O impacto do carbono na pecuária

4 de fevereiro de 2021 5 mins. de leitura
As metodologias para o balanço das emissões de gases do efeito estufa na bovinocultura precisam ser revistas; a maioria considera só as emissões e desconsidera o quanto as pastagens sequestram de CO2

Embaixadores do Agro

Por Maurício Palma Nogueira* 

Conheça o mais relevante evento sobre agronegócio do País

A relação entre o nível de gás carbônico (CO2) na atmosfera e as temperaturas médias registradas tem motivado a busca por alternativas que possibilitem controlar as emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) e, também, por ações que removam o carbono da atmosfera. Apenas para exemplificar: produzir veículos com melhor desempenho por litro de combustível é uma medida de redução nas emissões, enquanto plantar árvores é uma medida de remoção de carbono, visto que o CO2 atmosférico irá se transformar em troncos, raízes, folhas etc., através da fotossíntese.

Independentemente das discussões sobre a influência do ser humano na atmosfera do planeta, é importante lembrar que tanto as medidas de redução como as de remoção são desejáveis por envolver aumento na eficiência do uso de recursos e incrementar a produção. O benefício econômico é incontestável. 

No entanto, quando o assunto se refere à produção agropecuária, o tema ganha viés ideológico. O uso do conhecimento, assim como das conclusões científicas, passa a ser seletivo de acordo com interesses muitas vezes motivados por preconceitos. 

O problema é maior na pecuária. O cálculo de balanço das emissões desconsidera as remoções e, portanto, não poderia ser chamado de balanço, mas sim de emissões brutas. Os responsáveis pelos relatórios ignoram todo o portfólio de conhecimento do sistema atmosfera, solo, planta e animais. É como se os bovinos não dependessem da produção vegetal para se alimentar. 

Metodologia para cálculo do balanço das emissões de gases do efeito estufa na pecuária é questionada por especialistas (Foto: Getty Images)

O “pum” dos bovinos e sua hipotética contribuição nas mudanças climáticas é tema recorrente, discutido em qualquer ambiente leigo sobre a produção de carne. Mas nada, ou muito pouco, se fala da dinâmica de remoção de carbono pelas pastagens ou outras plantas envolvidas no sistema de produção. 

Pesquisas recentes confirmam níveis de remoção projetados a partir de cálculos considerando o conhecimento em fertilidade do solo, fisiologia das plantas e eficiência de pastejo. Em boas condições, as pastagens podem remover entre 3 e 5 equivalentes moléculas em gás carbônico para cada unidade emitida pelos bovinos. Programas que integram pecuária com a agricultura ou florestas são ainda mais eficientes, aumentando o saldo positivo entre remoções e emissões. 

Mesmo diante de toda as evidências, os responsáveis pelos critérios no cálculo dos inventários insistem em negar tais remoções. Há alguns avanços em discussão, mas os parâmetros ainda estão longe do ideal. 

Outro desequilíbrio nos critérios é em relação ao uso do solo. Por diversas razões, alheias à atuação da agroindústria organizada na pecuária, áreas recém desmatadas acabam se tornando pastagens. Embora tais operações sejam conduzidas por agentes ilegais, que atuam na sombra da incapacidade do estado em fazer cumprir a lei, o resultado negativo de suas ações acaba sendo computado à atividade pecuária. Ainda que as causas sejam discutíveis, essa é a alternativa mais viável para computar o desmatamento, apesar de são ser a ideal. 

No entanto, pelo mesmo critério de uso do solo, há um ganho proporcionado pela pecuária que não é incluído na coluna de remoções. Entre 1990 e 2020, a área de pastagem repassada para a agricultura somou 16,5 milhões de hectares. Ao mesmo tempo, outros 49,8 milhões de hectares iniciaram o processo de recomposição da vegetação nativa. Depois de cumprirem o ciclo de degradação, encontram-se em diferentes níveis de regeneração. 

Dependendo do bioma e do tempo em que deixaram de ser manejadas, essas áreas podem estar na fase inicial de regeneração, com as vegetações primárias ocupando todo o terreno, ou podem ter se recuperado integralmente, restabelecendo a flora original. Vegetação em crescimento remove carbono da atmosfera.

No mesmo período, a área desmatada somou 40,8 milhões de hectares. A relação, portanto, é de 1,62 hectare repassado ou regenerado para cada hectare desmatado. Essa informação não objetiva relativizar ou minimizar o efeito do desmatamento. 

O objetivo é mostrar que há uma dinâmica benéfica e positiva da relação entre a pecuária moderna e a conservação ambiental. 

O desequilíbrio entre os critérios para os cálculos de balanço de carbono na pecuária acaba punindo, indevidamente, uma atividade que deveria ser incentivada pelos benefícios que traz à economia, sociedade e proteção ambiental. Nenhuma boa decisão pode ser elaborada a partir de análises incompletas ou tendenciosas.

Quando se deparar com informações do tipo “mais de 70% das emissões brasileiras são provenientes de atividades agropecuárias”, desconfie!!

*Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária 

Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

Este conteúdo foi útil para você?

142400cookie-checkO impacto do carbono na pecuária