Tema carbono demanda maior inclusão científica

2 de março de 2021 5 mins. de leitura
Apesar dos esforços dos pesquisadores brasileiros, as metodologias dos cálculos do inventário de carbono na agropecuária não consideram peculiaridades do sistema tropical

Por Maurício Palma Nogueira 

último texto que publiquei nesta coluna a respeito de carbono gerou questionamentos sobre uma suposta crítica que não estava no conteúdo. Mesmo diante de artigos resumidos, profissionais altamente treinados acabam tendo dificuldade em interpretar o que está escrito. Há quem leia já pensando no que responder, ou tentando interpretar o que o autor teria em mente. Sinal dos tempos em relação à leitura.

Os critérios para calcular o inventário de carbono precisam seguir um protocolo definido internacionalmente. Pesquisadores e profissionais responsáveis não podem fazer nada, além de sugerir mudanças. No inventário precisam seguir o que foi determinado. 

Dizer que o critério é falho não implica em crítica aos responsáveis pelo inventário. No próprio texto publicado no início de fevereiro, foi mencionado o esforço dos pesquisadores brasileiros em incluir parâmetros de remoções que não estão sendo considerados. Os avanços ocorrem, lentamente. 

Modelos usados para inventários de carbono na pecuária não são condizentes com a produção tropical

É também o inventário que fornece as bases para o cálculo do balanço de carbono. Usar a diferença semântica entre as palavras para desqualificar o raciocínio não deixa de carregar a sua dose de má vontade em relação ao debate. 

As grandes confusões que provocam constrangimentos entre pesquisadores e profissionais da área ocorrem não pelo conhecimento prático gerado pela ciência, mas sim pelo uso midiático das informações. É essa a maior ameaça que a produção científica sofre atualmente. Negacionistas sempre existiram e o mundo sempre evoluiu, apesar deles. No entanto, a divulgação ostensiva da produção científica como blefe para defender determinada posição ideológica é novidade. É o embrião da adjetivação do debate ou da censura àqueles que ousam questionar os métodos usados para se chegar a determinadas conclusões. 

O irônico é que o aprendizado constante e a substituição de velhos conhecimentos por novos é a história da ciência. Não fosse assim, onde estaria a humanidade?  Se nos primórdios da produção pelo método científico disséssemos coisas como “quem disser o contrário está errado”, até onde teríamos chegado? 

Voltando ao tema, os pesquisadores brasileiros precisam de apoio. Precisam de maior espaço para discutir o tema abertamente, para apontar novas possibilidades. Entre eles o assunto circula, as discussões acontecem. 

Mas é preciso que seus conhecimentos, além do que é determinado pelo critério do inventário, sejam expostos, debatidos, criticados, avaliados e divulgados pela grande mídia. Só assim o país terá um protagonismo maior nas definições sobre o inventário em ambiente tropical. O Brasil é o país que detém o maior domínio de produção nesse ambiente. 

Essa exposição é importante pelo fato de que a pesquisa precisa de orçamento. Se o tema não é considerado relevante pela opinião pública, dificilmente se consolidará como conhecimento. Acaba sendo descartado, desconsiderado, marginalizado. Perde a sociedade, mesmo que essa perda não seja perceptível. 

O assunto carbono precisa envolver os pesquisadores especializados em ciência do solo, fertilidade, respostas à adubação. São eles os responsáveis pelos grandes saltos produtivos do país.

Em vinte anos, a quantidade de produtos obtidos em cada hectare disponível para produção saltou de 2,6 toneladas para 5 toneladas, contabilizando toda a produção animal e vegetal do Brasil. Os dados são consolidados pela Athenagro a partir da Conab, IBGE, INPE e Embrapa. O aumento de quase 90% no desempenho de um hectare no Brasil é fruto direto das soluções tecnológicas geradas pela ciência e implementadas no campo. 

A relação da produtividade do sistema de produção com a quantidade de carbono retida no solo é diretamente proporcional. Envolve avanços como plantio direto, produção de primeira safra e segunda safra, sistemas integrados, irrigação, manejo de solo, terminação intensiva de animais e manejo intensivo de pastagens. 

A própria história da agricultura no cerrado brasileiro prova que a capacidade de retenção de carbono em um solo pode aumentar ao longo dos anos. Trata-se de um conhecimento básico de fertilidade do solo. 

O avanço está aí para provar que o assunto não pode ser ignorado. É preciso estudar, é preciso divulgar os resultados, debater e batalhar por um modelo de inventário de carbono que seja justo com a realidade do sistema tropical. 

Pedir por maior inclusão no debate, por maior participação de especialistas na área de produção, não pode ser considerado como insulto ou ignorância. Pode? 

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*  Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária 

Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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