Brasil é potência descarbonizante, mesmo sem o reconhecimento da Europa 

20 de junho de 2023 6 mins. de leitura
O Brasil segue uma transição acelerada para uma agricultura de baixo carbono, mas reconhecimento internacional deixa a desejar

O Brasil é o único dentre os países megadiversos com dois terços do seu território preservado na forma de vegetação nativas (Segundo dados da Embrapa confirmados pela Nasa), e que possui alta relevância na produção agropecuária mundial. Atualmente, o país é o terceiro maior produtor de alimentos no mundo e o segundo maior exportador (FAO, 2021). 

Estamos falando de 564,2 milhões de hectares, o equivalente a 43 países e 5 territórios da Europa (Embrapa, 2022), a metade disso em propriedades privadas, ou 227 milhões de hectares em Áreas de Preservação Permanente (APP), Reservas Legais (RL) e excedente de vegetação no imóvel rural. 

Pesquisa e ciência estão no DNA da agropecuária tropical brasileira, que precisou de muito investimento e, acima de tudo, do empreendedorismo dos imigrantes europeus que saíram da Região Sul e ajudaram a realizar o milagre da produção de comida no Cerrado e a impulsionar a produtividade em outras regiões, consolidando o Brasil como maior potência agrícola tropical. 

Evidentemente, a preservação representa um custo, proporcional à redução de receita naquela área e que, pelos cálculos da Embrapa, somam expressivos R$ 3 trilhões, o equivalente a US$ 600 bilhões na cotação atual. A título de comparação, o PIB brasileiro em 2022 foi de R$ 9,9 trilhões (IBGE, 2023). Ou seja, produtores preservam vegetação nativa ao custo proporcional de 30% do PIB. É o reflexo do Código Florestal Brasileiro, a legislação ambiental mais exigente no mundo para propriedades privadas. Então, se fosse colocar um custo no serviço ecológico e de imobilização de carbono no Brasil, seria esse, R$ 3 trilhões. 

Além de tudo isso, a produção de alimentos no Brasil, inclusive de soja, é reconhecida internacionalmente pela adoção de práticas sustentáveis, conservando solos, rios e aquíferos. Bons exemplos não faltam, entre eles o plantio direto, a fixação biológica de nitrogênio, a conversão de 17,4 milhões de hectares de pastagens degradadas em floresta, pecuária e agricultura de alto rendimento (Rede ILPF, 2020).  

O país ainda é o maior em adoção de bioinsumos no mundo (Mckinsey, 2023). Para dar ideia de grandeza, estudo encomendado pelo Ministério da Agricultura apurou que, de 2010 a 2020, o Brasil mitigou a emissão de 170 milhões de toneladas de dióxido de carbono (MAPA, 2022). 

Tudo isso proporciona ao Brasil balanços negativos na emissão de carbono. Ou seja, ao contrário da narrativa corrente de ONGs propagadas na Europa e que vez ou outra voltam nos discursos de líderes políticos do velho continente, a agropecuária brasileira, incluindo soja, milho e boi, é feita em bases sustentáveis e descarbonizantes.  

Olhando para a soja em relação ao balanço de carbono, estudo realizado pela Delta CO2 e conduzido pelo professor e pesquisador Eduardo Cerri (Esalq/USP) calculou a pegada de carbono em 17 propriedades rurais representativa em Mato Grosso, principal estado produtor de grãos do Brasil. O resultado apurado foi de que a soja, conduzida em práticas sustentáveis nestas propriedades, fixaram 1,67 toneladas de carbono por hectare. 

Semelhante estudo foi conduzido em 50 fazendas representativas pela Fundação Solidaridad na região do MATOPIBA (cerrado dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Com variações entre os estados, o resultado do estudo também apontou a fixação de 0,59 toneladas de carbono por hectare (Fundação Solidaridad, 2022). 

Apesar de tudo isso, as metodologias até o momento definidas pelos europeus para calcular os créditos de carbono incorrem em dois grandes pecados, derivados da criação, por eles, do conceito de “adicionalidade”, pelo qual só vira crédito o que economizar ou fixar daqui para frente. O primeiro pecado é que não vale de nada o estoque de carbono em APP e RL. Ou seja, um sinal de indiferença ao ativo florestal em propriedades no Brasil.  

E o segundo pecado é que não interessa se o Brasil vem há décadas adotando boas práticas que nos elevam à categoria atual de agropecuária descarbonizante. Só serve se você conseguir elevar ainda mais de agora em diante. Uma espécie de “azar o seu” se fez tudo certo até agora. Já para produtores europeus, por exemplo, com 10% das boas práticas adotadas no Brasil já teriam direito a créditos. Parece justo para você? 

Recentemente a multinacional Bayer anunciou ter realizado em grandes propriedades rurais em Mato Grosso a primeira operação de carga exportada de grãos com sequestro de carbono. E que sempre exportou nossos produtos com ganhos na questão do consumo do carbono em relação ao que ele propicia ao meio ambiente e para os produtores. 

Para o bem do debate, entretanto, é preciso ser honesto com os consumidores. Definitivamente, esta não foi a primeira operação de carbono neutro em território brasileiro. A verdade é que o Brasil sempre exportou seus produtos, como soja e milho, com o carbono neutralizado e com ganhos, inclusive. Todas as cargas colhidas pelo sistema de plantio adotado no Brasil já contemplam o balanço negativo de carbono, fato comprovado pelas pesquisas citadas acima. 

Voltando à questão central, a grande questão é que essas metodologias de cálculo de pegada de carbono, e dos créditos ou necessidade de compra de crédito, não são nem justas e nem premiam as boas práticas. Há no Brasil projetos de lei para regular as emissões. Não faz nenhum sentido aprovar esses projetos e não garantir uma metodologia que valorize o que o Brasil tem de mais precioso, o seu meio ambiente e a sua agropecuária. 

Ao contrário, estamos observando europeus criarem regras que tornarão o grande protagonista da descarbonização e preservação mundial em patinho feio, impondo regra que no frigir dos ovos cerceiam a soberania e retiram a competitividade do país. 

Antonio Galvan 

Presidente da Aprosoja Brasil – Associação Brasileira dos Produtores de Soja 

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