Tecnologia no campo irá gerar informações que auxiliarão os produtores a tomarem decisões baseadas em evidências e não mais em suposições empíricas
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Marcos Ferraz*
A agricultura passou por algumas revoluções ao longo da história, primeiramente a “revolução verde com a qual passamos a utilizar fertilizantes e técnicas mais intensivas, permitindo altas produtividades mesmo em locais onde antes o cultivo era praticamente inviável”. Fomos avançando nas técnicas, aprimorando os defensivos, máquinas e insumos utilizados, até que houve um novo salto com o início do uso dos transgênicos e a chamada revolução biotecnológica, o que fez com que a agricultura alcançasse outros patamares e possibilidades.
Enquanto alguns ainda se adaptam à biotecnologia, uma nova revolução está prestes a acontecer na agricultura, a transformação digital. Um fenômeno que já causou revolução em muitas outras áreas (medicina, transportes, logística, economia etc.) e que aponta com ânsia para revolucionar o mercado agrícola. Um bom exemplo disso são os altos investimentos em startups de tecnologia voltadas ao agronegócio. De acordo com dados do Radar Agtech Brasil 2020/2021 estima-se que cerca de 1.574 agtechs estão ativas em todo o país, um aumento de 40% em relação a 2019, quando o estudo mapeou 1.125 startups voltadas ao agronegócio no Brasil. Mas qual o real benefício que essa revolução poderá causar?
A tecnologia no campo irá gerar informações que auxiliarão os produtores a tomarem decisões baseadas em evidências e não mais em suposições empíricas. Por exemplo, um agricultor tem ideia hoje que a variedade A é melhor que a variedade B em determinada situação (por exemplo: sob déficit hídrico), mas com as informações corretas, ele irá saber exatamente quanto e em quais situações a variedade A é melhor que a B, podendo calcular com exatidão se o investimento irá ser compensado.
Essa é a chamada gestão baseada em dados, que seria o preceito do que conhecemos como agricultura de precisão, uma estratégia de gestão que considera que a lavoura não é uniforme, tanto espacialmente quanto temporalmente, ou seja, não devemos sempre aplicar os mesmos produtos nas mesmas doses para todos os locais, temos que considerar as variáveis e de fato medir para recomendar apenas o necessário, aumentando a lucratividade da área. Apesar da transformação digital do mundo parecer algo recente, o termo agricultura de precisão surgiu na década de 1990, e no início dos anos 2000 já existiam consultorias especializadas e equipamentos nacionais para a aplicação em doses variáveis de insumos com base em mapas. A grande mudança agora é a quantidade de ferramentas e possibilidades que temos disponível, o que facilitará e muito esse trabalho. Quanto mais acesso tivermos às novas tecnologias – softwares, sensores, ferramentas de análise – mais oportunidades teremos de tornar a agricultura cada vez mais sustentável e eficiente, gerando benefícios para toda a humanidade.
Essas informações farão com que todo o conhecimento que temos hoje relacionado à agricultura evolua de modo exponencial. No entanto, para isso realmente acontecer, os sistemas deverão não apenas apresentar as informações aos usuários e sim apresentar as recomendações que deverão ser efetuadas. Por exemplo, se o GPS do carro ao invés de informar exatamente qual a melhor rota a seguir fornecesse todas as rotas possíveis e deixasse essa decisão por conta do usuário, com certeza haveria muito menos adeptos da tecnologia. Hoje, estamos visualizando algo neste sentido, muitas ferramentas, mas ainda provendo apenas soluções pontuais, e necessitando de gastos com interpretação para uma real geração de valor.
Os sistemas deverão ser capazes de compreender as informações e analisá-las, tomando a melhor decisão de maneira autônoma, para isso é necessária uma grande quantidade de dados (confiáveis) e que consigam monitorar todas as variáveis do processo de produção agrícola, que, por ser um sistema aberto, são muitas. Em uma fábrica de parafusos, por exemplo, é possível saber exatamente a quantidade de parafusos que será produzida baseada em determinado investimento em matéria-prima, pois todos os processos são controlados. É isso que a revolução tecnológica pode causar na agricultura: a garantia das melhores decisões de forma automatizada e a perfeita previsibilidade do retorno sobre o investimento efetuado.
A evolução das técnicas de análise como o aprendizado de máquinas, inteligência artificial, entre outros, faz com que isso seja possível. Um exemplo que temos hoje são as redes sociais e os sites de busca que utilizam diversas informações que fornecemos para a rede como imagens, sons, tempo de atenção, palavras, para traçar nosso perfil de consumo e orientar as melhores estratégias e produtos que seriam de nosso interesse. A agricultura evolui para algo semelhante, as diversas informações obtidas servirão como base para orientar as melhores recomendações para cada local do talhão, considerando-se todos os fatores possíveis.
Não digo que nós, engenheiros agrônomos ou outros profissionais da agricultura, iremos perder nosso emprego para as máquinas, pois sempre existirão inovações e novas possibilidades para serem implementadas, mas a cultura do achismo irá acabar. Iremos focar em trazer cada vez mais inovações e novas possibilidades para o processo de produção, o qual será rastreado e melhorado continuamente.
Marcos Ferraz – presidente da Associação Brasileira de Agricultura de Precisão (AsBraAP), entidade associada da Esalqtec.