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Modernização na proteção de cultivos é pulverizada pela desinformação

Christian Lohbauer

Depois de 20 anos de espera, a Câmara dos Deputados aprovou, por grande maioria, o PL 6.299/02, que moderniza o marco regulatório dos pesticidas no Brasil. Mesmo diante de duas décadas de discussões, ainda houve quem achasse que a votação foi precipitada. Como entender? 

Também é difícil compreender o porquê de tanta resistência, por parte de alguns setores da sociedade, sobre a necessidade de atualização de algo que não condiz mais com a realidade e as necessidades de quem produz e do consumidor.

A chamada Lei dos Agrotóxicos em vigor no Brasil é de 1989. Tem mais de 30 anos. Olhando para o mundo atual, é fácil perceber que, praticamente, tudo mudou nesse período.

Você consegue se imaginar dirigindo um automóvel dessa idade, no trânsito das grandes cidades? A não ser por falta de opção ou por paixão por carros antigos, a resposta mais óbvia é não. E se a pesquisa médica não tivesse avançado a ponto de poder curar alguns tipos de câncer, controlar a aids e eliminar bactérias causadoras de infecções graves? Quantas vidas teriam sido perdidas em três décadas?

Modernizar leis para acelerar a entrega de tecnologias inovadoras é um dever de governantes que se preocupam com o bem-estar de seus compatriotas. Mas algumas reações e discursos contrários à aprovação do PL 6.299/02 dão a impressão de que esse direito não deve ser assegurado à cadeia produtiva do agronegócio. Especialmente, quando a inovação se refere a produtos para a proteção de lavouras.

Distorções 

Na esteira de argumentos que pretendem embasar as percepções, não faltam distorções ou mal uso de informações públicas. A mais recorrente é a de que o Brasil aprovou 1.500 novos pesticidas nos últimos três anos. Esse número não passa nem perto da realidade. 

O fato é que, entre 2019 e 2021, apenas 39 moléculas novas foram registradas no Brasil. Nesse mesmo período, de acordo com o Ministério da Agricultura, foram registrados 491 pesticidas equivalentes, ou seja, genéricos. Para quem não sabe, assim como medicamentos, defensivos genéricos usam moléculas já aprovadas e em uso no país, oriundas da expiração de patentes ou incluídas em novas formulações e marcas. Da soma total ainda constam os produtos biológicos que estão em franca expansão no Brasil. Em três anos, foram 214 novos produtos registrados.

Outra informação arrevesada que povoa os discursos contrários à modernização é a que o novo marco regulatório exclui os órgãos de saúde e meio ambiente do processo de análise de novos pesticidas. Não é verdade. 

Segundo juristas, a nova lei concentra no Ministério da Agricultura a coordenação do sistema regulatório e o define como o órgão que concede os registros, função que, na realidade, o Mapa já exerce. O texto do PL, no entanto, também determina claramente que cabe aos órgãos federais da saúde e do meio ambiente analisar e realizar as avaliações de riscos toxicológicos e ambientais. Em resumo, a lei assegura que Anvisa e Ibama continuem cumprindo seus papéis, fundamentais e imprescindíveis, para garantir a segurança de agricultores, consumidores, da terra, da água e do ar.

O que muda é que a função de fiscalizar a produção e a importação dos produtos passa a ser, oficialmente, apenas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Ou seja, concentrar a gestão dos processos burocráticos num único órgão, tem como objetivo aumentar a eficiência do sistema e não com a flexibilização das normas e protocolos de segurança.

O Brasil não pode ser diferente da concorrência

O novo marco regulatório brasileiro segue na linha do que já acontece em países da Europa, nos Estados Unidos, no Canadá e na Argentina, por exemplo. Todos adotam as regras definidas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), órgão internacional que reúne dezenas de nações que trabalham em conjunto, compartilhando experiências e buscando soluções para problemas comuns. No que diz respeito aos pesticidas, as recomendações da OCDE seguem o Código Internacional de Conduta de Uso e Distribuição elaborado pela ONU/FAO.

No entanto, a atual legislação brasileira empurra os agricultores nacionais para as margens da evolução tecnológica. Os concorrentes internacionais, que também usam pesticidas, têm acesso às novas tecnologias em dois ou três anos, prazos que suas agências reguladoras levam para analisar e registrar um produto.

Por que os agricultores brasileiros devem esperar até 10 anos? Não tem lógica! 

Também não faz qualquer sentido afirmar que nova legislação vai comprometer a qualidade dos alimentos produzidos no país. O Brasil exporta seus produtos para 160 países, que analisam cada carga. Contaminações por uso inadequado de pesticidas representam um grande problema que não interessa ao agronegócio. 

Modernização 

A inovação traz produtividade e mais segurança. Novos pesticidas, em geral, são mais eficientes, específicos para os alvos (pragas), requerem doses menores e apresentam menor toxicidade. Um bom exemplo é que, nos últimos 50 anos, as taxas de aplicação de defensivos por hectare no Brasil foram reduzidas em 95%. Isso só se deve ao desenvolvimento de produtos mais eficientes e seguros.

Também é ilógico acreditar que indústrias centenárias, que investem quase 20 anos e mais de 280 milhões de dólares entre a pesquisa e a comercialização de uma única molécula, disponibilizariam no mercado produtos que colocassem em risco a saúde de seus consumidores e o patrimônio ambiental essencial para a prática da agricultura. Afinal, sem terra fértil e água boa não há produção com qualidade.

É ainda mais absurdo imaginar que legiões de pesquisadores e agrônomos do mundo inteiro que atuam, de forma consciente, no desenvolvimento e recomendação de produtos colocariam suas vidas e de seus descendentes em risco.

Proteger os cultivos, utilizar plantas melhoradas geneticamente e adotar boas práticas agrícolas são medidas fundamentais para se produzir mais nas mesmas terras. Sem soluções inovadoras e legislações que acompanham a ciência e o desenvolvimento de produtos tecnológicos, seria necessário muito mais terra e insumos para se manter a produção atual.  

*Christian Lohbauer é presidente-executivo da CropLife Brasil

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