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O ABC do agronegócio brasileiro

Christian Lohbauer

No início do ano o governo publicou um decreto criando um sistema integrado de informações e um comitê técnico para monitorar o novo Plano ABC, que irá incorporar tecnologias e orientações para o avanço da agricultura de baixa emissão de carbono no país. O decreto faz parte da segunda etapa do Plano ABC, cujo primeiro decênio encerrou-se no ano passado (2010-2020). A nova fase contempla o período de 2021 a 2030.   

Oficialmente chamado de Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura, o Plano ABC foi estabelecido em 2010 após a 15ª Conferência das Partes (COP-15), ocorrida no ano anterior em Copenhague, na Dinamarca. Na conferência, o governo brasileiro divulgou o seu compromisso voluntário de redução entre 36,1% e 38,9% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) projetadas para 2020. 

O Plano ABC é uma estratégia adotada pelo Ministério da Agricultura com o objetivo de incentivar a adoção de boas práticas produtivas que permitam reduzir GEE e, em certos casos, favorecer a adaptação dos sistemas produtivos. Sistema Plantio Direto (SPD), Recuperação de Pastagens Degradadas (RPD), Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN), Florestas Plantadas (FP) e Tratamento de Dejetos Animais (TDA). Todas essas práticas fazem parte do plano e têm o intuito de reduzir emissões e potencializar a produtividade.  

Em dez anos, o Plano ABC colheu resultados positivos. Quase 50 milhões de hectares em todo o país já adotam tecnologias preconizadas pelo plano, como apontou uma pesquisa feita pela Embrapa em conjunto com o Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás (UFG). Os impactos dele alcançam 50% dos municípios do país e todos os estados. Mais: de 2010 a 2018 o plano permitiu reduzir de 100,21 a 154,38 milhões de Mg CO2 equivalente, contribuindo de maneira significativa com os compromissos nacionais de redução de emissões. CO2 equivalente (CO2eq) é a unidade de medida utilizada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) para agregar todos os tipos de gases de efeito estufa.

Metas superadas

Entre as ações definidas para o plano, válidas até o ano passado, com potencial de reduzir de 133,9 a 162,9 milhões de toneladas de CO2eq, estavam recuperar uma área de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas por meio do manejo e adubação; expandir a adoção de sistemas de Integração Lavoura- Pecuária-Floresta (ILPF) em 4 milhões de hectares e de Sistemas Agroflorestais (SAFs) em 2,76 milhões de hectares pela agricultura familiar; ampliar a utilização do Sistema de Plantio Direto (SPD) em 8 milhões de hectares; aumentar o uso da Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN) em 5,5 milhões de hectares; promover ações de reflorestamento expandindo a área com Florestas Plantadas (FP) em 3 milhões de hectares; e ampliar o uso de tecnologias para tratamento de 4,4 milhões de metros cúbicos de dejetos de animais para geração de energia e produção de composto orgânico. 

Com exceção da RPD e das FP, todas as outras metas foram não apenas alcançadas, mas, também, superadas. Somente na ILPF, de 2010 a 2016, a expansão foi de 5,83 milhões de hectares. Ou seja, 146% da meta estabelecida, permitindo mitigar entre 22,10 e 36,40 milhões Mg CO2eq, representando 182% do esperado no compromisso nacional.

De acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), o Brasil é o quinto maior emissor de gases de efeito estufa, depois da China, Estados Unidos, Rússia e Índia. Contando-se a União Europeia passa a ser o sexto. 

Em 2019, segundo o SEEG, o país emitiu 2,18 bilhões de toneladas de CO2 e contra 1,98 bilhão em 2018, o que representou um aumento de 9,6% nas emissões de GEE. As principais fontes de emissão são as mudanças de uso da terra (44%), a agropecuária (28%), o setor de energia (19%), processos industriais (5%) e resíduos (4%). A fermentação entérica é a principal fonte de emissão do setor agropecuário, com 61,1%. 

A agricultura brasileira, como se sabe, é uma das mais sustentáveis do mundo. O pilar dessa afirmação está na alta produtividade alcançada no campo sem que haja aumento de área cultivada na mesma proporção. Adjacente a ele, dando sustentação, estão, entre outros pontos, a alta taxa de adoção de biotecnologia no campo, o Código Florestal, todas as tecnologias do Plano ABC e, mais recentemente, a expansão do mercado de defensivos biológicos. 

Não à toa, no novo índice experimental para o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), proposto no relatório do ano passado do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Brasil subiria dez posições em relação à atual 84ª colocação. Isso porque tal índice leva em conta as conquistas do desenvolvimento humano e as pressões planetárias. 

Isto é, além de informações sobre renda, educação e saúde, o novo IDH ou IDHP contempla as emissões de carbono e a pegada ecológica por habitante. Mensura então o quanto o desenvolvimento de um país pressiona a Terra, expondo vários países ricos – que despencariam no ranking do IDH. Entre eles, Noruega, Luxemburgo e Cingapura. O país nórdico, por exemplo, habituado ao primeiro lugar na lista, adota diversas “políticas verdes”, como energia solar, ciclovias etc, mas é um grande produtor (e exportador) de petróleo. 

Segundo a ONU, esse “IDH verde” deve ser visto como um incentivo para a transformação. Em um cenário ideal, em que não houvesse pressões no planeta, o IDHP seria igual ao IDH. Nesse contexto, o agronegócio brasileiro pode servir de inspiração para essa transformação. 

*Christian Lohbauer é doutor em ciência política e presidente executivo da CropLife Brasil

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