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Agronegócio: transformação digital ou de pessoas?

Por Marcos Scalabrin*

A transformação digital tem sido um tópico muito discutido em todas as organizações. Cada vez mais, vemos cadeias inteiras sendo revolucionadas, eficiências operacionais aumentando e clientes adotando novos modelos de negócios. 

É um movimento que não tem como ser ignorado. Quem se abstém de discuti-lo certamente está negando os potenciais riscos, como vimos em casos emblemáticos de empresas que não inovaram. Por outro lado, é um movimento extremamente fértil de novas oportunidades. Na agropecuária, tem o poder de dar maior agilidade para avaliar cenários e tomar decisões que reduzem perdas e garantem retornos melhores aos produtores e demais membros da cadeia.

O custo de computação caiu cerca de 10.000 vezes nos últimos 10 anos. Isso foi um dos fatores preponderantes para fazer a década de 2010 entrar para a história como marco, em que finalmente algoritmos de inteligência artificial deixaram de ser teorias acadêmicas para entrar em nosso dia a dia. Hoje, muitos celulares permitem o desbloqueio ao reconhecer nossos rostos, a mesma tecnologia permite na agropecuária automatizar a detecção de anomalias nos campos e nos animais por meio de imagens.

Muitas dessas tecnologias hoje são baseadas em lógicas complexas, mas que podem ser obtidas de forma gratuita em pacotes de software open-source na internet. A partir deles, comunidades de desenvolvedores, acadêmicos e até gigantes da tecnologia fazem um aperfeiçoamento contínuo, incorporando avanços em ciclos cada vez menores e permitindo sua aplicação em questões práticas do cotidiano dos negócios.

Aplicativos que facilitem o uso das tecnologias pelos produtores rurais é fundamental para que a adoção da agricultura digital seja mais rápida no campo

Esses fatores permitem termos cada vez mais novos apps em nossos smartphones: pedir um Uber, comida pelo Ifood, fugir do trânsito com Waze, videoconferências por Zoom, comunicar e colaborar em grupos com WhatsApp. 

No agronegócio, é certo que a produtividade tem mais multiplicidade de fatores e interações complexas do que os dos negócios citados acima, como por exemplo: perfil climático, solo, adubação, ocorrência de pragas e doenças, qualidade das operações de plantio, tratos e colheita, escolha das sementes, capacitação dos operadores dos maquinários agrícolas, janelas de plantio e colheita, entre outros. E temos ainda questões de gestão financeira, crédito, compra de insumos, comercialização da produção, gestão de riscos, integração na cadeia, armazenagem e logística, exportação, beneficiamento e transformação pela indústria alimentícia, só para citar alguns.

Tal complexidade seria a razão para não vermos no agro a mesma proliferação de modelos disruptivos? Se o custo da propriedade dessas tecnologias que tratam problemas complexos é zero e, se o poder computacional para as executar está cada vez mais barato, por que a transformação digital no agro não está mais rápida? 

Em uma mesa redonda sobre agropecuária 4.0, da qual participei no Vale do Piracicaba em 2019, a discussão convergiu para pessoas. Foi consenso a carência de formação com competências tecnológicas e de negócios que permitam aproveitar essas novas tecnologias digitais. É aos produtores que o ecossistema agritech precisa prover soluções mais simples e efetivas como os apps citados.

E entre os diversos agentes do ecossistema agropecuário brasileiro, acredito que são os empreendedores que irão alavancar o conhecimento agronômico gerado pela academia e órgãos de pesquisa. Para isso, precisamos fomentar que estes tenham uma visão prática de negócios, entendendo as “dores” dos produtores para traduzir estas soluções e aplicar métodos ágeis de desenvolvimento de projetos para testar e evoluir em ciclos curtos. É preciso ainda que essas soluções sejam incorporadas em modelos de negócios que gerem valor adicional, permitindo que todas as partes tenham lucros financeiros para que esses novos negócios prosperem, garantindo que esse ciclo seja sustentável.

Esses empreendedores devem conseguir criar equipes multidisciplinares para entender o lado do produtor e o da tecnologia, criando modelos de negócio de sucesso. E, assim, acelerar a adoção de tecnologias que permitam tomar melhores decisões nesse complexo jogo de xadrez que é do agronegócio.

A preparação desses empreendedores, passa por conectar a academia e fomentar essas competências. Esse é o papel que a ESALQTec, incubadora da Esalq/USP – reconhecida como uma das cinco melhores faculdades de ciências agrárias no mundo, a única em terras tropicais – tem se proposto ao longo dos últimos 15 anos.

As bases tecnológicas estão aí, e acelerar os agentes nessa curva de aprendizado coletiva  estamos no início dela – trará a adoção de tecnologias em larga escala para impulsionar uma nova fase de ganhos de produtividade na agropecuária brasileira. 

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*Marcos Scalabrin é mentor e consultor de tecnologia na ESALQTec ** e CDO na SciCrop.

**ESALQTec é a incubadora de empresas da Esalq (USP – Piracicaba), que é a peça-chave do Vale do Piracicaba (AgTech Valley), como é conhecido o ecossistema de tecnologias do local, considerado o Vale do Silício do agro brasileiro.

Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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