Entrevistei Sônia Chapman, uma das maiores especialistas em sustentabilidade do País e diretora executiva da rede empresarial da avaliação do ciclo de vida. Ela me afirmou que “nenhum país do mundo alcançou o patamar ideal, de um alto IDH (Índice de Desenvolvimento Humano, composto de renda familiar, anos na escola e expectativa de vida) e de um baixo uso de recursos, viabilizando a sua regeneração. Significa que ninguém pode dizer aos demais como fazer, ou enxergando o meio copo cheio, que todos podemos aprender uns dos outros, em conjunto”.
Visitei o Centro de Tratamento de Resíduos Leste, em Sapopemba (capital de São Paulo), um aterro sanitário que recebe metade do lixo da cidade. São 6 mil toneladas diárias de lixo, sendo transformados em biogás numa união da concessionária Ecourbis, Gaswatt e MWM. E sob esse ângulo da descarbonização e impactos ambientais, do lado do pós-porteira das fazendas, não temos mais do que cerca de 50 cidades no Brasil com aterros sanitários.
Enquanto isso, ao tratarmos da gestão ESG, Sônia Chapman aponta os movimentos existentes que não se limitam unicamente no lado do dentro das porteiras, quer dizer dos produtores rurais. O algodão, por exemplo, com notícias sobre as condições de trabalho em fases de tingimento, tecelagem e confecção do setor têxtil, precisa fazer a sua parte para atestar boas práticas, mas se vê ainda participando das discussões de consumo, o “fast fashion”, e a obsolescência percebida, e promoção de esforços para a extensão da vida útil de produtos, reconhecendo o imenso descarte no mundo todo. Uma manifestação do Greenpeace em frente a um McDonald’s na Europa argumentando que um sanduíche consumido significaria desmatamento na Amazônia, gerou a RTRS, associação internacional da soja responsável, em seguida articulou-se a pecuária legal, trazendo rastreabilidade para o fim do desmatamento ilegal.
E nessa mesma Amazônia o Instituto Escolhas apresentou um estudo nesta semana, quando estamos em meio a uma crise energética, que poderíamos gerar biogás nesse bioma, com eletricidade suficiente para beneficiar 2,2 milhões de pessoas e com as vantagens ambientais que isso gera. De novo com aproveitamento de resíduos urbanos, dos resíduos da piscicultura e da produção da farinha de mandioca.
Dessa forma vamos entendendo que a questão Agronegócio ESG começa muito antes da porteira das fazendas, desde as minas de fertilizantes e todo setor industrial e comercial de tecnologias para a produção agropecuária, e continua ainda muito além das porteiras das fazendas em toda infraestrutura, logística (o porto de Santos promete ser um porto verde), comércio, serviços e indústria, incluindo o papel dos consumidores finais, e sem duvida lixões urbanos transformados em aterros sanitários.
No campo, na proteína animal, os veículos e toda movimentação de motores poderá ser feita com a Biometanização dos caminhões e máquinas. E o gás natural e renovável, se transformando em um novo centro de lucro dos produtores, bem como nas usinas de cana.
Mas a síntese dessa entrevista é que, a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), é a ferramenta que calcula estes impactos, e é amparada por uma norma. Estudos de ACV quantificam aspectos ao longo do ciclo de vida e permitem identificação de aspectos materiais, norteando as ações.
Um estudo de ciclo de vida, do berço ao berço, considerando o complexo total irá identificar os benefícios ambientais, sociais, econômicos de se implantar, por exemplo, uma logística reversa, ou escoar a produção por qual tipo de modal. Numa discussão como ferrogrão, um estudo de ACV traria lucidez e mitigaria a confusão das narrativas contra e a favor. E, além disso, mostraria o que seria certo fazer.
Para uma pergunta chave como: “Qual a função do Brasil, se a resposta for alimentar o mundo?”. Precisamos responder o quão eficientes somos em todas as dimensões. Precisaríamos melhorar a partir dos indicadores avaliados. Deveríamos ensinar o valor das florestas em pé. Apontar as oportunidades de ecoturismo. Revelar o potencial de renda para cada elo da cadeia de valor. E logicamente desenvolvermos educação e profissionais, além de uma sociedade consciente dos seus impactos e dos impactos que sofrem.
A síntese da proposta de Sônia Chapman é que o assunto envolvendo sustentabilidade, descarbonização, não pode mais ser analisado sob apenas um ponto de observação. Por exemplo, a agropecuária, a originação agrícola. Grandes varejos mundiais passam a adotar programas como avaliação de ciclo de vida, e aqui no Brasil há uma experiência em andamento com o Ital, instituto de tecnologia de alimentos, visando reduzir impactos ambientais de fornecedores estratégicos.
Programas como o RAMA, rastreabilidade e monitoramento de alimentos da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), já desenvolvem métricas e buscam certificação de produtores iniciando também educação para o consumo consciente.
A sustentabilidade precisa ser mensurada e avaliada desde sua pré-origem, o berço, indo até a sua nova origem, novo berço, pois na natureza onde nada se perde, tudo se transforma.
Sustentabilidade inicia antes da porteira das fazendas, vai muito além delas e, se o agro é tudo, nós somos parte do problema. Crise climática, degradação, não apontemos um só culpado. São milhões de agentes, o conhecimento ACV terá métricas e algoritmos para todos. Vamos juntos ser e fazer parte da solução.
O Brasil precisa de um estudo ACV, no mínimo para as suas 10 cadeias produtivas que respondem pelo alicerce da nossa economia. Urgente.
José Luiz TEJON, TCA International.