Respeito na lida com o gado resulta em maior produtividade

27 de julho de 2022 6 mins. de leitura
A pecuarista Carmen Perez adota desde 2007 práticas como afago de bezerros, desmama lado a lado e redução das marcações a ferro e virou referência no assunto

Na Agropecuária Orvalho das Flores, em Araguaiana, leste de Mato Grosso, quase divisa com Goiás, os bezerros da raça nelore, de corte, são afagados logo que nascem. Essa rotina de “boas-vindas” é feita em dois momentos de manejo nos 30 primeiros dias do animal e é importantíssima, segundo a pecuarista Carmen Perez, para todos os manejos pelos quais aquele animal passará ao longo da vida. A justificativa para a prática é simples: se for tratado com cuidado e respeito desde o início, sem rispidez, o bezerro terá um registro favorável em sua memória no contato com o ser humano. “O primeiro contato do homem com o animal deve deixar uma memória positiva”, reforça a pecuarista Carmen Perez, proprietária da Orvalho das Flores, fazenda de cria – ou seja, produtora de bezerros. Seu rebanho conta com 1.600 vacas que geram, em média, 1.200 bezerros por ano.

Essa impressão positiva, segundo a criadora, facilitará, mais à frente, qualquer tipo de ação que seja necessária com o gado já garrote ou adulto, como vacinação, colocação de brincos, relação com os vaqueiros e embarque e desembarque dos caminhões, reduzindo o estresse dos animais e também dos trabalhadores. “E é comprovado que bovinos estressados se alimentam mal e bebem menos água, ou seja, ganham menos peso, por exemplo”, pontua Carmen.

O afago em bezerros é apenas uma das várias práticas que a pecuarista adota sistematicamente em sua propriedade, quando se trata de garantir o bem-estar animal – exigência cada vez mais premente para consumidores de produtos de origem animal no mundo todo. Com procedimentos bem estabelecidos e vaqueiros periodicamente treinados, Carmen cita que a intenção é proporcionar o bem-estar do rebanho no que ela chama de “cinco domínios”. 

Os domínios

O domínio 1 é a nutrição (ou seja, não deixar o animal privado de alimento ou água); o domínio 2 é o ambiente (garantir que o bovino não sinta frio, calor, tenha falta de espaço ou falhas de manejo); o domínio 3 diz respeito à saúde (prevenir doenças e ferimentos e tratá-los com celeridade e sem dor, caso ocorram); o domínio 4 é o “comportamento animal”, entendendo como o bovino se relaciona com o rebanho e evitar restrições comportamentais nessas interações. Por fim, o domínio 5 cuida dos “estados mentais”: solidão, ansiedade, frustração e depressão.

Outra prática essencial em uma propriedade de cria é evitar o máximo de estresse em uma situação crucial na vida de um bovino: a desmama. Nesse caso, a fazenda de Carmen adota a “desmama lado a lado”. “Em propriedades que não adotam essa prática, o que se faz simplesmente é separar totalmente a vaca do bezerro, gerando um forte estresse nos dois”, comenta a criadora. “Nós fazemos a desmama lado a lado, em que ambos ficam separados, mas têm contato visual por muitos dias. Isso baixa a ansiedade, permitindo que tanto a vaca quanto o bezerro consigam continuar se alimentando, sem perder peso”, descreve. Lembrando que, em gado de corte, o ganho de peso deve ser gradual ao longo da vida toda e o que se busca, em gado de reposição, são bezerros mais pesados. “No contato visual, mesmo não mamando, o filhote escuta a mãe e sente o cheiro dela e vice-versa. É muito importante.”

Outra medida essencial citada por Carmen é a redução da “marca a fogo” no rebanho – para identificar os bovinos, os fazendeiros marcam, a ferro quente, o couro do bovino com a insígnia da propriedade. “Substituímos a marca a fogo por brincos visuais e eletrônicos, além de tatuagem”, comenta a pecuarista, acrescentando que a única marca a fogo que ainda permanece – porque é obrigatória por lei – é a da brucelose, na face do bovino. “E gostaria de ressaltar que essa marca é feita no local mais dolorido do animal, a face, que tem muitas terminações nervosas. Entretanto, o Ministério da Agricultura exige que ela seja feita desta forma.”

Além disso, a propriedade realiza todo o planejamento alimentar do rebanho e o treinamento de toda a equipe. “Porque, antes de fazer tudo isso a campo, existem pessoas envolvidas que precisam de orientação, conscientização e respeito. A base desse trabalho são as pessoas”, destaca.

Centro de pesquisa

Afagar bezerros traz benefícios por toda a vida do animal (Fonte: Arquivo pessoal)

Toda a experiência que Carmen Perez foi adquirindo em bem-estar animal, com preciosas orientações, por exemplo, do Grupo Etco (Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal), tornou a Orvalho das Flores referência no assunto. Tanto que várias outras pesquisas são realizadas ali, além de a propriedade receber visitas constantes de cientistas e pesquisadores das mais diversas áreas. “Temos contato e uma parceria de muitos anos com o Grupo Etco. Já fizemos, juntos, muitas pesquisas aqui na fazenda. A da massagem em bezerros, por exemplo, foi feita aqui”, informa a pecuarista. “Nessa pesquisa, houve participação do Etco e também de um grupo sueco, com medição dos batimentos cardíacos em todos os bezerros”, diz. “A pesquisa da desmama lado a lado também ocorreu aqui e conseguimos comprovar todos os seus benefícios.” Até mesmo o bem-estar animal dos cavalos utilizados na lida com o gado foi pesquisado na propriedade. “Estamos sempre promovendo essas pesquisas, que eu considero fundamentais para a evolução, a produção e a produtividade da pecuária nacional.”

Outro importante indicador de que o manejo respeitoso dos animais garante maior produtividade ao rebanho foi a redução do número de abscessos no bovino após vacinações. “Esses abscessos, ou seja, o pus que se forma sob a pele do animal quando a vacinação é feita sem que se puxe sua pele para injetar a agulha, chegam a resultar em perdas de até 6 quilos de carne por abscesso. Mais uma prova de que manejo racional e bem-estar animal estão ligados diretamente a uma maior produtividade do gado.” Outros indicadores são de que, com bovinos sem estresse, tratados com boas práticas, a qualidade da sua carne também melhora. “O estresse afeta a coloração da carne, sua acidez e sabor, e ela não fica tão suculenta, fica mais dura e seca”, enumera Carmen Perez.

Ela diz que, para os produtores que queiram aderir às boas práticas no manejo de bovinos, é preciso, além de estar dispostos, entender que se trata de um trabalho sem fim. “Comecei em 2007 e continuo promovendo reuniões de conscientização, treinamentos e tudo o mais”, diz. “Hoje eu digo que bem-estar animal está intrinsecamente ligado à gestão da propriedade, como gestão dos números, das compras, etc.” Além disso, ela informa que, no site do Grupo Etco, há vários manuais bastante didáticos para que o produtor possa começar a se informar, como práticas diárias, transporte de animais, identificação, embarque e muito mais. “E hoje a informação está muito mais disponível. Basta querer.”

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