Por Maurício Palma Nogueira
É praticamente impossível falar de carne e sustentabilidade sem mencionar a quantidade de desinformação difundida por celebridades e, muitas vezes, endossada pela imprensa profissional. A falta de conhecimento e de tempo para checagem mais abrangente das informações acaba por conduzir a conclusões erradas, ainda que embasadas em informações corretas.
Nas redes sociais e em diversos veículos de informação, a queda mundial no consumo de carnes tem sido comemorada como um avanço da humanidade que estaria mais atenta às questões ambientais e, com isso, substituiria fontes proteicas de origem animal por fontes de origem vegetal.
Embalada pelo desejo de uma elite embriagada por ideologias obscurantistas, os dados corretos de queda no consumo global das principais carnes são apresentados de forma deturpada. Trata-se do uso de verdades para a construção de uma mentira.
Entre 2018 e 2020, a produção global das carnes bovina, suína e de frango recuou quase 14 milhões de toneladas. É praticamente metade do que o Brasil produz anualmente somando as três carnes. A principal causa dessa queda foi a ocorrência da peste suína africana, que impactou o rebanho de suínos da Ásia, principalmente.
A queda no consumo de proteínas de origem animal foi causada pela falta de oferta e não pela perda do interesse do consumidor. O consumo caiu porque não havia disponibilidade suficiente, o que explica os preços praticados no mercado.
O curioso é que, ao mesmo tempo que propagandistas empunham suas bandeiras contra a produção de carne, a redução na oferta de carne produzida com garantia de qualidade está entre as causas do maior impacto social e econômico enfrentado pela humanidade na história recente. A origem da covid-19 encontra explicação no comércio de animais exóticos armazenados de forma descuidada em um mercado de Wuhan, na China. Essa situação, no entanto, não é exclusiva do país. Segundo texto divulgado pelo Centro de Agronegócio Global do Insper, pesquisadores estimaram que, em todo o mundo, aproximadamente 800 milhões de pessoas dependem, em algum grau, da carne de caça.
Além das mortes diretas causadas pela pandemia, há ainda que se contabilizar o impacto indireto que será causado pela destruição de praticamente 3% da economia global em 2020, o equivalente a duas economias do tamanho do Brasil.
Apesar de todos os avanços tecnológicos, o fato é que a produção de carnes não tem sido suficiente para acompanhar a demanda. Em 30 anos, o PIB per capita global aumentou 145%, enquanto a produção somada das três carnes aumentou 85%. E o maior aumento no PIB per capita ocorre justamente nos países mais pobres, em que o consumo per capita de proteínas é mais baixo.
Nesse momento de recuperação na economia global, que não será acompanhado pelo aumento da oferta de proteínas – ao menos no curto prazo – é de se esperar que o avanço do homem sobre a fauna se intensifique, especialmente nos países mais pobres da África e Ásia. Portanto, os riscos serão ainda maiores, apesar do esforço das autoridades sanitárias destes países.
Não deixa de ser irônico que a discussão tão amplamente difundida seja embasada na tese de que o aumento na produção de carne consista em um problema, quando a verdade é que tal aumento seja parte da própria solução. Com exceção de algumas doutrinas religiosas, o ser humano irá atrás de proteína de origem animal, de uma forma ou de outra. Essa proteína será oferecida de maneira segura, e com origem controlada, ou virá da caça e da manutenção de cativeiros precários, foco de doenças para animais e população.
Para defender uma tese tão antipática, quanto a de restringir populações humildes de suas próprias vontades, os adeptos clamam pela necessidade de minimizar os impactos ambientais. Essa tese também se baseia em outra inverdade: a de que não seria possível produzir proteínas em escala sem aumentar o desmatamento. O assunto foi tratado aqui, nesse espaço, em 8 de dezembro de 2020 no artigo intitulado “Consumir carne é sustentável?”.
Não será o aumento na oferta de carnes que causará maiores impactos sociais e, consequentemente, ambientais, mas sim a escassez.
Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária