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E o armagedon da pecuária não veio

Group of cows in the livestock farm field with clouds during the sunrise

Gente dedicada a profetizar o fim dos tempos nunca escasseia. Desde os primórdios da humanidade, alardear catástrofes parece ser um bom negócio. E mesmo diante de tantas profecias não confirmadas, parece que o Homo sapiens se recusa a aprender.

Há cerca de 15 anos, por volta de 2008, discutia-se o temido “apagão dos bezerros”. O receio era de que a falta de atratividade da atividade cria (produção de bezerros) estrangularia a produção pecuária, inviabilizando-a. Os primeiros sinais seriam as relações de troca ficando abaixo de dois bezerros comprados com a venda de um boi gordo.

Tradicionalmente, e por razões técnicas e comerciais, considera-se o peso de 16,5 arrobas (@) para o boi usado nesse cálculo. São 247,5 quilos de carcaça (carne com osso) comparado a um bezerro recentemente desmamado.  

Para refutar o alardeado colapso da pecuária, lançávamos mão de conceitos supostamente óbvios, argumentando que o estímulo gerado com a valorização dos bezerros mudaria os indicadores zootécnicos e levaria a produtividade pecuária a outros patamares. Pouco adiantava e, via de regra, a resposta era contundente: se o boi passasse a valer menos do que dois bezerros, a pecuária se tornaria inviável.

A média histórica dessa relação de troca, de meados dos anos 1950 até o momento, é próxima de três bezerros comprados com o valor de um boi de 16,5@. O indicador, que oscilou entre 3 e 4 animais nos primeiros anos de acompanhamento dos dados, atingiu o seu maior ponto em janeiro de 1977, quando o valor de venda de um boi gordo se igualou ao  de 5,62 bezerros desmamados.

O poder de compra médio do boi gordo, quando comparado ao bezerro, vem caindo consistentemente, embora aumente em alguns momentos; são movimentos típicos do mercado de acordo com oferta e demanda. E continuou assim mesmo depois do alarmismo daquele período de 2008.

A partir de meados de 2014, a relação de troca abaixo dos dois bezerros com a venda de um boi gordo começou a ser mais frequente. Entre janeiro de 2016 e dezembro de 2020, pela primeira vez, a média quinquenal ficaria abaixo de dois, registrando 1,93 bezerro desmamado com a venda de um boi gordo.

A partir de 2019, no entanto, os preços pecuários mudaram de patamares, respondendo a uma realidade de oferta e demanda muito diferente do que vinha ocorrendo em anos anteriores. Os valores médios nominais do boi gordo e dos bezerros quase dobraram em relação aos preços de anos anteriores.

Ainda assim, a relação de troca média continuou recuando, marcando cerca de 1,7 bezerro desmamado com a venda de um boi gordo entre janeiro de 2021 e fevereiro de 2023.

Para administrar esse comportamento, as fazendas de gado no Brasil responderam conforme esperado. Em 15 anos, o peso médio dos animais abatidos, tanto machos como fêmeas, aumentou 17,5%. No estado de São Paulo, onde os dados históricos foram analisados, o peso médio do boi gordo abatido está próximo das 20@, ou cerca de 300 quilos de carne com osso.

O maior peso de abate compensa a perda na relação de troca, causada pelas mudanças no valor de mercado de ambas as categorias (boi gordo e bezerro). Entre janeiro de 2021 e fevereiro de 2023, a relação de troca média, considerando o peso real de venda da carcaça, permaneceu em 2,18 bezerros desmamados comprados com a venda de um boi gordo.

E o peso do bezerro vem aumentando. Em 20 anos, o bezerro desmamado ganhou quase 40 quilos de peso vivo. Na média dos últimos 12 meses, incluindo os primeiros dias de fevereiro, o bezerro desmamado no Mato Grosso do Sul foi comercializado com peso médio de 212 quilos. O estado é a referência do Cepea/ESALQ/USP para o cálculo do indicador de bezerros. Na média histórica, a partir de 2001, o peso ficou em 190 quilos por cabeça. No início da série histórica, os bezerros machos pesavam cerca de 175 quilos de peso vivo.

Os indicadores respondem a estímulos econômicos. Havendo tecnologia disponível, os produtores irão otimizar os sistemas de produção buscando o máximo retorno econômico.

A sensação de apagão de 15 anos atrás era provocada por uma forte mudança na estrutura da pecuária brasileira. Naquele momento as fazendas começaram a enxugar os elevados estoques de animais de categorias intermediárias, dando início a um processo de aceleração tecnológica na produção.  Nas análises históricas da Athenagro, o período compreendido entre 2001 e 2008 é classificado como período de desestímulo tecnológico, que dá lugar a um período de transição, entre 2009 e 2014, para finalmente iniciar o período de estímulo tecnológico a partir de 2015.

Em 2008, portanto, iniciava-se um novo momento na produção. Diante das mudanças, alguns alardearam o fim da pecuária e outros planejaram melhorar o sistema de produção. Quem se capitalizou mais no período?

Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária

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