Por Maurício Palma Nogueira
A diferença resumida entre pensamento holístico e cartesiano é que o primeiro envolve a análise do conjunto para entender e solucionar cada uma das partes que o compõe. O método cartesiano pressupõe a análise de cada parte até que seja possível analisar o conjunto todo.
Não há método certo ou errado, mas sim as condições em que ambos se aplicam. Evidentemente, quando se trata de um tema que envolve múltiplas variáveis, o método holístico será mais eficientemente empregado por incluir os diversos fatores que possam impactar. Evita-se que erros sejam cometidos por adotar uma solução que gere um problema ainda maior em relação àquele que se almeja corrigir.
As discussões sobre sustentabilidade são repletas de exemplos de práticas recomendadas que poderão piorar o problema, ao invés de corrigi-lo. Para fugir um pouco do tema corriqueiro, vamos tomar o exemplo do carro elétrico.
Seja pelas competentes e agressivas campanhas publicitarias, seja pela dificuldade dos formadores de opinião em analisar o todo, a crença de que a opção pelo carro elétrico é a mais sustentável de todas já se consolidou. É uma daquelas verdades impostas por repetição até virar domínio público.
Em uma rápida navegada por artigos relacionados, nota-se que a defesa pelo uso de carro elétrico no Brasil baseia-se no perfil da matriz enérgica do país. De fato, enquanto os brasileiros gozam de uma matriz energética 48% renovável, o mundo todo opera com apenas 14% de energia gerada a partir de alguma fonte renovável.
Quando se analisa apenas a matriz elétrica, a diferença do Brasil em relação à média mundial fica ainda mais evidente. Enquanto o Brasil usufrui de 85% da eletricidade oriunda de fontes renováveis, o mundo consegue apenas 25% do total. A conclusão parece óbvia. Tendo o perfil mais limpo do mundo dentre as maiores economias, o Brasil deveria também liderar a adoção desse tipo de motor em sua matriz de transporte.
Essa conclusão, no entanto, desconsidera a atual estrutura de energia e as adaptações necessárias à medida que a demanda aumenta. Na produção de energia elétrica, as principais fontes renováveis são a hidráulica, com 65%, a produção de biomassa com 9,2% do total e a eólica, que já atinge 8,8% da geração de energia do País. A solar, também renovável, ainda está 1,7% do total.
Com a maior parte da energia dependente do volume de água nos rios, o fornecimento brasileiro é vulnerável a secas prolongadas. Quando ocorre algum problema, a estratégia para substituir rapidamente o fornecimento de energia acaba envolvendo a queima de algum combustível fóssil, como gás natural ou carvão.
Apesar de ser causado pela falta de chuvas, é fundamental lembrar que a origem do problema tem explicação no desequilíbrio entre oferta e demanda. Esse desequilíbrio também pode ser causado pelo aumento da demanda, como o crescimento rápido da frota de veículos movidos por energia elétrica, por exemplo. Evidentemente, esse crescimento deverá ser acompanhado da ampliação planejada da estrutura de geração de energia elétrica no país.
Mesmo que seja possível continuar mantendo o perfil renovável da matriz energética, à medida que a demanda aumenta, a vulnerabilidade causada pelas variáveis climáticas será maior. A redução do risco envolveria investimentos em mais usinas hidrelétricas ou aumento da área alagada para garantir geração de energia em períodos mais secos. Ainda assim, a necessidade de acionar usinas movidas a combustíveis fósseis tenderá a ser maior e, provavelmente, mais frequente. Isso considerando um cenário de ótimo planejamento em infraestrutura. Vale lembrar também que aumento de demanda implica em tendência de aumento nos preços. Caso o transporte e locomoção passem a ser grandes demandantes de energia elétrica, certamente ocorrerão alterações nas relações entre os preços das diferentes fontes de combustíveis disponíveis no mercado.
É irônico, mas a adoção do carro elétrico, em escala, pode piorar a matriz energética brasileira gerando um resultado totalmente inverso da tese que o acompanha. Isso sem entrar na discussão sobre a durabilidade do motor e das baterias, a reciclagem de baterias e o aumento da demanda pelos próprios componentes de armazenamento de energia.
Há também a opção pelo uso do etanol e/ou biodiesel, tecnologia totalmente dominada pelos brasileiros.
Nesse caso, o aumento da demanda estimularia a produção de maiores quantidades de combustíveis, movimentando principalmente as culturas de cana-de-açúcar, soja e milho. Essa demanda ainda seria responsável por gerar outros produtos originados a partir da produção de etanol ou óleos. No caso da soja e do milho, tais produtos são usados na produção de proteína animal, enquanto no caso da cana-de-açúcar ocorre a produção de bagaço, que pode e tem sido cada vez mais usado na geração de energia.
Diferentemente do carro elétrico, que impacta apenas a demanda por energia, a opção pelos combustíveis gerados a partir da agricultura irá impactar no aumento de oferta de insumos para produção de alimentos e produção de energia elétrica. Ou seja, vai diminuir a dependência de combustíveis fósseis em momentos de crises hídricas, que frequentemente atingem o país, e tende a imprimir um aumento na competição entre as diversas fontes de energia, abrindo possibilidades de redução nos custos de produção. O etanol e o biodiesel ainda trazem um outro efeito colateral positivo, que é a geração de riquezas e empregos.
Chega a ser até interessante a propaganda que se faz do carro elétrico e de seus projetistas que apresentaram, agora, soluções para problemas que os brasileiros resolveram há cerca de 50 anos e de maneira muito mais inteligente.
É fundamental que o consumidor, interessado em adotar um comportamento mais sustentável, se informe melhor e converse com pessoas especializadas no assunto. Caso contrário, o interesse em contribuir com o mundo não passará de mero modismo com impactos potencialmente inversos ao que se planejava.
Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária