Considerando apenas a operação envolvendo cortes desossados, o mark up atual do varejo na comercialização de carne bovina está em 77,4%
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Por Maurício Palma Nogueira
Com os altos preços da carne bovina ao consumidor, voltam ao debate novamente sugestões sobre limitar as exportações para conter a inflação. Tratamos o assunto aqui neste espaço em abril de 2022, sob o título “Conter exportações não é alternativa para controlar inflação”, em que concluíamos que isso iria produzir resultado inverso ao desejado. Hoje, a abordagem será diferente.
Existem ações ou políticas que podem ser implementadas para tornar a carne mais acessível ao consumidor, sem incorrer em prejuízos e, consequentemente, em riscos de desabastecimento. Para explicar o raciocínio, lançaremos mão da atual conjuntura.
No mercado interno de carne bovina, os preços recebidos pelos pecuaristas e pelas indústrias frigoríficas vem recuando desde o mês de março. A margem da indústria segue muito baixa, ou até negativa, dependendo do posicionamento de seus produtos no mercado. Atualmente, pode-se dizer que o consumidor está sendo favorecido pelos resultados das exportações.
Se não fossem as margens das exportações, os frigoríficos teriam que vender a carne mais cara ou pagar menos pelo boi no campo. Como não é possível mudar os preços de venda, é bem provável que a pressão seria repassada ao produtor, com redução nas compras e, consequentemente, na oferta de carne. Na prática, seria desencadeado um processo de desestimulo à produção que elevaria os preços a médio e longo prazo.
Embora os preços internos estejam recuando, essa queda não foi repassada ao consumidor. Isso ocorre porque o setor varejista, especialmente os grandes supermercados, mantiveram os preços, ou até aumentaram, em alguns casos.
Com isso, o mark up – ou sobrepreço – praticado pelo setor vem aumentando desde o final de 2020. Naquele período, no auge das restrições provocadas pela pandemia, o indicador chegou no seu nível histórico mais baixo. É fundamental reforçar que sobrepreço não é sinônimo de lucro ou resultado. É a diferença entre os preços pagos pelo consumidor e o recebido pela indústria que entregou ao supermercado.
Considerando apenas a operação envolvendo cortes desossados, o sobrepreço atual do varejo na comercialização de carne bovina está em 77,4%, calculado com base nos preços acompanhados pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA). Está acima da média histórica do período entre 2011 e 2022.
O mark up do varejo para a carne bovina está acima do dobro das carnes suína (36,8%) e de frango (33,25%), lembrando que a comparação é feita pelos mesmos critérios e usando a mesma base de dados.
Nem mesmo a transferência de custos do setor varejista aos frigoríficos favoreceu a redução nessa diferença de preços. Há alguns anos, o setor varejista recebia as carcaças e manipulava os cortes, assumindo os custos da operação e os riscos de formação de estoques de carnes que teriam menor saída. Hoje, no entanto, toda a operação tem sido realizada nos frigoríficos, o que facilitou consideravelmente a operação de manuseio nos supermercados.
Evidentemente que é ingenuidade imaginar que tais dados sirvam de base para que o setor de carne bovina peça aos supermercados para reduzirem os próprios preços de venda e, consequentemente, suas margens.
Por outro lado, frigoríficos e supermercados precisam buscar alternativas que possibilitem a redução dessa diferença sem que haja prejuízo de um ou de outro. Logística, custos comerciais, embalagens, perdas, carga tributária e riscos nas operações podem ser planejados em conjunto de forma que haja espaços para reduzir essa diferença.
Ao mesmo tempo, a cadeia produtiva de carne bovina precisa aumentar a concorrência entre os pontos de venda. O comportamento observado no primeiro ano de pandemia pode ser um indício de que o simples receio de perda de clientes provoque, naturalmente, uma busca por aumento de eficiência nos supermercados.
Durante aquele período, o consumidor buscava comprar pela internet ou preferia pontos de vendas mais próximos, evitando permanências longas em locais cheios de gente, como ocorre normalmente nos supermercados. Não deixa de ser uma hipótese, mas é importante compreendê-la para, se for o caso, planejar ações nesse sentido.
Estratégias de marketing e divulgação, evidentemente, também podem auxiliar no aumento da
pressão para que os supermercados busquem ganhos de eficiência e competição pela venda de carne bovina. As demais carnes, mais baratas, já possuem o próprio apelo natural, que é a atratividade diante dos preços da carne bovina.
Estas opções podem viabilizar preços mais atrativos aos consumidores sem que se incorra em riscos de maus resultados para toda a cadeia produtiva, do produtor aos pontos de venda.
Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária