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Metas da COP-26 ameaçam realmente a pecuária brasileira?

Por Maurício Palma Nogueira 

Durante a COP-26, conferência da ONU sobre o clima realizada em Glasgow, na Escócia, um dos temas mais discutidos pela imprensa brasileira foi a ameaça que o acordo negociado entre os países representaria à pecuária brasileira. Como será possível reduzir as emissões de equivalente gás carbônico em 30% durante os próximos 10 anos? 

O questionamento divide opiniões. Enquanto profissionais da área tratam com naturalidade o estabelecimento de tais metas, estudiosos da sustentabilidade, leigos em produção pecuária, enxergam isso como ameaça. Chegam até a defender redução na produção de carne. 

Essas soluções ventiladas à imprensa não fazem sentido algum. Na ausência de oferta de proteínas produzidas sob controle de qualidade, o consumidor comum irá buscá-la de outra forma, seja no mercado informal, seja no comércio de carnes exóticas. 

Interessante que, em meio a essa discussão, o único impacto prático envolvendo ameaças globais e consumo de proteína está justamente relacionado à falta de produção e não ao excesso. Somando vidas perdidas e destruição da economia, qual é o impacto da pandemia no mundo todo? Sabendo que tudo começou em uma feira de animais exóticos, cabe a pergunta: até quando parte dos pensadores irá insistir nessa tese de que o problema seja a produção de carnes?

A desconfiança com relação às metas estabelecidas é explicada pelo pouco conhecimento da produção pecuária. Na última década, a pecuária passou por forte ajuste no estoque de animais do rebanho. Com isso, o ritmo de aumento na produtividade perdeu força no período, contexto que vem sendo discutido no setor há pelo menos 10 anos. 

Trata-se da fase final de mudança entre uma pecuária extrativista, de baixo aporte tecnológico, para uma pecuária com características semelhantes à agricultura, exigente em produtividade.  Acreditamos que esse processo tenha se iniciado por volta de 2015 e provavelmente se consolide nos próximos cinco anos. O ciclo de produção na pecuária de corte é longo, o que torna as mudanças mais lentas quando comparadas a outras atividades.  Somando período de gestação, crescimento e terminação, um bovino macho levará, em média, entre 40 e 45 meses para ser convertido em carne. 

O período de 2011 a 2020 envolve também o aumento das taxas de desmatamento que acabam sendo contabilizadas como emissões da pecuária. Depois de atingir o menor nível da série histórica, o desmatamento ilegal voltou a aumentar a partir de 2013. E continuou aumentando durante três governos diferentes, prova de que a sociedade como um todo tem sido incapaz de apresentar soluções eficazes para o combate. Não se trata de ideologias; o fracasso no combate ao desmatamento ilegal é responsabilidade de toda a sociedade brasileira. Ainda assim, o custo ambiental é computado como passivo apenas da produção de carne bovina. 

Para não entrar em um tema técnico, que envolve explicações sobre metodologias de cálculos das emissões e remoções de carbono, optamos por realizar uma comparação simples, com base nas emissões relativas da pecuária. 

Para isso, lançamos mão dos números de rebanho, pastagens, produção de carne e relação entre massa produzida e massa estocada, em animais.  Todos os dados foram obtidos em fontes oficiais e de pesquisas, como IBGE (Censo, PPM e PPT), INPE (Prodes e Terraclass), Conab e Lapig. 

Aplicando o critério comparativo com base nos indicadores, entre 1990 e 2020 a pecuária de corte teria reduzido as emissões por quilograma de carne produzida em até 49%. No entanto, quando o mesmo critério é aplicado nos últimos 10 anos, a redução nas emissões é de apenas 2,5%, consequência dos fatores discutidos anteriormente. 

Por fim, adotamos o mesmo raciocínio para estimar o que ocorrerá até 2030. Para tanto, estudamos cinco cenários possíveis de produção de carne bovina, dos quais em apenas um deles as metas não seriam atingidas, o de desempenho mais pessimista. 

No cenário mais otimista, as emissões de carbono por quilograma de carne produzida se reduziriam em 43% até 2030. Para atingir essa condição, a produtividade média da pecuária teria que aumentar 69% até 2030. 

Parece muito, mas o desempenho de cada hectare em produção no país teria que atingir 100 quilogramas de carcaça por hectare no prazo de dez anos. Apenas para referência, a produtividade média dos produtores entrevistados pelo Rally da Pecuária entre os anos de 2016 e 2019 foi de 160 quilogramas de carcaça por hectare. Em 2019, a produtividade média do público atingiu 200 kg/ha/ano.  

O Rally é um projeto de interação com pecuaristas em todo o Brasil. Em média, são entrevistados 500 produtores por ano nas principais regiões pecuárias do país. A taxa média anual de aumento na produtividade deste público é de 8% ao ano, enquanto a média nacional cresce a uma taxa de 2,8% ao ano. 

As metas ambientais serão atingidas. A preocupação real é em relação à quantidade de pequenos produtores que não estarão nesse grupo de sucesso daqui a 10 anos. 

Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária

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