O pleito é legítimo e faz justiça a milhares de cidadãos que foram incentivados no passado pelo poder público a promover a integração nacional em diversas regiões do país
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Por Bartolomeu Braz Pereira*
Recentemente apresentei neste espaço uma lista dos itens que realmente estão na pauta prioritária dos produtores rurais brasileiros. E um dos pontos foi a necessidade de avançar com a regularização fundiária de propriedades em glebas públicas federais, como forma de garantir o direito de propriedade e a sustentabilidade da produção de alimentos. Para que esta pauta avance, é preciso uma união de esforços envolvendo o Executivo e o Legislativo.
O pleito é legitimo. Trata-se de fazer justiça a milhares de cidadãos que foram incentivados no passado pelos governos federal e estaduais a irem para estas regiões. Era uma forma de melhorar a ocupação do nosso território e promover a integração nacional. Entretanto, ao longo dos anos, as políticas de ocupação territorial foram mudando e a necessidade de resolver a questão ficou no esquecimento.
Por isso, a pauta é recorrente e as discussões recentes no parlamento demonstraram a necessidade de reduzir a burocracia, modernizar as ferramentas do governo federal e incorporar os avanços tecnológicos da era digital e do sensoriamento remoto. Com isso, o Executivo poderia agilizar a entrega do tão sonhado título de mais de 600 mil propriedades. Isso dá a ideia do impacto social a ser alcançado. Mas em meio a muita polêmica, a pauta não avançou no Congresso.
Cabe aqui desfazer a cortina de fumaça imposta pelos opositores da pauta, o que impediu a sociedade de compreender os benefícios da iniciativa. Primeiro, a questão da grilagem. Esses produtores e suas famílias estão lá, produzindo e morando há décadas, portanto, não se enquadram na definição do termo. Sobre um eventual incentivo a quem promoveu o desmatamento, a lógica é inversa. Ao dar titular, é possível identificar, tipificar e aplicar sanções a eventuais crimes ambientais cometidos. Logo, não avançar com a pauta é travar a agenda ambientalista do país.
Recentemente, de forma proativa, o governo federal iniciou um processo importante nessa direção, ao editar o decreto 10.592/2020 e outras regulamentações, simplificando processos, definindo objetivos e diretrizes e, principalmente, ampliando seus parceiros ao trazer junto os municípios. Com a troca de presidentes, o Legislativo também demonstrou senso de urgência, relacionando a regularização fundiária no rol de projetos prioritários de sua agenda.
Com isso, cabe enfrentarmos um dos pontos que gerou mais debates no parlamento: o tamanho das áreas que serão alcançadas. Em linhas gerais, após muitas negociações, os parlamentares propuseram que se regularizasse as áreas de até 6 módulos fiscais, de domínio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou da União, que estivessem sendo ocupadas antes de 22 de julho de 2008, desde que não estejam em listas de embargos ambientais ou de trabalho análogo à escravidão.
Os defensores do número argumentavam que, segundo o Incra, 92% das propriedades se encontram em áreas até 6 módulos fiscais. Porém, em termos de tamanho das terras, teríamos apenas 47% da área potencial regularizada. E como um dos objetivos da regularização é a gestão ambiental, à luz do nosso Código Florestal, a medida teria um impacto muito baixo, uma vez que a lei nº 12.651/2012 concede tratamento diferenciado às propriedades de até 4 módulos fiscais, inclusive com a isenção de quota de reserva legal.
Por outro lado, o benefício econômico do título, pelo qual a propriedade seria dada em garantia, também não fica em pé, já que a Constituição estabeleceu a impenhorabilidade de áreas de até 4 módulos. No extremo oposto, não se pode falar que está se querendo abrir as comportas da titulação indiscriminada de propriedades. A Constituição também define, nos termos do § 1º do artigo 188, que a alienação ou a concessão, a qualquer título, de terras públicas com área superior a 2.500 hectares dependerá de prévia aprovação do Congresso Nacional. Portanto, se precisamos de um limite, ele já está posto.
Para que esse tema seja adequadamente endereçado, vamos precisar do bom senso de todos os atores, Executivo, Legislativo e dos municípios, para que o assunto tenha um tratamento correto. Não se pode limitar por lei o Executivo de definir quando e como será preciso vistoriar as propriedades para a efetiva titulação, assim como dizer quando não será necessário. Pelos avanços recentes, percebemos que as ações e diretrizes definidas pelo Governo apontam que se buscará evitar o desperdício de tempo, de dinheiro público e o prejuízo para a sociedade. O resto, vamos debater no parlamento e alinhar com técnica e clareza quais são os interesses do país e do setor.
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*Bartolomeu Braz Pereira é presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja – Aprosoja Brasil
Nota: Este texto não reflete, necessariamente, o opinião do Estadão.