O declínio do ambientalismo de PowerPoint

14 de abril de 2022 6 mins. de leitura
A agricultura demanda apoio para a consecução de ações conservacionistas de verdade e sonha com a queda do véu da sustentabilidade de faz de conta

Embaixadores do Agro

Por Fernando Cadore*

Sempre que um novo conflito armado eclode no mundo, uma assertiva quase axiomática volta a ser propalada: na guerra, a primeira vítima é a verdade. De fato, no cenário atual, em que uma ideia alcança o mundo em fração de segundos, o engodo é uma arma poderosa, tanto para confundir o inimigo, quanto para ampliar seus aliados.

Curiosamente, temos nos deparado com outro fenômeno resultante desse conflito, as incongruências nos discursos de líderes mundiais, embustes com os quais nos acostumamos a conviver quase de forma letárgica. A guerra, portanto, tem capacidade de vitimar certas verdades e desnudar determinadas mentiras.

Um exemplo muito claro desse fenômeno está na pauta ambiental. Embora haja controvérsia científica em torno do aquecimento global, o consenso fica por conta da noção de que todo impacto da ação humana deve ser mitigado, sempre que possível.

Sabemos que impacto antrópico zero é utopia, mas convergimos que agir negligentemente como se não houvesse amanhã também não atende ao senso comum de civilidade. Portanto, o segredo está no equilíbrio, como em tudo na vida.

Dados da Embrapa Territorial, corroborados pela Nasa, dão conta de que o Brasil preserva mais de 66% de sua vegetação nativa. A título de comparação, a França tem apenas 30% de seu território coberto por vegetação. Porém, há uma diferença fundamental, pois boa parte da vegetação daquele país é floresta plantada.

Mas aí o leitor pode estar se perguntando: plantar florestas não é bom para controlar o clima? De acordo com pesquisa publicada pela revista “Science” em 2016, não da forma como a Europa tem feito. Isso porque a substituição de vegetação de folhas largas por pinheiros, de acordo com os pesquisadores, pode ter sido responsável por 6% do aquecimento global atribuído à queima de combustíveis fósseis.

No sudoeste da França, a floresta de Landes, com 14 mil km² de pinheiros, mostra o quanto uma estratégia equivocada de sustentabilidade pode ser nociva e contrária aos propósitos que a criaram. Indo além do problema ocasionado pelo plantio de árvores de crescimento rápido, a Europa convive com um desafio ainda maior: 58% de suas espécies de árvores endêmicas estão ameaçadas de extinção.

Em outro prisma, dados relativos ao consumo energético de fontes não renováveis dão conta de que a França consome 11,9 terawatts/hora por milhão de habitantes da queima de óleo e carvão, enquanto o Brasil 6,9. Ou seja, seu consumo de energias de fontes não renováveis é proporcionalmente 40% menor.

Então, por que coexistimos com duras críticas do chefe de Estado francês a respeito das nossas políticas ambientais? Seguindo o pensamento filosófico, a resposta pode estar no Argumentum ad Nauseam, ou “argumento até a náusea”, em latim. O presidente francês utiliza-se de verborragia para lançar uma cortina de fumaça sobre questões políticas internas do seu país.

As contradições são patentes em seus discursos. Em janeiro de 2021, por exemplo, o chefe de Estado alegava ter um plano para acabar com a dependência europeia da soja brasileira. Utilizou até uma frase de impacto para reverberar seu plano: o desenvolvimento da soja europeia – típico de discursos falaciosos.

Mas como o líder de um país que já utiliza mais de 52% do seu território para a produção agropecuária – e que admite gramíneas para o cumprimento de metas de proteção de Áreas de Preservação Permanente (APP) – poderia cogitar ampliar a produção? Todavia, ele foi mais longe. Em alusão aos impactos do conflito armado entre Rússia e Ucrânia, em março desse ano, enquanto presidente do Conselho da União Europeia, Emanuel Macron, presidente francês, propôs uma ação coordenada dos países produtores para aumentar temporariamente os limites de produção. O que seria isso, produzir em áreas protegidas?

O intento do líder francês não foi isolado. O agronegócio norte-americano já se movimenta para buscar autorização para cultivo em áreas protegidas diante do risco de oferta de alimentos originado pela guerra. A Alemanha, por sua vez, permitirá que os agricultores semeiem para a produção de ração em áreas anteriormente protegidas ecologicamente.

E mais recentemente o Governador do Bankitalia, o Banco Central Italiano, Ignazio Visco, afirmou que o foco agora serão as questões atinentes à segurança energética, o abastecimento de gás, a diversificação das fontes de energia e as matérias-primas. Segundo Visco, estes são novos desafios que se sobrepõem à transição verde, tornando-a mais difícil.

O compromisso com o desenvolvimento sustentável é de todos, defeso em comando constitucional e objeto de diversos acordos firmados entre os países. Alguns players de fato poderiam contribuir mais do que em 280 caracteres, mas preferem dedicar esforços à cantilena que gera muitos likes em redes sociais. Empresas que vivem do agronegócio fazem bonitos ESGs em apresentações de alto impacto.

Por último, até o Banco Central Brasileiro decidiu entrar nessa moda ao publicar uma portaria que impede o proprietário em bioma Amazônia de tomar crédito para a área integral caso tenha um embargo vigente, independente da causa e da extensão do embargo, tratando de forma discriminatória aquele que já tem que preservar 80% do seu imóvel sem qualquer apoio governamental. Qual resultado esperam de uma ação que marginaliza produtores de uma região que precisaria ser mais bem assistida?

Enquanto isso, os ambientalistas de fato, aqueles que detém em suas propriedades mais de 218 milhões de hectares de vegetação nativa, aguardam a criação dos famigerados mecanismos de remuneração pela prestação de serviços ambientais, na esperança de que se consiga acordar os ambientalistas do twitter ou os renomados executivos da agroindústria do ESG de PowerPoint. A agricultura demanda apoio para a consecução de ações conservacionistas de verdade e sonha com a queda do véu da sustentabilidade de faz de conta.

*Fernando Cadore é produtor rural, engenheiro agrônomo e presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja MT).

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