Christian Lohbauer*
Desequilíbrio, segundo o dicionário, é a “perda ou falta de equilíbrio; estado ou condição do que está desequilibrado”. Aplica-se também como sinônimo de “desproporção, desigualdade”. O ser humano é capaz de notar o desequilíbrio tanto de maneira “local”, em atividades cotidianas, como caminhar ou se levantar, assim como de modo “global”, ao acompanhar, por exemplo, eventos climáticos cada vez mais extremos e frequentes.
O fato de hoje, no planeta, 135 milhões de pessoas não terem o que comer e passarem fome ao mesmo tempo em que 2 bilhões de seres humanos consomem calorias em excesso é um sinal claro de desequilíbrio. Isso sem mencionar o fato de que cerca de 820 milhões de pessoas vivem numa situação de insegurança alimentar e outras dois bilhões carecem de micronutrientes essenciais, particularmente ferro, zinco, vitamina A e iodo.
As consequências de ambos os cenários são conhecidas. De um lado, desnutrição infantil, cegueira e mortes prematuras, entre outras coisas. De outro, uma pandemia de sobrepeso e obesidade, que leva a um aumento de doenças cardiovasculares e diabetes, entre outras disfunções.
Mais: a pandemia da covid-19, por conta do isolamento social, da diminuição da renda per capita, do desemprego crescente e das flutuações dos preços dos alimentos, afastou ainda mais pessoas do acesso a uma alimentação de qualidade, com ingredientes nutritivos e saudáveis. Somado a isso, nos próximos anos, a ONU avalia que em torno de 130 milhões de pessoas se juntarão aos 135 milhões, formando 265 milhões. Ou seja, o número de seres humanos com fome crônica no mundo pode dobrar.
Diante desse cenário fica evidente a importância do agronegócio – especialmente o brasileiro – para o mundo. Projeções da própria ONU indicam que a Terra terá 10 bilhões de habitantes em 2050, sendo que 80% deverão viver em cidades. Será necessário aumentar em 60% a produção mundial de alimentos. Para atender a essa demanda, estima-se que o Brasil terá de produzir 40% a mais de alimentos.
Como produzir mais de maneira sustentável, oferecendo segurança alimentar e nutricional para todos de forma que as bases econômicas, sociais e ambientais para as gerações futuras não sejam comprometidas? Pensando globalmente, agindo localmente. A frase é bastante conhecida, mas expressa o que deve ser feito em relação à cadeia global dos sistemas alimentares. Isto é: todos os elementos de produção e processos pelos quais os alimentos passam para chegar até o consumidor, incluindo o meio ambiente, as pessoas, as infraestruturas e as instituições.
Nos anos mais recentes, como aponta o estudo “Segurança alimentar pós-covid19: megatendências dos sistemas alimentares globais”, elaborado pela Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas (Sire), da Embrapa, o tema da segurança alimentar e a noção de sistemas alimentares, intimamente ligados, aumentaram de importância na agenda política, socioeconômica e científica.
De acordo com o documento, “a inovação, que tem sustentado a evolução da produção agrícola, será́ fundamental para enfrentar o desafio de garantir a segurança alimentar do futuro. Estima-se que os principais avanços venham das novas tecnologias de automação e robótica, da hiperconectividade e acesso à internet, das novas ferramentas empregadas no melhoramento vegetal e animal, sistemas mais avançados de gestão de recursos e uma melhor compreensão da relação alimentos-consumo-saúde humana”.
A bioeconomia, a biotecnologia e os recursos genéticos (vegetais, animais e microbianos), a hiperconectividade, essencial no avanço da adoção da agricultura de precisão, com os consequentes aumentos da produtividade, economias de escala e a readequação da mão-de-obra agrícola, representam alguns dos meios que influenciarão a agricultura e os sistemas alimentares do futuro. Esses são pontos previstos pelo estudo, que ainda assinala seis desafios principais para a agricultura global e os sistemas alimentares:
- Importância das agtechs e tecnologias disruptivas: automação e robótica, hiperconectividade, aplicativos digitais;
- Mudanças climáticas e degradação ambiental;
- Transição sócio-demográfica e urbanização;
- Envelhecimento populacional, as novas gerações e os desafios da saúde (dietas) e das tecnologias;
- Produção global de alimentos, acesso eqüitativo e estável aos alimentos;
- Segurança alimentar e segurança nutricional direcionadas às populações vulneráveis.
Serão necessários esforços conjuntos para promover sistemas alimentares sustentáveis que proporcionem segurança alimentar e nutricional, de forma a apoiar o desenvolvimento econômico, resultados sociais positivos e proteção do meio ambiente.
Enfrentar este desafio global requer uma abordagem multidisciplinar dos sistemas alimentares, considerando não apenas a agricultura e os padrões de consumo, mas, também, outros componentes do sistema alimentar, incluindo governo, varejistas, processadores de alimentos, fornecedores de tecnologia e instituições financeiras.
A união de diferentes sistemas alimentares, estruturados, irá desempenhar um papel crítico na construção da riqueza e oferta de alimentos. Para tanto, é preciso fortalecer os elos da produção aumentando as oportunidades econômicas nos setores agrícola e alimentar por meio de empregos e apoio à produção desde o cultivo, passando pelo processamento e transporte até a distribuição e a comercialização de alimentos – reduzindo, nesse caminho todo, o desperdício e buscando o equilíbrio.
*Christian Lohbauer é doutor em ciência política e presidente executivo da CropLife Brasil