Mais um passo rumo à regularização

26 de maio de 2021 8 mins. de leitura
Ministério da Agricultura lança plataforma que analisa eletronicamente os Cadastros Ambientais Rurais (CAR), acelerando sua validação e eliminando pendências no campo

Uma nova ferramenta desenvolvida pela Universidade Federal de Lavras (Ufla-MG) a pedido do Ministério da Agricultura promete, finalmente, acelerar a regularização ambiental dos produtores rurais brasileiros. Lançado no dia 13 de maio em evento em Brasília, o AnalisaCAR é um programa que, com base em verificação e comparação de imagens de satélite obtidas por sensoriamento remoto, vai fazer um pente fino nos mais de 6 milhões de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) preenchidos pelos proprietários rurais do País e validar eletronicamente os que não tiverem maiores problemas. Os que apresentarem alguma inconformidade serão submetidos a análise manual, como vem sendo feito até agora pelos Estados – responsáveis pela validação do CAR, conforme o novo Código Florestal (Lei 12.651, de 25/5/2012).

A partir daí, os proprietários rurais que tiverem seus cadastros validados poderão – se for o caso – aderir finalmente aos Programas de Regularização Ambiental (PRA) em seus Estados. Conforme o diretor de Regularização Ambiental do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) – que está abrigado no Ministério da Agricultura –, João Adrien, outra vantagem de se ter um CAR validado é que o proprietário que dispuser de excedente de mata nativa em suas áreas poderá registrá-las como Cotas de Reserva Ambiental (CRA) e também se beneficiar de programas de Pagamento por Serviço Ambiental (PSA). Além, é claro, de finalmente ter uma propriedade regularizada conforme as exigências do Código Florestal. Adrien deu essas declarações no dia 13, no evento de lançamento online do AnalisaCAR.

Em entrevista ao Estadão publicada no dia 21 de maio, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse também, sobre a “análise dinamizada do CAR”, que o sistema “usará sensoriamento remoto para poder regularizar as propriedades rurais com mais celeridade e menos subjetividade”. 

Enfim, o governo federal finalmente entrega uma ferramenta para que aqueles 6 milhões de Cadastros Ambientais Rurais preenchidos até agora pelos proprietários rurais do País possam ser validados, e as áreas com alguma pendência ambiental, regularizadas. Até agora, conforme Adrien, do SFB, a validação dos cadastros estava “travada” no País, pela impossibilidade de se avaliarem manualmente as informações dos milhões de cadastros. “No País, até agora, apenas 3% dos CARs foram validados”, citou Adrien, como exemplo da lentidão dos processos. 

Com a análise dinamizada, a expectativa é de que a verificação se acelere a ponto de o prazo de adesão ao PRA, que se encerra em 31 de dezembro de 2022, possa de fato ser cumprido. “O módulo de análise dinamizada do CAR tem capacidade para validar 66 mil cadastros por dia; conseguiremos, em quatro dias, analisar tudo o que já foi validado nos últimos seis anos”, compara Adrien.

Ao fim da análise dinamizada, comenta Adrien, o sistema dá três opções para o proprietário rural: a primeira é concordar com ela e ter seu cadastro validado, sem maiores problemas. Pode também concordar parcialmente e solicitar revisão ou simplesmente não concordar. “Apenas no caso de não concordância parte-se para a análise manual, onde o produtor tem de apresentar a documentação adequada.”

Praticamente todas as propriedades rurais do País que preencheram o CAR serão submetidas ao AnalisaCAR. E, mesmo que o produtor rural concorde com os resultados da análise, isso “não exclui a prerrogativa do Estado de fazer análise e vistoria em imóveis rurais, se necessário”, ressalta Adrien. Caso ele não concorde com a análise dinamizada, “a ferramenta dispõe de um ambiente simples para retificação ou contestação das informações”, pontua.

O diretor de Regularização Ambiental do SFB ressalta ainda que o AnalisaCAR vai começar a resolver um importante gargalo: a sobreposição de cadastros, já que o Censo Agropecuário do IBGE apurou que o País tem 5 milhões de propriedades rurais, mas o CAR já tem mais de 6 milhões de propriedades inseridas. Ou seja, está “sobrando” 1 milhão de propriedades rurais que no mínimo foram declaradas por dois proprietários diferentes. Há também muita sobreposição de propriedades rurais com áreas indígenas, assentamentos e unidades de conservação. “Com a validação eletrônica, o processo ganha celeridade”, comenta Adrien, já que poderá, em vários casos, evitar que fiscais ambientais dos Estados tenham de checar dados in loco. “Vamos economizar recursos públicos com isso”, reforça. “A análise dinamizada não vai resolver todos os problemas e é complementar à análise manual, mas permitirá ao governo colocar os recursos humanos apenas onde for necessário.”

A advogada especializada em direito ambiental Samanta Pineda, da Pineda & Krahn Sociedade de Advogados, elogia a iniciativa do AnalisaCAr e lembra que a validação dos cadastros é de responsabilidade dos Estados. “O que o governo federal fez foi disponibilizar uma ferramenta para os Estados que quiserem utilizar”, informa. A advogada acredita que o AnalisaCAR será um “divisor de águas” na validação dos cadastros e, enfim, um passo fundamental para a regularização ambiental das propriedades rurais do País. “Embora seja uma análise eletrônica, o Estado não perde a capacidade de fiscalização física”, ressalta Samanta. “Mas agora os fiscais não vão mais precisar sair para operações aleatórias, pois terão os dados do AnalisaCAr em mãos; a fiscalização será muito mais eficiente.”

Na sua avaliação, o AnalisaCAR fará com que “mude tudo” na regularização ambiental no País. “Primeiro porque a análise dos cadastros demorou tanto e tivemos muitos questionamentos judiciais na aplicação do CAR; se a análise tivesse sido célere, esses questionamentos não teriam espaço”, justifica. Em segundo, porque o sistema desenvolvido pela Ufla leva em conta as bases cartográficas dos Estados, “então o AnalisaCAR vai respeitar as regionalidades de cada unidade de Federação”.  Além disso, dará condições para os Estados – que têm a responsabilidade de validar os cadastros – fazer essa checagem. “Muitos não têm capacidade física ou estrutural de analisar um a um os dados de cada propriedade rural.”

6,23 milhões de Cadastros Ambientais Rurais foram preenchidos no País

624 milhões de hectares é a área cadastrada, conforme o Sicar

12 milhões de hectares apresentam sobreposição com terras indígenas, ou 6.761 imóveis rurais

5,74 milhões de hectares têm sobreposição com unidades de conservação, ou 2.737 imóveis Gargalo é baixo nível de resolução de mapas no País

Para o consultor André Luís Torres Baby, que é engenheiro florestal e mestre em sustentabilidade, “o governo lançou, ainda que tardiamente”, a análise dinamizada do CAR. “A sociedade civil organizada, os conselhos de classe de engenharia já reivindicavam que se colocasse ‘inteligência’ para analisar todos os processos, que são mais de 6 milhões”, comenta. Apesar de “ver com bons olhos” a iniciativa, ele avalia que será preciso trilhar um longo caminho. No Amapá, por exemplo, onde o governo federal desenvolveu um protótipo para implementar o AnalisaCAR, a validação “deve demorar pelo menos dois anos para colocar tudo em prática”. 

Outro forte obstáculo é a carência de base de dados no Brasil para que se comparem de forma fidedigna as imagens de satélite fornecidas pelo sistema.  “Uma escala apropriada de mapas em nível de propriedade rural seria de 1 para 5 mil ou de 1 para 10 mil”, cita Baby. “Nossa base, nos mapas do IBGE, é de 1 para 250 mil”, informa. Isso significa que cada 1 centímetro quadrado do mapa equivale a 2,5 quilômetros quadrados de área real. Essa escala, segundo o consultor, ainda é deficiente para analisar as imagens do CAR com detalhes e validar ou não os cadastros. “Sabiamente eles fizeram o projeto-piloto do AnalisaCAR porque recentemente o Exército, o IBGE e a Embrapa atualizaram os mapas no Amapá.”

Outro problema an­­terior à validação dos cadastros, na opinião de Baby, é que o preenchimento do CAR pode ser feito pelo próprio produtor rural ou pessoas não especializadas em analisar imagens de satélite. “Criou-se a ideia de que fazer um CAR seria uma atividade que qualquer produtor poderia fazer, mas não é bem assim”, continua. “É necessário um profissional que consiga identificar vegetação de floresta ou cerrado, floresta de transição, mata atlântica, entre outros detalhes. E não é qualquer proprietário rural que tem condição de fazer isso. Ou seja, há muitos cadastros e pouca eficiência neles.” Assim, para o consultor, o AnalisaCAR, “apesar de ser uma boa iniciativa, vai demorar para ser implementado”.

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