No sudoeste paulista, apicultura reinventa a vida de assentados  - Summit Agro

No sudoeste paulista, apicultura reinventa a vida de assentados 

4 de abril de 2025 5 mins. de leitura

Atividade permitiu a ex-borracheiro montar entreposto que exporta parte da produção e estimulou a criação de uma associação de mulheres Por Igor Savenhago – editada por Mariana Collini em 04/04/2025  Por 18 anos, Israel dos Santos não teve salário fixo. Trabalhava por comissão em um posto de combustíveis às margens da Rodovia Castelo Branco, em […]

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Atividade permitiu a ex-borracheiro montar entreposto que exporta parte da produção e estimulou a criação de uma associação de mulheres

Por Igor Savenhago – editada por Mariana Collini em 04/04/2025 

Por 18 anos, Israel dos Santos não teve salário fixo. Trabalhava por comissão em um posto de combustíveis às margens da Rodovia Castelo Branco, em Iaras, no sudoeste paulista. Borracheiro, recebia 40% dos serviços que executava e 10% das vendas de pneus e câmaras de ar.

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Admirador das abelhas, sonhava com o dia em que poderia viver em contato com elas. Morador do assentamento Nova Vida desde 2005, chegou a implantar, por conta própria, algumas caixinhas para criar os insetos. “Eu tinha umas 30 caixas, mas todas fora de padrão”. 

Sem condições financeiras para comprar roupas adequadas para lidar com as colmeias, tomou muita ferroada, mas isso não foi suficiente para que mudasse de ideia. No próprio posto, soube de um curso do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), pelo qual pagaria R$ 50 por mês. Acreditou. Não teria outra chance como aquela.  

Hoje, a rotina de Santos no assentamento é cuidar de 1.150 caixas com abelhas. Ele montou o entreposto Mais Mel, que processa de 25 a 30 toneladas de mel por ano. Envasa uma parte da produção em sachês e embalagens de 300 e 500 ml. Outra parte é entregue em outro entreposto, especializado em exportação. 

O negócio, que começou em 2011, ganhou um reforço há dois anos: a chegada à Iaras da Assistência Técnica e Gerencial (ATeG) do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural em São Paulo (Senar-SP). Santos fez parte da primeira turma de capacitação e atendimento promovida pelo técnico Paulo Forti, agrônomo. 

O conhecimento adquirido permitiu ao apicultor aumentar a produtividade em 45%. “Para mim, as abelhas representam felicidade. Gosto de ver como elas trabalham e interagem. São uma inspiração para o próprio trabalho da gente. Elas ensinam que tudo o que se faz com amor dá resultado”, conta Santos. “Sempre gostei de abelhas, mas trabalhava muito errado. O Senar me ajudou muito a organizar a atividade”. 

Para tocar o entreposto, ele tem ajuda da esposa, de uma filha, uma neta e um funcionário. Esforço revertido em benefícios à família. “Mudou tudo. O que temos hoje veio com a apicultura”. 

O primeiro carro comprado com os recursos da atividade foi um Opala, no qual Santos conseguia transportar apenas “meia dúzia de caixas com abelhas para o apiário”. Depois, foi melhorando até chegar a uma caminhonete. “Com isso, a logística melhorou muito. Quando era borracheiro, não tinha dinheiro para comprar um prego”, lembra. 

O técnico Paulo Forti explica que o interesse pela apicultura vem aumentando entre os assentados de Iaras. Ele já atende 27 produtores, em dois assentamentos: o Nova Vida, implementado pelo Instituto de Terras de São Paulo (Itesp), e o Zumbi dos Palmares, regularizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). 

O programa de atendimento da ATeG dura dois anos. A primeira turma vai até junho próximo. Depois desse prazo, já terá autonomia para gerenciar a atividade. “Mas virão outras”, assegura Forti. “A gente tenta melhorar o conhecimento, adequar o ambiente à questão climática, enfim, promover uma mudança tanto social quanto ecológica”. 

“Eu não tinha mais nada, nem dignidade”

No Zumbi dos Palmares, a assentada Sangenes Aparecida Vieira confirma: “a minha vida no assentamento é antes do Paulo Forti e depois do Paulo Forti”. 

Há 21 anos, a então costureira na capital paulista foi vítima de violência doméstica. Decidiu ir morar com os quatro filhos em meio aos acampados em Iaras. “Estava buscando um lugar em que tivesse proteção, mas, na época, a gente ainda vivia embaixo de uma lona preta. Eu não tinha mais nada. Nem dignidade”, conta. 

Sangenes afirma que, no assentamento, precisou mostrar que era capaz de quebrar estigmas impostos à mulher. E foi à luta. Terminou o Ensino Médio e só não se formou em Psicologia porque não teve condições de arcar com todos os custos da faculdade. 

A mudança viria da apicultura. E da vontade de mudar a história de outras mulheres que vivem no Zumbi. Concursada como agente de saúde na Prefeitura de Iaras, ela soube, em maio de 2023, de uma reunião em que Forti apresentaria as possibilidades da criação de abelhas. “Me apaixonei. Foi um divisor de águas. Eu não imaginava a importância que elas [abelhas] têm na nossa vida”.  

Dando os primeiros passos na atividade, ela extrai mel e própolis de 50 caixas. Aumentou a renda mensal em R$ 1 mil e fundou a Associação de Apicultoras e Meliponicultoras de Iaras, que reúne 12 produtoras, todas iniciantes. Entre os objetivos do grupo, estão tirar as participantes da vulnerabilidade social, desenvolver projetos culturais para incentivar a alimentação com mel e encontrar, na união e na organização das próprias abelhas, uma inspiração para o trabalho.  

“Estamos unindo esforços para construir uma casa do mel, que processe a produção e transforme a vida de mais gente. Até os maridos que não eram apicultores estão se interessando por causa das mulheres”, explica. “Está nascendo uma rede de amor”.  

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Foto: Israel dos Santos/Arquivo Pessoal

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