Apesar dos esforços dos pesquisadores brasileiros, as metodologias dos cálculos do inventário de carbono na agropecuária não consideram peculiaridades do sistema tropical
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Por Maurício Palma Nogueira
O último texto que publiquei nesta coluna a respeito de carbono gerou questionamentos sobre uma suposta crítica que não estava no conteúdo. Mesmo diante de artigos resumidos, profissionais altamente treinados acabam tendo dificuldade em interpretar o que está escrito. Há quem leia já pensando no que responder, ou tentando interpretar o que o autor teria em mente. Sinal dos tempos em relação à leitura.
Os critérios para calcular o inventário de carbono precisam seguir um protocolo definido internacionalmente. Pesquisadores e profissionais responsáveis não podem fazer nada, além de sugerir mudanças. No inventário precisam seguir o que foi determinado.
Dizer que o critério é falho não implica em crítica aos responsáveis pelo inventário. No próprio texto publicado no início de fevereiro, foi mencionado o esforço dos pesquisadores brasileiros em incluir parâmetros de remoções que não estão sendo considerados. Os avanços ocorrem, lentamente.
É também o inventário que fornece as bases para o cálculo do balanço de carbono. Usar a diferença semântica entre as palavras para desqualificar o raciocínio não deixa de carregar a sua dose de má vontade em relação ao debate.
As grandes confusões que provocam constrangimentos entre pesquisadores e profissionais da área ocorrem não pelo conhecimento prático gerado pela ciência, mas sim pelo uso midiático das informações. É essa a maior ameaça que a produção científica sofre atualmente. Negacionistas sempre existiram e o mundo sempre evoluiu, apesar deles. No entanto, a divulgação ostensiva da produção científica como blefe para defender determinada posição ideológica é novidade. É o embrião da adjetivação do debate ou da censura àqueles que ousam questionar os métodos usados para se chegar a determinadas conclusões.
O irônico é que o aprendizado constante e a substituição de velhos conhecimentos por novos é a história da ciência. Não fosse assim, onde estaria a humanidade? Se nos primórdios da produção pelo método científico disséssemos coisas como “quem disser o contrário está errado”, até onde teríamos chegado?
Voltando ao tema, os pesquisadores brasileiros precisam de apoio. Precisam de maior espaço para discutir o tema abertamente, para apontar novas possibilidades. Entre eles o assunto circula, as discussões acontecem.
Mas é preciso que seus conhecimentos, além do que é determinado pelo critério do inventário, sejam expostos, debatidos, criticados, avaliados e divulgados pela grande mídia. Só assim o país terá um protagonismo maior nas definições sobre o inventário em ambiente tropical. O Brasil é o país que detém o maior domínio de produção nesse ambiente.
Essa exposição é importante pelo fato de que a pesquisa precisa de orçamento. Se o tema não é considerado relevante pela opinião pública, dificilmente se consolidará como conhecimento. Acaba sendo descartado, desconsiderado, marginalizado. Perde a sociedade, mesmo que essa perda não seja perceptível.
O assunto carbono precisa envolver os pesquisadores especializados em ciência do solo, fertilidade, respostas à adubação. São eles os responsáveis pelos grandes saltos produtivos do país.
Em vinte anos, a quantidade de produtos obtidos em cada hectare disponível para produção saltou de 2,6 toneladas para 5 toneladas, contabilizando toda a produção animal e vegetal do Brasil. Os dados são consolidados pela Athenagro a partir da Conab, IBGE, INPE e Embrapa. O aumento de quase 90% no desempenho de um hectare no Brasil é fruto direto das soluções tecnológicas geradas pela ciência e implementadas no campo.
A relação da produtividade do sistema de produção com a quantidade de carbono retida no solo é diretamente proporcional. Envolve avanços como plantio direto, produção de primeira safra e segunda safra, sistemas integrados, irrigação, manejo de solo, terminação intensiva de animais e manejo intensivo de pastagens.
A própria história da agricultura no cerrado brasileiro prova que a capacidade de retenção de carbono em um solo pode aumentar ao longo dos anos. Trata-se de um conhecimento básico de fertilidade do solo.
O avanço está aí para provar que o assunto não pode ser ignorado. É preciso estudar, é preciso divulgar os resultados, debater e batalhar por um modelo de inventário de carbono que seja justo com a realidade do sistema tropical.
Pedir por maior inclusão no debate, por maior participação de especialistas na área de produção, não pode ser considerado como insulto ou ignorância. Pode?
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* Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária
Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.