Reflorestamento: baixa variedade de mudas nativas pode prejudicar a biodiversidade em projetos

5 de fevereiro de 2024 5 mins. de leitura
Segundo especialista, vários projetos preferem apostar na cobertura vegetal mais rápida, abandonando as árvores de crescimento mais lento Por Tânia Rabello A adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) e o replantio de áreas desmatadas nos biomas brasileiros encontra dificuldade na baixa variedade de mudas de espécies nativas disponíveis para plantio. Este deverá, aliás, ser […]

Segundo especialista, vários projetos preferem apostar na cobertura vegetal mais rápida, abandonando as árvores de crescimento mais lento

Por Tânia Rabello

A adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) e o replantio de áreas desmatadas nos biomas brasileiros encontra dificuldade na baixa variedade de mudas de espécies nativas disponíveis para plantio. Este deverá, aliás, ser um dos principais obstáculos para a recomposição florestal no País, a partir do momento em que tiverem sido analisados e validados os mais de 5 milhões de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) preenchidos pelos proprietários rurais. Após a validação, propriedades rurais com alguma irregularidade ambiental poderão aderir ao PRA e, assim, iniciar o processo de recomposição florestal.

Entretanto, a oferta limitada dessas mudas nativas em quantidade e variedade que seria a ideal reduz a biodiversidade das áreas reflorestadas, podendo, inclusive, comprometer a perpetuação da mata a longo prazo, diz o educador ambiental e diretor do Araribá Jardim Botânico (AJB), de Amparo (SP), Guaraci Diniz. Segundo ele, vários dos atuais projetos de reflorestamento estão mais preocupados em cumprir as leis ambientais, garantindo rápida cobertura vegetal, ou simplesmente em fixar carbono no solo. A biodiversidade de espécies acaba ficando em segundo plano.

“Isso pode comprometer a perpetuação da floresta, pois em vários casos o que se faz, por exemplo, é um plantio predominantemente de espécies pioneiras, que têm crescimento rápido, porém vida curta”, diz. “As espécies clímax, que, em ambiente natural, surgem na mata quando já há cobertura garantida pelas pioneiras – elas gostam de ambiente sombreado – acabam sendo introduzidas em quantidade abaixo do ideal.”

Foto: Adobe Stock

Sob este aspecto, um viveirista de mudas nativas, que não quis se identificar, confirma que a “lei do mercado” impera no setor. “Muitas espécies clímax são de difícil reprodução e multiplicação de sementes; há algumas, por exemplo, que, para se conseguirem apenas 2 mudas viáveis, têm de se plantar até 20 sementes”, diz. “Logicamente essas mudas são mais caras e por isso preteridas em projetos de reflorestamento com espécies nativas, em favor de espécies mais baratas, o que reduz a biodiversidade desses projetos.”

O viveirista conta ainda que, mesmo que o projeto de reflorestamento dê preferência à biodiversidade e a espécies mais caras, também é difícil, a depender do tamanho da área a ser recomposta, obter quantidade suficiente dessas mudas.

Justamente para discutir a questão da falta de biodiversidade na recomposição florestal com espécies nativas que o Araribá Jardim Botânico, em parceria com a ONG britânica Botanic Gardens Conservation International (BGCI), promove, a partir desta segunda-feira, 22, até o dia 2 de fevereiro, em Amparo (SP), o segundo encontro internacional para formulação do Padrão Global de Biodiversidade (GBS, na sigla em inglês, ou Global Biodiversity Standard). O primeiro foi em janeiro de 2023, no Quênia.

Ao todo, 15 países que enfrentam o mesmo desafio que o Brasil em relação à manutenção da biodiversidade de suas matas vão estar representados no encontro, que contará com 36 participantes de Uganda, Índia, Madagáscar, Peru, Reino Unido, Indonésia, Jordânia, França, Estados Unidos, Alemanha, Quênia, Suíça, China (Hong Kong) e Malásia.

O BGCI, que conta com mais de 850 instituições – principalmente jardins botânicos ao redor do mundo – e 60 mil especialistas em cerca de cem países como parceiros, idealizou e lançou a ideia do GBS em 2021, durante a 26ª Conferência do Clima (COP26), em Glasgow, na Escócia. Desde então, já angariou parceiros técnicos naqueles 15 países para lançar as bases do que seria um ambiente florestal efetivamente biodiverso nos vários biomas do Planeta.

Já na COP28, realizada entre novembro e dezembro do ano passado em Dubai, nos Emirados Árabes, o BGCI apresentou ao mundo os avanços obtidos até aqui no GBS. A ideia final, quando o Padrão Global de Biodiversidade estiver desenvolvido, é que projetos de reflorestamento e conservação florestal que de fato atendam a todos os seus critérios ESG (social, ambiental e de governança) recebam a “certificação GBS”, explica Diniz, do AJB. Já o BGCI garante que, “como maior rede botânica e de conservação de plantas no mundo”, é certamente “a rede mais qualificada para estabelecer um padrão internacional de biodiversidade”.

Para se chegar finalmente aos critérios do que será a certificação GBS, o BGCI trabalha com parceiros locais em cada um daqueles países. No caso do Brasil, o AJB é o parceiro – no mesmo local do AJB, situa-se a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Duas Cachoeiras, que também recebeu da Unesco, em 2021, o título de “Posto Avançado da Reserva da Biosfera do Programa Homem e Natureza”.

Diniz, do AJB, conta que desde que os trabalhos do GBS começaram por aqui, já visitou áreas de recomposição florestal em três biomas no País: Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga, a fim de contribuir para a definição dos critérios de manutenção da biodiversidade florestal. Assim como Diniz, os outros representantes do encontro vão apresentar seus respectivos relatórios de trabalhos de campo realizados em seus respectivos países de um ano para cá, atualizações gerais, tomadas de decisão e definição de estratégias e ações futuras. A perspectiva é a de que o “Padrão GBS” seja lançado ainda este ano, adianta Diniz.

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