Setores público e privado precisam se unir para garantir a segurança alimentar e reduzir os
impactos ambientais das atividades agrícolas
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Gabriel Klabin*
A realidade imposta e acelerada hoje pela covid-19 trouxe para a sociedade um novo paradigma. Estamos vivenciando um período de uma nova revolução, não somente no setor do agronegócio, como também na maneira pela qual nos relacionamos com o meio ambiente. Por outro lado, muitos indicam que as mudanças climáticas seriam como uma pandemia, com efeitos estendidos por um período indefinido e permanente. Uma covid sem fim. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que a principal ameaça à saúde neste século são as mudanças climáticas e seus impactos globais.
E o que o agro tem a ver com isso? Pois bem, ele pode ser um dos catalisadores desse processo, caso suas premissas não considerem os limites do meio ambiente. O setor também pode ser a principal vítima das mudanças climáticas, já que o é uma indústria a céu aberto, sujeita a todo tipo de intempéries. O que poucos sabem é que nenhum outro setor da economia está tão bem posicionado para ajudar a reverter este cenário, como a agricultura.
Há pouco mais de 10 anos, pesquisadores da Embrapa desenvolveram o plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC), cujas práticas estão presentes em milhões de hectares no Brasil e ajudaram o país a cumprir 73% da meta de redução de gases de efeito estufa assumidas em algumas das técnicas preconizadas, como a integração lavoura-pecuária e lavoura- pecuária-floresta permitem não somente que o produtor rural tenha maiores ganhos econômicos, como também contribuem para tornar os sistemas mais resilientes e adaptados às mudanças do clima, além de auxiliar na redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Deste modo, a falsa dicotomia entre produzir e conservar está sendo superada com uma mudança de mentalidade que levou os atores ligados ao agro a um novo processo de trabalho, buscando um sistema de colaboração e interação entre os setores público e privado. Todos os elos da cadeia estão envolvidos na adoção de novas tecnologias como ferramentas para garantir a segurança alimentar e reduzir os impactos ambientais das atividades agrícolas, tais como: internet das coisas, inteligência artificial, big data, data lakes, computação móvel em nuvem, monitoramento baseado em geolocalização (via sensoriamento remoto utilizando satélites e drones), conectividade e mídia social, que levam a um aumento da produtividade e ecoeficiência dos sistemas agrícolas. Isso se dá em função da facilidade da tomada de decisão, quase em tempo real.
O investimento em uma agricultura mais tecnificada, conectada e precisa resulta em otimização do uso de insumos no campo, na busca por produtos mais ecológicos, com maior eficiência agrícola, além de ser uma prática mais sustentável e conservacionista. E, claro, por proporcionar maior rentabilidade e previsibilidade nos negócios.
Esse novo modelo de agricultura possibilita a rastreabilidade de toda a cadeia, desde dentro da porteira até o consumidor final, permitindo assim que ele faça escolhas baseadas nos seus comportamentos e nas suas expectativas de um futuro sustentável.
Ciência, tecnologia e inovação são necessárias, mas insuficientes para atingir os objetivos globais para o desenvolvimento sustentável (ODS), estabelecidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em 2015, se não tiverem um viés colaborativo entre todos os atores da cadeia de valor, incluindo o setor público. Já o setor privado, de maneira mais intensa nos últimos anos, busca colocar dentro de suas companhias um conjunto de políticas visando melhores práticas ambientais, sociais e de governança focadas na sustentabilidade (ESG).
Neste cenário, o que se tem observado, com mais frequência, são políticas para definições da comercialização de créditos de carbono. Assim, empresas e produtores rurais podem alinhar-se aos princípios da sustentabilidade, por exemplo, com boas práticas que aumentam o aporte de carbono no solo e diminuam o efeito de gases de efeito estufa nos meios de produção. Consequentemente, os créditos de carbono comercializáveis trazem benefícios não somente à propriedade rural, como também para a sociedade, ecossistemas e, de forma mais ampla, ao planeta.
Neste sentido, a Santos Lab, primeira empresa brasileira a mapear o carbono do solo com baixo custo e precisão, obedece aos mais rigorosos critérios de certificadores internacionais e vem colaborando diretamente na cadeia de fornecimento de serviços e produtos que ajudam as empresas a atingir os ODS. A empresa oferece ao mercado uma plataforma digital ESG pioneira no setor, caracterizada por ser um sistema construído em nuvem que garante o compartilhamento seguro de dados, abrigando um amplo conjunto de informações das propriedades rurais, abrangendo não só as áreas agrícolas, mas também as áreas destinadas à manutenção da vegetação nativa (reserva legal e área de preservação permanente).
Essa tecnologia permite o compartilhamento de recursos no agronegócio. Abordagens baseadas na escala da paisagem e do ecossistema como as desenvolvidas pela plataforma, podem conduzir a estratégias mais integradas para uma agricultura regenerativa, além de mediar a comunicação entre os sistemas, serviços e setores que interagem no agronegócio.
Ações nesse sentido convergem no conceito de soluções baseadas na natureza (SbN; do inglês, nature-based solutions), uma vez que enxergam nos sistemas naturais um direcionamento para a agricultura sustentável.
Paralelamente, essas ferramentas também são úteis para agentes financeiros, que ainda carecem de feedback sobre o potencial produtivo e resiliência frente às adversidades, para o retorno com segurança do capital negociado. O chamado financiamento verde (títulos verdes ou green bonds) é uma das ferramentas que mais evoluíram no mercado financeiro brasileiro. Desta forma, produtores que já aderem a essas práticas podem ser recompensados, enquanto aqueles que ainda não fizeram essa transição podem dispor de incentivos financeiros concretos para tal.
Um dos grandes desafios encontrados é a falta de uma solução digital (dado o seu poder de escala e baixo custo) que integre e promova a interação entre produtores, agentes financeiros, prestadores de serviço e demais envolvidos na cadeia agroambiental.
Acreditamos que o caminho a ser seguido pelo agronegócio está baseado no compartilhamento, por meio de um sistema ESG, de dados econômicos, agronômicos, climáticos e ambientais que facilitem a tomada de decisão no campo, permitindo ganho de produtividade, transparência, rastreabilidade, além de padrão de sustentabilidade econômica e ambiental. A colaboração e parceria entre setores é fundamental para colocar essa ideia em prática na direção de um modelo agropecuário sustentável inclusivo e regenerativo, em que a sociedade e os ecossistemas têm benefícios mútuos. A sociedade e o planeta não podem mais esperar!
*Gabriel Klabin é CEO da Santos Lab, empresa associada da Esalqtec.
Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.