O apelo do bilionário da tecnologia para as pessoas deixarem de comer carne pode ter interesse comercial, afinal ele investiu em várias startups de “carne sintética”
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Por Camila Telles*
Muitos devem ter visto a declaração de Bill Gates, que afirmou que parar de consumir carne é a solução para ajudarmos o meio ambiente, amenizando os impactos gerados pelo efeito estufa. Mais do que isso, proclamou que os países desenvolvidos deveriam incentivar a sua população a não consumir a proteína animal.
Bill Gates falar que parar de consumir carne é uma saída para evitar o aquecimento global é um repeteco. Neste sentido, já tivemos mobilizações das Organização das Nações Unidas (ONU) e até do Paul McCartney que, visivelmente, parecem ser bem-intencionados, mas não bem informados nas complexas relações entre atividades humanas, digestão animal, produção de comida e química atmosférica.
Resumo da ópera: consumir menos carne e laticínios não ajudará a deter a mudança climática. Sei que estou batendo de frente com Bill Gates e Paul McCartney. Mas não dá para ver campanhas como “Menos Carne = Menos Calor” e não falar nada. A solução não está em parar de consumir carne e, sim, na criação inteligente de animais. Produzir menos carne só significará mais fome.
Mas de onde surgiu tal discurso? Veio de duas frases presentes em um relatório das Nações Unidas de 2006, intitulado “Livestock’s Long Shadow”. Impresso apenas no resumo executivo do documento e em nenhum outro lugar do corpo do relatório, as frases dizem (sic): “O setor de pecuária é um ator importante, responsável por 18% das emissões de gases de efeito estufa medidas em CO2. Esta é uma participação maior do que o transporte.”
As declarações não são precisas e sua ampla divulgação pela mídia indica um caminho errado em direção às soluções. Certamente podemos reduzir a produção de gases de efeito estufa, mas não será consumindo menos carne. Fazer este apelo é o mesmo que dizer: a partir de amanhã ninguém mais usa petróleo e/ou carvão para eletricidade, para o aquecimento das casas e para os combustíveis veiculares. Deu para entender?
Os esforços do mundo desenvolvido não devem se concentrar na redução do consumo de carne, mas em aumentar a produção eficiente de proteína animal nos países em desenvolvimento, onde as populações em crescimento precisam de alimentos mais nutritivos.
O relatório “Livestock’s Long Shadow” produziu seus números para o setor de pecuária somando as emissões da fazenda à mesa, o que inclui os gases produzidos pelo cultivo dos cereais que são a matéria-prima da ração animal, as emissões digestivas dos animais e a transformação de carne e leite em alimentos. Tal metodologia gerou toda essa confusão que despertou ativistas contra a carne no mundo todo.
Enquanto Bill Gates lança um livro pra incentivar o não consumo da carne e Elon Musk tenta colonizar Marte, o agro segue na busca de soluções para, de fato, salvar o planeta sem deixar ninguém passar fome.
Ahh! E não podemos esquecer que Sr. Gates investiu em uma série de startups de ‘carne sintética’, além de ser conhecido como o rei das fazendas nos Estados Unidos por ter comprado, recentemente, uma propriedade rural com mais de 97 mil hectares no sul do país. Tudo isso soa como um discurso comercial e incoerente. Não acha?
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*Camila Telles é produtora rural, empresária, comunicadora e defensora do agro brasileiro. Formada em Relações Públicas com especialização em Marketing Estratégico, seus vídeos nas redes sociais têm mais de 1 milhão de visualizações, atingindo também o público que não tem convívio com o setor.
Nota: Este texto não reflete, necessariamente, o opinião do Estadão.