Embora consista em um avanço para as estatísticas, o desafio ainda está no começo: é preciso corrigir algumas amarras burocráticas que ainda impedem a confiabilidade dos dados primários sobre rebanho
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Em outubro, o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) trouxe uma boa notícia à pecuária brasileira. Ao atualizar o método de acompanhamento do rebanho do Brasil, o departamento de agricultura norte-americano coloca fim a um dos maiores constrangimentos para a pecuária brasileira no cenário internacional. A base de dados do USDA, a mais utilizada no mundo juntamente com a da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), indicava entre 50 e 70 milhões de cabeças acima dos dados apurados no Brasil pelo Censo e Pesquisa Pecuária Municipal, ambos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Depois de corrigida a metodologia, o rebanho de 2021 estimado para o Brasil foi atualizado para 193,8 milhões de cabeças, uma quantidade 70,4 milhões abaixo do divulgado anteriormente para o mesmo ano.
Com essa mudança, a trajetória ao longo dos anos ficou muito próxima da metodologia proposta pela Athenagro e divulgada no Beef Report 2021 publicado pela Abiec (Associação Brasileira da Indústria Exportadora de carne). A metodologia foi discutida no dia 4 de junho de 2021 neste espaço, no artigo “O rebanho brasileiro está superestimado”.
A notícia da atualização da metodologia foi, precipitadamente, mal interpretada por muitos profissionais. Questionaram sobre o desaparecimento dessa quantidade de cabeças do rebanho de um ano para outro. Mas não foi assim que ocorreu.
O USDA atualizou toda a série histórica, corrigindo o erro metodológico que vinha aumentando, ano a ano, desde o final dos anos 2000. Acompanhando a série de dados antes da atualização, os números começam a se distanciar da série histórica proposta pela Athenagro – sempre com base em dados do IBGE – a partir de 2007, com o erro crescendo numa linha ascendente até 2021.
Sendo assim, é fundamental reforçar que não há uma revisão de 70 milhões de cabeças, mas sim uma aplicação metodológica que alterou toda a série histórica, adaptando o método à realidade.
Essa mudança é digna de reconhecimento e não de críticas. Foi a evolução da pecuária nas últimas décadas que tornou o método obsoleto. É bom lembrar que essa melhoria significativa nos indicadores da pecuária só foi vista no Brasil ao longo destes últimos 30 anos. É natural que institutos internacionais sejam mais lentos em se adaptar.
Portanto, embora haja críticas à demora para corrigir tal diferença, há de se reconhecer a dificuldade que os técnicos do USDA precisaram superar internamente. O departamento de agricultura norte-americano acompanha estatísticas de diversas atividades agropecuárias em quase todos os países relevantes do mundo. É esperado que haja um tempo de resposta considerável entre perceber a diferença, entendê-la e incorporar um método que possa ser usado, sem comprometer as demais estatísticas de outras atividades e outros países.
Aqui mesmo no Brasil, as explicações para a diferença entre os dados censitários e os da pesquisa pecuária municipal (PPM), ambos do IBGE, só começaram a ser apresentadas a partir do último censo, realizado em 2017. Embora algumas empresas tenham estimativas próprias, a primeira sugestão de acompanhamento anual do rebanho a partir da combinação de dados censitários com os da pesquisa pecuária municipal foi apresentada pela Athenagro e pela Abiec na edição do Beef Report de 2021, referente ao ano de 2020.
E da mesma forma que acontece agora com o USDA, também foram feitas críticas ao IBGE pela diferença entre ambos os dados do instituto. No entanto, é preciso compreender a diferença antes de criticar. Só assim é possível sugerir um método que possa contribuir com algum avanço estatístico ou metodológico. Justamente por adotar uma postura mais analítica, foi possível antecipar a sugestão de uma metodologia mais coerente.
Embora consista em um avanço para as estatísticas, o desafio ainda está no começo. É preciso corrigir algumas amarras burocráticas que ainda impedem a confiabilidade dos dados primários sobre rebanho, gerados nas fazendas. Esse problema não é causado pelo IBGE, mas sim pela metodologia de cálculo do grau de uso da terra. Enquanto isso não for atualizado e adaptado para a atual realidade, as fazendas continuarão gerando dados superestimados para o rebanho brasileiro.
Todos perdem.
Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária