Carro versus boi. Faz sentido essa comparação?

7 de janeiro de 2021 4 mins. de leitura
Pandemia trouxe à tona o quanto os transportes terrestres impactam as emissões de gases do efeito estufa; produção pecuária pode ser carbono neutro, dependendo do sistema adotado

Embaixadores do Agro

*Por Camila Telles

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Mesmo com a pandemia, o final de ano teve trânsito intenso em vários cantos do país. E aí me veio uma pergunta: “Quantas vezes as pessoas criticaram a agropecuária de dentro de um carro com ar-condicionado ligado?”

O que mais escuto como consequência da desinformação que nos assombra é que a flatulência dos bovinos – mais conhecida como pum – é a grande responsável pelos Gases do Efeito Estufa (GEE). Me causa espanto as pessoas se apegarem a esta única informação, falsa por sinal, e a tomarem como verdade absoluta, sem nem procurar mais informações sobre o assunto. É aquela coisa: me mandaram no grupo do WhatsApp, e eu acredito. Então vamos desmistificar este tópico? 

Primeiro, o gás poluente mais conhecido é o carbônico (CO2), que vem da fumaça dos carros, das chaminés, das descargas das fábricas e das queimadas. Outro gás do efeito estufa é o metano (CH4), que vem do lixo orgânico (restos de alimentos) e também é produzido pelos bovinos. 

Falando neles, existem diferentes formas de cria-los. Os gases que os animais emitem dependem de vários fatores: da sua raça, do que ele come, de como é criado, entre outros. 

Pecuária pode ser carbono neutro, dependendo do sistema produtivo (Crédito: Gabriel Faria/ Embrapa)

Voltando ao carro, à moto, ao ônibus e aos caminhões, a emissão veicular também depende de vários elementos. Mas ao contrário dos bois, os veículos não contam com as árvores e com o pasto para compensar a emissão de gás carbônico que eles produzem.  Por isso é errado comparar um carro com boi. 

Em média, um boi adulto criado a pasto produz em um ano cerca de 1,7 tonelada de CO2, a mesma quantidade que um carro produz ao percorrer 5 mil quilômetros. Isso dá uns 13km por dia. Mas no fim da sua vida, o carro vai para o ferro-velho, enquanto o boi se torna alimento. 

Se juntarmos todo o rebanho bovino brasileiro em um curral, o tamanho seria menor que a cidade de Campinas. Eles ocupariam menos de 0,01% do território brasileiro. Mas enquanto eles estão espalhados pelo Brasil, o capim e as árvores ao seu redor conseguem capturar os gases produzidos. Além disso, as árvores ajudam a melhorar o ar, porque aumentam a quantidade de oxigênio (O2).

Há centenas de pesquisadores estudando a produção pecuária. Um bom exemplo é a “Carne Carbono Neutro”, uma marca-conceito desenvolvida pela Embrapa, que atesta a carne bovina proveniente de sistemas de baixa emissão de GEE ou de emissão zero, devido à presença de árvores em sistemas de integração do tipo silvipastoril (pecuária-floresta) ou agrossilvipastoril (lavoura-pecuária-floresta). 

Os gases e a pandemia

De acordo com a revista Nature Climate Change, durante a pandemia da COVID-19, mais especificamente entre os meses de março e abril de 2020, houve uma redução de 17% da emissão de CO2 (equivalente a 17 milhões de toneladas), quando comparado com a média global do ano de 2019. Já no Brasil, a redução foi de 25,2% entre 20 de março e 3 abril. 

A pandemia diminuiu a quantidade de gases lançados na atmosfera, principalmente por conta da restrição dalocomoção causada pelo isolamento social, que provocou uma redução de 65% na circulação dos transportesterrestres. E os bovinos? Os animais continuaram no pasto, comendo, soltando gases, fazendo suas necessidades fisiológicas. E o gás que eles soltam? Continuou sendo neutralizado. 

Conseguem ver a importância de analisar as informações que chegam “prontas” como verdade absoluta? Com menos metano no ar, ajudamos o Brasil a ter uma pecuária sustentável, ou seja, que não agrida o meio ambiente. Temos um time competente de produtores, investidores e pesquisadores trabalhando nisso.

Conselho do dia: saia do ar-condicionado do carro, use o transporte público, ande de bicicleta. Você vai descobrir que a pecuária não é a vilã das emissões de GEE. Mas, sim, as várias rodas que giram diariamente no mundo todo.

*Camila Telles é produtora rural, empresária, comunicadora e defensora do agro brasileiro. Formada em Relações Públicas com especialização em Marketing Estratégico, seus vídeos nas redes sociais têm mais de 1 milhão de visualizações, atingindo também o público que não tem convívio com o setor.

Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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