Os benefícios da biotecnologia moderna estão presentes em todos os campos do nosso cotidiano, mas seu uso na agricultura e na medicina despertam comportamentos contraditórios
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Por Christian Lohbauer*
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“Vivemos em uma sociedade dependente da ciência e da tecnologia, em que quase ninguém sabe quase nada disso.” A frase, extraída de um artigo escrito em 1995 pelo astrônomo americano Carl Sagan, um dos cientistas mais populares de todos os tempos, permanece tão atual quanto 26 anos atrás.
Definir o que se entende por ciência não é tarefa das mais fáceis. Aristóteles a denominou um “conhecimento demonstrativo”. A palavra “ciência” vem do latim “scientia”, que significa “conhecimento”. Em poucas palavras, pode-se dizer que se trata do conhecimento que está sujeito à verificação observando-se um conjunto de metodologias próprias para se realizar uma investigação.
No entanto, a ciência perturba os negacionistas, os terraplanistas e aqueles que até hoje acham que o Sol é que gira em torno da Terra e não o contrário. A ciência perturba também os que defendem a vacinação contra a Covid-19, mas que são absolutamente contra alimento transgênico em seus pratos, como tantos europeus.
Uma cabeça, duas sentenças
Como ciência não pode ser entendida como dogma, fica difícil compreender essa bipolaridade. Na medicina, para salvar vidas, a manipulação genética é aceita sem problemas. Na agricultura, que também salva vidas garantindo uma nutrição adequada, produtos derivados de engenharia genética, incluindo transgênicos ou simplesmente, melhorados geneticamente, podem ser demonizados em diversos países. Detalhe: os avanços, tanto na medicina como na agricultura, segundo o artigo de Sagan, salvaram mais vidas do que as que se perderam em todas as guerras da história.
Dezenas das centenas de candidatas a vacinas eficazes contra o novo coronavírus são derivadas da engenharia genética. AstraZeneca/Oxford, Moderna, Pfizer/BioNTech, Johnson & Johnson e Sputnik entre outras. Todas, apesar de abordagens e técnicas distintas, são filhas da manipulação genética, que inclui a tecnologia do DNA recombinante, desenvolvida em 1972, permitindo que os cientistas alterassem sequências do DNA ao introduzirem trechos benéficos em microrganismos e plantas, originando produtos transgênicos.
A vacina da AstraZeneca/Oxford, que será produzida pela Fiocruz, teve o seu pedido de uso emergencial aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Antes, a Comissão Técnica Nacional em Biossegurança (CTNBio), do Ministério da Ciência e Tecnologia, atestou a segurança do produto. Por lei, cabe ao colegiado emitir parecer sobre a segurança de organismos geneticamente modificados (OGMs), como é o caso do imunizante. “A gente avalia se o OGM é bom ou ruim, sob o ponto de vista de segurança quanto à alteração genética introduzida, e remetemos o parecer para a Anvisa”, explicou o engenheiro agrônomo e doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, Paulo Barroso, presidente da CTNBio.
A Comissão, instituída em 1995, desde a primeira Lei de Biossegurança, reúne 54 cientistas, doutores em diversas áreas do conhecimento, com o objetivo de prestar apoio técnico consultivo e de assessoramento ao governo federal em questões relacionadas aos OGMs e derivados. Cabe à CTNBio a análise caso a caso dos OGMs sob o aspecto de saúde animal/humana, vegetal e ambiental. No país, nenhum OGM chega ao mercado sem antes ser analisado pela CTNBio.
O rigor da CTNBio
As decisões da CTNBio, alicerçadas por avaliações de especialistas, que conhecem profundamente o funcionamento dos genes, a síntese de proteínas por eles codificadas e outros aspectos que envolvem a biologia molecular, evitam que argumentos não qualificados prevaleçam sobre o avanço da biotecnologia no País. Como consequência, foram aprovados em plantas, 116 eventos em seis culturas diferentes. Em vacinas, tanto para humanos quanto animais, já foram 44 aprovações, incluindo influenza e tétano equino e vacina contra a dengue. Mais de 40 microrganismos com aplicação na indústria nacional. Na área de medicamentos para humanos há cinco terapias gênicas aprovadas e um mosquito para o controle da dengue.
A diversidade de produtos derivados da biotecnologia moderna é evidente no cotidiano de todo o mundo. “Não existe uma pessoa, por mais que seja contrária à tecnologia e com receio do ‘novo’, que não utilize biotecnologia no seu dia a dia. Seja na forma de uma enzima num sabão, ou no consumo de alimentos ou no uso de um medicamento ou de uma vacina”, disse Paulo Barroso numa entrevista recente ao site da CropLife Brasil.
Praticamente 100% da insulina utilizada pelos diabéticos advém de bactérias modificadas geneticamente. O hormônio do crescimento (hGH), usado nos casos de nanismo, é derivado de um OGM. O mosquito para o controle da dengue, também.
Na agricultura, ao analisarmos o período de 1996, ano em que a primeira cultura transgênica (soja) foi plantada, nos Estados Unidos, até hoje, é nítido o impacto que a adoção de transgênicos têm nos ganhos de produtividade – permitindo ao agricultor produzir mais numa mesma área, sem a necessidade de ampliar o uso da terra – e nas reduções tanto nas emissões de dióxido de carbono (CO2) e água, quanto no manejo facilitado das lavouras.
Nunca houve – em 25 anos de história – nenhum caso de um OGM que tenha causado qualquer tipo de dano ao meio ambiente, à saúde humana ou animal. “A segurança para a saúde humana e animal não é mais uma questão”, afirmou Barroso na mesma entrevista. Afinal, ao ser imunizado com uma vacina GM ou se alimentar de transgênicos, uma pessoa não terá o seu DNA alterado. Ou seja, não há riscos de se tornar um ser mutante.
As motivações que levam a Europa a restringir OGMs na agricultura são exclusivamente de caráter político e econômico. Graham Brookes, da consultora inglesa PG Economics, escreveu em artigo recente que “as vacinas contra a Covid-19 usam as mesmas técnicas de modificação genética ou de edição de genes que muitos políticos europeus passaram os últimos 25 anos impedindo que seus cidadãos tivessem acesso”. Segundo ele, se esses políticos e grupos de defesa estivessem sendo consistentes com seu comportamento anterior, deveriam estar fazendo campanha contra a aprovação das vacinas.
*Christian Lohbauer é presidente executivo da CropLife Brasil.
Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.