do que para defensivos químicos. Na CropLife Brasil, das 46 empresas associadas, 26 desenvolvem algum tipo de defensivo biológico.

Com a adoção do Manejo Integrado de Pragas (MIP) e do Manejo Integrado de Doenças (MID), defensivos biológicos e químicos passaram a ser usados nas mesmas áreas sem prejuízo. Em uma cultura tropical como a brasileira, é preciso adotar todas as tecnologias possíveis para manejar a resistência das pragas e as doenças no campo.

Os bioinsumos de defesa vegetal, apesar de serem de origem natural, são produtos altamente regulamentados dentro da legislação de defensivos agrícolas. Sua produção e comercialização depende da avaliação de segurança ao ser humano, ao meio ambiente e da eficácia agronômica. Este alerta é importante para a averiguação da procedência do produto, garantindo realmente o baixo impacto e todos os atributos relacionados a essas tecnologias.

A percepção equivocada de eficácia no campo tem sido superada pela inovação de formulações. O setor teve um grande salto tecnológico ao desenvolver metodologias avançadas de formulação, garantindo menor dose de ingrediente ativo/hectare, estabilidade do ativo e maior tempo de prateleira. Assim, diversos estudos indicam, por exemplo, que a utilização de vírus e bactérias em produtos formulados atinge uma eficácia superior a 70% em relação àqueles que não são produzidos pela indústria. Ou seja, dominar microrganismos e insetos para que sejam úteis ao homem e eficazes na agricultura é uma tarefa que exige muito tempo em laboratórios de pesquisa e estudos no campo.

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