Controlar cada etapa da produção, incluindo os fornecedores indiretos de bezerros, é um desafio na produção de carne sustentável; no entanto, ações embasadas em estudos que ignoram a realidade do campo tendem a gerar o efeito inverso
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Maurício Palma Nogueira
A palavra sustentabilidade é frequentemente usada de forma descuidada, confundida com sinônimo de ambientalismo. No conceito correto, o desafio é bem maior. Sustentabilidade envolve equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e social com o menor impacto ambiental possível. Qualquer ação que não contemple os três pilares não poderá ser considerada como uma ação sustentável. E, ao contrário do que se acredita, no Brasil o maior desafio não é o ambiental, mas sim o social.
Com base nos dados do último censo agropecuário, conduzido em 2017 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os estabelecimentos pecuários (bovinocultura) com menos de 50 cabeças perfaziam 76,3% do total e detinham 16,5% do rebanho. A partir de outras informações do censo, é possível estimar que tais propriedades tenham sido responsáveis por 13% da produção total de animais, analisada em quilogramas de peso vivo, sendo 50% do total dessa produção em bezerros e bezerras recentemente desmamados.
Dentre o público, apenas 48% dos estabelecimentos relataram alguma venda de animais durante o ano. O número é preocupante por evidenciar o tamanho do desafio social envolvido na produção de carne bovina. Além da quantidade da produção direcionada a algum comercio informal, é possível concluir que, em média, cada fornecedor de bezerros vende entre 8 e 9 cabeças por ano.
Analisando as estatísticas de abate, identifica-se que, na melhor das hipóteses, cada propriedade que compra e vende animais para abate teria que se relacionar com 14 produtores fornecedores de bezerros. Quanto maior for o movimento do pecuarista final – que abate os animais -, maior será a quantidade de pequenos produtores que ele se relaciona direta ou indiretamente.
E é aí que reside o risco, preocupação central deste artigo. O controle dos fornecedores indiretos tornou-se quase um fetiche entre os ambientalistas. Embora o tema seja importantíssimo, não se trata de uma questão que envolva simplesmente a boa vontade da cadeia produtiva. Envolve toda uma organização fundiária, melhoria das bases estatísticas e implementação das regras estipuladas pelo código florestal.
Com base na Guia de Trânsito Animal (GTAs), estudiosos especializados em modelagem e construção de softwares acreditam ser possível controlar os fornecedores indiretos de forma confiável. Essa tese foi rapidamente comprada pelos ambientalistas. No entanto, os estudos publicados até mesmo em revistas científicas desconsideram a questão fundiária e a realidade comercial que caracteriza as relações entre os produtores de gado no Brasil. Os estudos desconsideram questões básicas, como a necessidade de diferenciar as atividades em produção e as respectivas estruturas de rebanho em termos de categorias ou peso médio dos animais. A necessária diferenciação entre estoques de animais e produção é ignorada num flagrante desprezo pelas informações padrões sobre a produção pecuária. Como tão em voga atualmente, trata-se de uma negação ao conhecimento gerado pela ciência agronômica e zootécnica.
E assim promete-se o que não será cumprido. Acredita-se estar mirando no grande produtor, nos frigoríficos, no empresário captador de recursos no sistema financeiro etc. Mas, na prática, o grande alvo será o pequeno produtor.
Aí vem a beleza do conceito de sustentabilidade, tão falado e ao mesmo tempo tão pouco compreendido em sua essência. Se um dos pilares falha, os demais desabam.
A indústria frigorífica pressionada precisará dar resposta aos seus investidores e ao mercado. O mesmo ocorrerá com o sistema financeiro e as empresas de varejo. A inviabilidade de estabelecer um controle eficiente em escala exercerá uma pressão concentradora no mercado, reduzindo a quantidade de players (produtores) que, cada vez maiores, serão capazes de atender a todas as exigências.
O contingente de excluídos aumentará as fileiras do mercado informal, potencializando as oportunidades para atuação da ilegalidade. Na informalidade não há fiscalização, rastreabilidade e geração de impostos. O combate à ilegalidade, incluindo o desmatamento, tonar-se-á mais difícil e, em caso de êxito, será conquistado a um custo alto de exclusão de pequenos produtores e aumento nos preços da carne aos consumidores da cidade. Poucas ações poderiam criar efeitos mais insustentáveis do que a atual forma proposta e descuidada para o controle dos fornecedores indiretos.
Apesar da importância em controlar cada etapa da produção, é imprescindível que as ações sejam planejadas de forma coordenada e inclusiva, levando em conta o conhecimento já disponível sobre a realidade do campo.
Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária.