Por Maurício Palma Nogueira
Em evento realizado na cidade de Marabá (PA) entre os dias 27 e 29 de abril, com a presença de cerca de 800 pessoas, a pecuarista Camila Quagliato, representante de uma das famílias mais influentes na pecuária brasileira, leu o Manifesto da Aliança Paraense Pela Carne em Prol da Sustentabilidade da Pecuária na Amazônia. O manifesto foi elaborado em conjunto por pecuaristas, indústrias frigoríficas, supermercados e demais profissionais da cadeia produtiva da carne bovina no Estado.
O documento começa reforçando a importância da pecuária para o Pará e o Brasil, e finaliza expressando o pensamento e a vontade de indivíduos e empresas de se comprometer com as seguintes ações, apresentadas aqui de forma resumida:
1. Apoiar os governos para que possam acelerar os processos de regularização fundiária e ambiental;
2. Apoiar a pesquisa agropecuária pública e privada;
3. Promover a restauração florestal das áreas com ocorrência de desmatamento;
4. Incentivar o plantio de árvores de grande interesse amazônico;
5. Combater e reduzir o desmatamento ilegal no Pará, promovendo investimento em inteligência para atuação preventiva; campanhas de esclarecimento e conscientização; identificação e abordagem direta do proprietário para o convencimento de não desmatar; e apoio público às ações das autoridades de autuação e punição aos desmatadores ilegais;
6. Estudar e desenvolver ações para apoiar a bioeconomia.
O manifesto é histórico e marca uma mudança de postura da cadeia produtiva. É o agro assumindo o compromisso em liderar a solução do problema, a exemplo do que vem sendo feito no estado do Mato Grosso. E, ao contrário do que foi erroneamente divulgado nos dias seguintes, não se trata de um sinal de que o pecuarista esteja se conscientizando, mas sim do fato de que o setor cansou de ser expectador e resolveu assumir o protagonismo.
A prova dessa conscientização é que, nos últimos 10 anos, a produção de carne bovina no Pará aumentou 49%, enquanto a área de pastagens recuou 2,4%. O resultado teria sido ainda melhor caso não houvesse aumento do desmatamento ilegal nos últimos anos. A pecuária conduzida em área desmatada ilegalmente pouco, ou nada, contribui com o aumento na produção de carne. Nesses casos, o objetivo é a ocupação do pasto sem uso de tecnologia de produção. Quando finalmente chegarem ao mercado, tais animais serão direcionados às operações informais, difíceis de identificar e quantificar.
Como temos insistido repetidamente, é fato que as áreas desmatadas ilegalmente acabam se transformando em pastagens. No entanto, o que impulsiona o desmatamento é o interesse imobiliário e não a demanda por carne. Com isso, pecuaristas e indústrias que operam dentro da lei acabam se tornando as primeiras e maiores vítimas da atividade ilegal.
Ao se comprometer com a elaboração e execução das soluções, a cadeia produtiva paraense age de acordo com a sugestão que apresentei em setembro de 2020, no artigo “Desmatamento ilegal: o agronegócio precisa assumir a liderança”, publicado no Blog do Fausto Macedo, no Estadão (exclusivo para assinantes). O artigo finalizava com os dizeres: “Está na hora do setor assumir o protagonismo de forma definitiva, mantendo na mesa apenas aqueles que estão comprometidos com as soluções e não com autopromoção ou bandeiras políticas”.
Portanto, essa decisão da cadeia produtiva paraense é muito bem-vinda e abre perspectivas animadoras para o estado que mais sofre com as ilegalidades.
Outro grande diferencial do manifesto é a participação dos representantes da agricultura familiar na elaboração do documento e dos compromissos. Sempre esquecidos pelos que se clamam gurus da sustentabilidade, os pequenos produtores seriam as primeiras vítimas marginalizadas. Isso ocorrerá caso o controle dos fornecedores indiretos seja conduzido conforme proposto inicialmente de forma desastrada por quem se recusa a conhecer a realidade de comercialização de gado no Brasil.
Com base no último censo agropecuário de 2017, estimamos que 68% dos produtores do Pará tenham menos de 100 hectares e respondam por apenas 15% do total da produção pecuária do estado – a maioria (77% deles) dedicada exclusivamente à atividade de cria e reunião de lotes de desmama para fornecer a pecuaristas de maior porte.
Cerca de 35 mil produtores poderiam ser imediatamente impactados de forma negativa por políticas que visam implementar soluções mal elaboradas para controlar o desmatamento ilegal. Seria alto o impacto ambiental dessas famílias lutando para sobreviver, caso fossem marginalizadas do processo de produção legalizado.
Parabéns aos pecuaristas e indústrias do estado do Pará. O caminho é esse.
Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária