Se dificultar as exportações gerasse resultados positivos, a Argentina não estaria vivendo níveis inflacionários tão elevados
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Por Maurício Palma Nogueira
Entre 2018 e 2021, a disponibilidade de carnes bovina, suína e de aves por habitante no Brasil recuou 2,5 quilogramas. A principal causa é a queda na produção de carne bovina, que registrou um recuo de 9,9% no período. Nesse caso, a disponibilidade recuou 4,5 quilogramas por habitante, considerando a produção formal, fiscalizada pelos sistemas municipais, estaduais e federal. No mesmo período, as exportações de carne bovina aumentaram 12,9%, respondendo à demanda internacional no período.
O objetivo de usar 2018 como base para essa análise é compreender o impacto dos acontecimentos internacionais no mercado brasileiro. Naquele ano foram identificados os primeiros casos de peste suína africana na Ásia, doença que acabou por atingir o ápice de seu impacto negativo ao longo de 2019. Em um ano, a produção global de carne suína recuou 11 milhões de toneladas, quantidade que supera em mais de 50% o total comercializado anualmente no mercado internacional.
País mais impactado pela crise da peste suína africana, a China conta com uma população de 1,4 bilhão de habitantes e registrou aumento de 115% no PIB per capita nos últimos 10 anos. A reação do país no mercado internacional foi significativa. Entre 2018 e 2021, a quantidade de carnes (suína, bovina e de aves) comercializada no mundo aumentou 2,45 milhões de toneladas, equivalente a 36% do que o Brasil exportava em 2018, considerando as três carnes.
É importante abrir parêntesis e lembrar que o contato com o vírus que causou a pandemia mundial ocorreu justamente na China, em um mercado que mantém cativeiro e comercializa diversos animais da fauna exótica, usados como fonte de proteína para atender a demanda crescente. A dificuldade de atender a demanda por proteínas com qualidade está entre as causas da pandemia.
Voltando ao raciocínio, o cenário abriu caminho para que o agronegócio brasileiro ganhasse mais espaço, tanto no mercado de proteínas, como no de grãos. O cenário, evidentemente, casou um impacto inflacionário que elevou os preços das carnes no Brasil. O maior aumento foi registrado para a carne bovina que, entre 2018 e 2022, ficou 78% mais cara ao consumidor. O preço da carne de frango aumentou 64,6%, mas é o comportamento da carne suína que vale olhar com um pouco mais de atenção, no momento.
O setor suinícola foi o mais estimulado pelo cenário. No período analisado, de 2018 a 2021, as exportações brasileiras aumentaram 76%, fazendo com que o país saísse da quarta para a segunda posição do ranking internacional de exportações, depois de ocupar o primeiro lugar por um tempo. Em quantidade, o aumento das exportações no período somou 482 mil toneladas. O estímulo com as perspectivas de lucro via exportações também provocou uma elevação de 24% na produção no período. Em quantidade produzida, no entanto, essa porcentagem equivale a mais 940 mil toneladas de carne suína. Observe que se trata de quase o dobro do aumento nas exportações.
É por essa razão que o preço da carne suína ao consumidor em 2022 é 48% mais alta do que o registrado em 2018. Até 2021, os preços das três carnes haviam subido proporcionalmente ao consumidor, enquanto até 2020 era a carne suína que havia registrado o maior aumento.
Abordar esse comportamento é importante para contrapor sugestões que sempre são semeadas em momentos de elevada inflação. Via de regra, recomenda-se dificultar as exportações, fazendo com que os produtos permaneçam no mercado interno e, consequentemente, venham a pressionar os preços. A solução, no entanto, tem impacto positivo apenas no curtíssimo prazo, visto que a oferta será imediatamente afetada pelos baixos resultados financeiros obtidos na produção. Um problema que seria naturalmente resolvido em um a três anos, dependendo da proteína, acabará sendo prolongado para cerca de uma década.
Se tais medidas gerassem soluções realmente positivas, a Argentina não estaria vivendo níveis inflacionários tão elevados.
No caso da bovinocultura de corte, o longo ciclo de produção faz com que a reação aos estímulos seja mais lenta. Mas também ocorrerá.
Com base em estudos e entrevistas com produtores, a Athenagro estima que a intenção de investimentos anuais em aumento de produtividade na pecuária de corte até 2025 será duas vezes maior do que a média observada nos últimos dez anos, considerando o cenário mais pessimista. No cenário mais provável, o produtor tentará investir cerca de três vezes mais, ao ano, do que investiu na última década.
A produção brasileira está acelerando o seu pacote tecnológico, o que implica em benefícios sociais e ambientais. E essa aceleração ocorre porque os produtores e indústrias estão almejando o lucro, obtido de forma técnica, lícita e planejada.
Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária