Adotar medidas pontuais apenas com objetivo de divulgar que são utilizadas práticas ESG não é suficiente; é preciso investir em atitudes que promovam mudanças permanentes
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Dentre os diversos objetivos envolvendo a produção sustentável de carne, incluem-se as questões relacionadas ao bem-estar animal. Parece contraditório, visto que o processo de produção depende do abate de animais para o devido aproveitamento da carne e demais produtos.
Mesmo diante de exaustivas explicações, grupos extremistas em defesa dos animais não concordam com o processo. Defendem a tese de que a única maneira de proteger os animais é deixando de consumi-los. O argumento faria até sentido, caso não representasse uma afronta direta à natureza.
Seres humanos não deixarão de comer carnes.
Restringir o acesso a carnes com garantia de qualidade, produzidas dentro dos conceitos modernos, é estimular o avanço sobre a fauna, por meio da caça predatória e de estabelecimentos de comércio sem controle sanitário algum, como ocorre naquele mercado de Wuhan, na China, provável origem do vírus que causou a pandemia global.
Ainda com relação aos grupos mais passionais diante do tema da proteção animal, é importante lembrar que, na natureza, não há o conceito de abate humanitário. A relação entre predadores e presas é sempre violenta, instintiva. Na produção de carne, depois de séculos de experiência, o ser humano introduziu o conceito de abate humanitário, conceito que vem melhorando ano após ano.
O objetivo do abate humanitário é garantir o mínimo sofrimento dos animais nesse momento.
O abate é o final de diversas etapas que primam pelo bem-estar dos animais desde o nascimento até o seu último dia. Trata-se de uma inovação humana, benéfica, dentro da habilidade de alterar a natureza. Essa alteração trouxe benefício aos animais em produção, aumentando a população e a qualidade de vida daqueles que passam pelo processo de produção.
É verdade que ainda estamos longe do ideal. Mas também é verdade que existem muitos estudos sendo conduzidos para melhorar ainda mais os sistemas de produção. Além dos estudos, há investimentos em divulgação e fomento para que as práticas já consolidadas sejam cada vez mais implementadas pelos pecuaristas, especialmente no Brasil.
É o exemplo da recente proposta encabeçada pela Phibro Animal Health, que liderou o projeto Pecuária Responsável, cuja primeira etapa envolveu conceitos de bem-estar animal. A iniciativa contou com diversos parceiros, dentre os quais a Abiec (Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne), comprovando a importância que o setor dedica ao tema. O objetivo é conectar toda cadeia produtiva para disseminar boas práticas no manejo de forma responsável.
O projeto estimulou produtores no Brasil a apresentar propostas inovadoras e replicáveis, que pudessem melhorar o bem-estar animal nas fazendas. Em poucas semanas, cerca de 80 iniciativas haviam sido qualificadas como aptas a concorrer ao prêmio oferecido ao projeto com as maiores notas em todos os quesitos avaliados.
Os resultados foram surpreendentes. A quantidade e variabilidade de soluções apresentadas é prova da criatividade e do empreendedorismo do pecuarista brasileiro. As propostas passaram por todas as etapas de produção, do nascimento até o momento do abate. Envolviam manejo dos animais, transporte, qualidade da água, qualidade dos alimentos, protocolos para solução de problemas de abandono materno de bezerros, estruturas de alimentação etc.
Todas eram propostas viáveis, pé no chão. Algumas já estavam em execução, enquanto outras envolviam planos de estudos e investimentos. Houve propostas que trouxeram soluções tão inovadoras e disruptivas que, provavelmente, seriam ridicularizadas se fossem apresentadas há uma década. E hoje estão lá, funcionando e trazendo retornos financeiros.
E um destaque chamou a atenção, principalmente entre os dez projetos que chegaram à fase final. Todos ressaltaram a importância de cuidar do lado social, garantindo um bom ambiente de trabalho às pessoas envolvidas. Faz sentido. Não há como garantir qualidade e bem-estar animal sem que as pessoas estejam se sentindo muito bem no ambiente de trabalho.
É o sistema de produção entendendo que o lucro, permanente e sustentável, só será garantido depois que todos os anseios sociais dos envolvidos sejam minimamente atendidos dentro da organização.
Iniciativas como essa são exemplos práticos de ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa) na empresa, alterando a cultura da cadeia produtiva e estimulando mudanças estruturais profundas.
Adotar algumas medidas pontuais apenas com o objetivo de divulgar que realizam práticas ESG não é suficiente. É preciso investir em atitudes que promovam mudanças permanentes. Está aí um bom exemplo
para que outras iniciativas como essa sejam implementadas.
Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária