Como as ondas de calor estão afetando a produção agropecuária em todo o País

17 de janeiro de 2024 10 mins. de leitura
Como as ondas de calor estão afetando a produção agropecuária em todo o País. Depois de recordes consecutivos, produção de grãos na safra 2023/2024 deve cair 2,4%´no País devido às condições climáticas adversas; plantação de soja está atrasada, o milho está mais sujeito a pragas e a floração do café foi antecipada Por José Maria […]

Como as ondas de calor estão afetando a produção agropecuária em todo o País. Depois de recordes consecutivos, produção de grãos na safra 2023/2024 deve cair 2,4%´no País devido às condições climáticas adversas; plantação de soja está atrasada, o milho está mais sujeito a pragas e a floração do café foi antecipada

Por José Maria Tomazela

As mudanças climáticas têm modificado o cenário agrícola global já há algum tempo. Um levantamento recente, contratado pela Bayer e conduzido pela empresa global de comunicação estratégica Kekst CNC, com 800 produtores agrícolas do Brasil, Austrália, China, Alemanha, Índia, Quênia, Ucrânia e Estados Unidos mostrou que 70% deles já observam impactos expressivos do aquecimento global em suas propriedades, e que 76% estão preocupados com os efeitos futuros das mudanças climáticas para o seu negócio.

No Brasil, neste ano, as recentes ondas de calor são um exemplo concreto do impacto dessas mudanças no agronegócio. Há reflexos nas lavouras de soja, milho, algodão e café nas principais regiões produtoras do País. Já se fala em queda na produção de grãos, café e fibras. Na pecuária, o gado de corte e leite está sofrendo com a exposição ao calor e com a queda na qualidade dos pastos.

O atraso no plantio da soja devido à inconstância do tempo – seca em algumas regiões, chuvas demais em outras – e às temperaturas elevadas compromete o calendário das próximas safras, como a do milho-safrinha. E isso pode se refletir também nos preços dos produtos e, consequentemente, na inflação.

Na quinta-feira, 7, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) divulgou sua projeção para a safra 2023/2024 no Brasil: a previsão é de atingir 312,30 milhões de toneladas, um volume 2,4% inferior ao obtido na safra 2022/23 (319,97 milhões de toneladas). A justificativa é a baixa ocorrência de chuvas e as altas temperaturas registradas nos Estados do Centro-Oeste, enquanto no Sul do País, principalmente no Rio Grande do Sul, há um excesso das precipitações. Essas condições climáticas adversas afetaram o desenvolvimento de importantes culturas, como a soja e o trigo.

Lavoura de milho é uma das afetadas Foto: Helvio Romero / AE

O diretor de Política Agrícola e Informações da Conab, Silvio Porto, disse que a redução da expectativa da safra 2023/24 está diretamente associada ao comportamento desfavorável do clima, em função do El Niño, evento atmosférico que se caracteriza pelo aumento significativo e anormal da temperatura em determinadas regiões. Como a previsão do clima para os próximos meses é desfavorável, não há expectativa de que a produção se recupere de forma a chegar a um novo recorde de produção, segundo ele.

“Além do excesso de chuva no Sul e irregularidades na precipitação na região do Matopiba e Semiárido brasileiro, o País seguirá apresentando altas temperaturas. Isso poderá acarretar a perda de produtividade e redução da área plantada de milho 2.ª safra”, disse. Isso não significa, segundo ele, que a produção brasileira atingiu patamar de estagnação, mas apenas que, na safra atual, a produção sofre influência do comportamento desfavorável do clima.

Modelos de previsão do Instituto Internacional de Pesquisa e Clima indicam que a fase quente do El Niño vai se prolongar em todo o verão, até o final de março. Durante o período, as temperaturas ficarão acima da média em todo o País. A cultura mais atingida é a soja, principal cultivo de verão do Brasil, especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste. Veja as culturas e produções que sofrerão maior impacto:

Soja: atraso no plantio e menos grãos

A estimativa de produção da soja nesta safra é de 160,2 milhões de toneladas – uma alta de 3,6%. Mas, segundo a Conab, o plantio da oleaginosa continua atrasado em todas as regiões produtoras. “Estamos em uma área de clima mais temperado, diferente do calor de Mato Grosso, mas até aqui já houve impacto no crescimento vegetativo em algumas regiões. O pior ainda está por vir, porque entramos no pico da floração e há previsão de temperatura de 33 a 34 graus. Um calor desses causa abortamento das flores”, disse o engenheiro agrônomo e produtor Vandir Daniel da Silva, de Itapeva, no sudoeste paulista.

Calor e luminosidade são essenciais para as lavouras de clima tropical como a soja, mas na medida certa. O excesso pode causar o murchamento e a escaldadura das folhas, prejudicando a fotossíntese, processo essencial para a alimentação da planta, segundo especialistas. Conforme o engenheiro agrônomo José Renato Bouças Farias, pesquisador da Embrapa Soja, temperaturas acima de 30 graus aceleram o ciclo vegetativo da cultura, fazem as plantas emitir flores mais cedo, com as plantas muito baixas, o que acarreta produtividade menor.

O presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja-MT), Fernando Cadore, disse que os produtores estão apreensivos com a seca e as ondas de calor que têm afetado o Estado, maior produtor nacional do grão. “Temos acompanhado as situações de campo e ainda é difícil mensurar o impacto das perdas. O fato é que já existem e vai depender de como se comportará o clima daqui por diante. Toda queda de produção traz queda de rendimento e isso vai afetar a formação das novas safras, seja a segunda safra, que é milho, seja a safra futura de soja”, disse.

Segundo ele, o produtor que vem fertilizando o solo com folga há algum tempo tem condição de usar sua reserva de solo e reduzir a aplicação de insumos. “O principal insumo do produtor é a rentabilidade, e ele vai fazer as contas. Na pandemia, os preços dos fertilizantes subiram e a gente viu uma nítida redução principalmente na aplicação do fósforo. Sem dúvida, a situação climática pode trazer uma redução de tecnologia, inclusive no uso de fertilizantes, para reduzir custos e tentar fazer com que a safra fique viável nos próximos anos”, disse.

No Rio Grande do Sul, as chuvas fortes sucedidas por ondas de calor atrasaram o plantio de soja em regiões como o noroeste gaúcho, segundo o produtor e presidente do Sindicato Rural de Santo Ângelo, Laurindo Nikititz. “A sensação térmica hoje (1º de dezembro) aqui é de 40 graus. O plantio da soja já deveria ter se encerrado, mas estamos com menos de 70% plantados. Já tivemos de fazer o replantio em algumas áreas nas coxilhas por causa do excesso de umidade e pelo calor, com o escaldamento da soja nova.”

Esse atraso, segundo Farias, da Embrapa, vai atrapalhar o calendário de cultivos. “A alta temperatura rouba muito rápido a água do solo e o produtor não pode plantar. O plantio atrasado pode levar o agricultor a perder a janela (melhor período de plantio) da próxima safra e assim estreitar o calendário. Com todas essas mudanças no clima, o produtor terá de avaliar os riscos e ver se vale a pena fazer duas ou mais safras por ano. Ele talvez precise abrir mão de uma lavoura, investindo mais em uma única safra de menor risco”, disse.

Milho mais sujeito ao ataque de pragas

Na produção de milho, segundo grão mais cultivado no País – 21,1 milhões de hectares que devem produzir 119 milhões de toneladas -, o risco está no aumento de pragas. “O ciclo da cultura é adiantado e a produção cai. Só o calor não seria tanto problema, mas ele é associado à alta demanda de água. A alta temperatura provoca um consumo energético mais elevado e a planta precisa retirar mais água do solo. É quando acontece o estresse hídrico, que reduz a produção”, explicou o pesquisador da Embrapa, José Renato Bouças Farias.

Uma temperatura média noturna acima de 24 graus provoca um consumo energético mais elevado para a planta se desenvolver e causa queda de produtividade. O milharal fica mais sujeito ao ataque de pragas.

Florada antecipada, menos café no pé

Os produtores de café já dão como certa a redução na safra em relação à anterior. Em Minas Gerais, maior produtor de café arábica do País, as floradas foram antecipadas e os grãos estão sem uniformidade e em menor volume. “Quando o calor passa de 30 graus, a planta diminui a fotossíntese, reduz o desenvolvimento e emite uma florada irregular e não há uma granação uniforme”, disse o produtor Francisco Sérgio de Assis, presidente da Cooperativa de Cafeicultores do Cerrado de Monte Carmelo.

Os cafezais da região emitiram a florada em outubro, após uma sequência de dias de muito calor. “Agora é a fase de emissão dos chumbinhos (grãos pequenos), mas as rosetas de café estão ficando banguelas, ou seja, onde era para ter 20 chumbinhos têm apenas 6. As folhas ficaram escaldadas pelo calor e algumas amarelaram, reduzindo a fotossíntese. Tem feito muito calor e as plantas não estão preparadas para isso. Às 10 da manhã, com o tempo nublado, a temperatura está em 32 graus”, disse.

Feijão: plantas murcham sob calor

Cultura essencial para a cesta básica do brasileiro, o feijão teve um aumento de área nesta safra, segundo a Conab, mas as lavouras podem ser muito afetadas pelo calor intenso. O plantio da primeira safra, ou safra das águas, está em em andamento no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo. A expectativa é de produção de 3,1 milhões de toneladas em 2,78 milhões de hectares.

O produtor Arnaldo Vivan, de Quadra, interior de São Paulo, plantou 25 hectares de feijão no final de setembro e viu a produtividade minguar devido às sucessivas ondas de calor. “As chuvas que vieram foram fortes e rápidas, sucedidas por períodos de veranico (temperaturas altas) que prejudicaram muito a floração. Teve uma semana inteira com o feijoeiro todo murcho. Planto há mais de 40 anos e poucas vezes vi um calor assim”, disse.

Menos pluma no algodoal

O algodão vai ocupar área recorde nesta safra, de 1,71 milhão de hectares, com a produção podendo chegar a 3 milhões de toneladas de pluma, segundo a Conab, mas a lavoura também é suscetível ao calor em excesso. O clima mais quente deixa a planta sujeita ao ataque de doenças e pragas, especialmente as lagartas, que podem prejudicar a qualidade das plumas. Por outro lado, produtores do Mato Grosso estão antecipando o plantio de algodão em áreas em que não conseguiram cultivar a soja devido ao calor e à falta de chuvas.

Plantas invasoras no arrozal

O arroz está em fase de semeadura e o calor excessivo pode prejudicar a formação das lavouras. Segundo a Conab, o cereal tem previsão de aumento na área plantada e na produção, que pode chegar a 10,8 milhões de toneladas. Os plantios estão adiantados no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Goiás.

A maior parte do arroz brasileiro é irrigada, mas a planta pode ser prejudicada pela elevação excessiva da evaporação. Nas áreas irrigadas, o excesso de chuva prejudica o manejo da cultura. Em Dom Pedrito, região da campanha gaúcha, muitos produtores deixaram de semear por conta dos alagamentos.

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