Maurício Palma Nogueira
A recente divulgação dos dados de rebanho da Pesquisa Pecuária Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) motivou a elaboração de artigos relacionando desmatamento com o avanço da pecuária. Como sempre ocorre, os municípios que mais desmataram são associados ao aumento de rebanho nos mesmos.
De fato, a maioria das áreas desmatadas acaba se tornando pastagens que, consequentemente, receberão bovinos. Trata-se da única atividade que possibilita alguma segurança aos operadores ilegais. Isso ocorre pela dificuldade de monitoramento do rebanho. Além da impossibilidade de contabilizar o número de cabeças, ou estimar por ferramentas modernas como o uso de imagens obtidas por satélites, o rebanho pode ser removido rapidamente, caso os fiscais cheguem até o local.
Se os desmatadores plantassem soja, por exemplo, todo o ativo estaria fixo na área, passível de ser monitorada a distância e impossível de esconder diante de uma fiscalização. As pastagens também podem ser monitoradas, mas nesse caso, o que tem valor de mercado é o animal se alimentando sobre ela, e não a plantação em si. Diferente da soja.
Entender essa diferença na dinâmica é relevante para elaborar medidas eficazes e conter o avanço ilegal sobre áreas que deveriam ser protegidas. O setor pecuário tem insistido há anos que as medidas de controle do desmatamento, sugeridas pelas diversas organizações que estudam o processo, estão incidindo justamente naqueles produtores que seguem a lei. O esforço, no entanto, deveria focar nos agentes ilegais.
O resultado dessa falta de foco pode aumentar o problema, ao invés de reduzi-lo. Enfraquecer a operação formal e legalizada tende a abrir brechas no mercado para que aumente a participação da produção informal que, justamente por não ser fiscalizada, acabará dando guarida a operações ilegais.
Embora pareça complexo, há várias formas de mostrar que o desmatamento não é causado pela demanda pecuária. A mais simples é comparar a curva do avanço do desmatamento com o rebanho, produção, exportações, faturamento etc. Mas não basta simplesmente mencionar o aumento, conforme tem sido abordado nas matérias jornalísticas. É preciso avaliar o comportamento ao longo dos anos para entender a relação.
É fato que o desmatamento vem aumentando desde 2013, depois de chegar ao nível mais baixo registrado em 2012 pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe). No entanto, em 20 anos, a curva de desmatamento na Amazônia Legal vem recuando a uma taxa média de 2,54% ao ano, considerando o aumento registrado até 2020, segundo dados do Inpe.
No mesmo período, o rebanho na região aumentou 1,2% ao ano, enquanto a produção de carne bovina vem crescendo à taxa média de 3,98% ao ano. O maior destaque são as exportações de carne, cujo aumento médio anual na região registra a marca de 16,5% ao ano.
As escolhas nas comparações podem ser feitas por diversos períodos diferentes. Em todas as análises, ainda que registrem números diferentes, a conclusão sempre é a mesma: não há relação que aponte a produção de carne como driver do desmatamento. Nem a produção de carne e muito menos as exportações podem ser apontadas como causas do desmatamento.
Os números ficam ainda mais intrigantes quando as áreas de pastagens são analisadas.
A taxa média anual de desmatamento vem recuando desde 2001. No entanto, nunca chegou a ser zerada. O total acumulado no período, segundo dados do Inpe, é de 23,6 milhões de hectares desmatados e, provavelmente, convertidos em áreas de pastagens num primeiro momento.
A área líquida de pastagens, no entanto, recuou 1,73 milhão de hectares entre 2001 e 2020. Essa aparente contradição só pode ser compreendida ao lançar mão de outros estudos que mostram a dinâmica das áreas desmatadas. Um dos estudos mais completos é o projeto Terraclass, conduzido também pelo INPE na região da Amazônia Legal. O estudo classifica e quantifica os diversos estágios da cobertura vegetal, possibilitando avaliar a quantidade de área em recomposição florestal.
Essa recomposição geralmente é involuntária, causada pelo processo de degradação de pastagens que lentamente vão sendo retomadas pela vegetação natural até que a área se recomponha completamente.
Há também áreas direcionadas às outras atividades, como grãos e reflorestamento comercial, por exemplo.
A questão do desmatamento precisa ser analisada com maior rigor técnico, incluindo as diversas possibilidades, estudos e dados disponíveis. Comparações simplórias sugerindo uma relação que não existe pode até contribuir com o agravamento do problema. Mas com certeza nunca contribuirá com a solução.
Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária