Regularização ambiental anda a passos lentos no país

5 de outubro de 2022 6 mins. de leitura
Estados demoram a validar CAR e produtor não pode, com isso, aderir a programa que lhe dá benefícios na recomposição florestal

O prazo para que produtores rurais possam aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) acaba dia 31 de dezembro. Uma data tão próxima preocupa o setor, já que etapas anteriores, das quais depende o PRA, andam a passos lentos. A adesão ao PRA é prevista pelo Código Florestal. Para requerê-la e obter os benefícios previstos no Código para recomposição de áreas desmatadas, o produtor deve ter o seu Cadastro Ambiental Rural (CAR) avaliado pelo poder público – já que se trata de um documento autodeclaratório. O gargalo reside aí: na lentidão dessa análise do CAR pelos governos estaduais, que têm essa atribuição. Tanto que representantes do setor agropecuário pedem, agora, o adiamento do prazo. 

Soja e mata nativa: sem CAR validado, fica difícil saber efetivo de florestas nas fazendas
Soja e mata nativa: sem CAR validado, fica difícil saber efetivo de florestas nas fazendas.

Para ter-se ideia da morosidade na liberação dos cadastros ambientais rurais, o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), órgão do governo federal, tinha em seu banco de dados 6,756 milhões de cadastros preenchidos até 1º de setembro. Destes, ínfimos 33,5 mil foram totalmente validados e 1,615 milhão passou por algum tipo de análise – o que não quer dizer que tenham sido validados de fato. Em área, a situação é um pouco melhor e indica que os grandes proprietários têm tido prioridade na análise do CAR, pois, dos 629 milhões de hectares cadastrados, 239,06 milhões foram analisados. Mesmo assim, apenas 13,57 milhões de hectares foram efetivamente validados. A situação se agrava quando se observa que, do total de imóveis que preencheram o CAR, 51% solicitaram adesão ao PRA – ou seja, têm alguma pendência ambiental, como desmatamento de área acima do que permite o Código Florestal.

REGULARIZAÇÃO LIMITADA

“O prazo de adesão ao PRA precisa ser ampliado, pois os Estados pouco avançaram na análise e validação do CAR”, diz o coordenador de Sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Nelson Ananias. Para ele, o baixo índice de avaliação do CAR restringe a adesão dos produtores rurais ao PRA, já que a grande maioria desconhece seu balanço de ativo e passivo. “O produtor fez a parte dele, que foi declarar o CAR. Ele demonstrou vontade de se regularizar ambientalmente ao aderir ao PRA, mas essa disposição pode ser prejudicada pelo prazo estabelecido”, reforça Ananias. 

“Prazo para adesão ao PRA precisa ser ampliado.”

Nelson Ananias

A avaliação do CAR pelos órgãos estaduais é necessária para eliminar inconsistências. Como se trata de documento autodeclaratório, há muitas áreas sobrepostas – ou seja, dois ou até mais produtores rurais declarando como seu o mesmo pedaço de terra.

“Falta diligência dos Estados em conceder a análise do CAR ao produtor e falta providência da União em prolongar o prazo (de adesão ao PRA)”, assinala a advogada especialista em Direito Socioambiental Samanta Pineda, sócia do Pineda e Krahn Advogados. Ela conta que há projetos no Congresso Nacional que preveem novo adiamento do prazo, sobretudo para pequenos produtores, que teriam até 2024 para aderir ao PRA. 

“Falta diligência nos Estados.”

Samanta Pineda

Pineda diz que, sem a extensão do prazo, o produtor corre o risco de perder os benefícios previstos no Código Florestal para quem aderir ao PRA – quem não formalizar a adesão e tiver desmatado além do permitido por lei terá de recompor 100% da área desflorestada, por exemplo.

O prolongamento da data de adesão ao PRA é uma demanda também dos governos estaduais, conta a secretária de Meio Ambiente de Mato Grosso e presidente da Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), Mauren Lazzaretti. “Há dificuldade real de se implementar o CAR, com várias situações que impedem os Estados de evoluírem na implantação do Código Florestal”, avalia. “Há Estados em situação bem difícil. Alguns, especialmente no Norte e Nordeste, ainda não iniciaram a análise do CAR, seja por falta de infraestrutura, seja por dificuldade de detalhamento dos biomas”, conta, e complementa: “Outros estão com a regularização ambiental judicializada, como os 17 Estados que possuem Mata Atlântica”. 

“Há dificuldade real de implementar o CAR.”

Mauren Lazzaretti

São muitas as dificuldades apontadas pelos especialistas que limitam o pleno cumprimento do Código. Entre elas estão, principalmente, a falta de estrutura das Secretarias Estaduais de Meio Ambiente, que carecem de corpo técnico, têm sobrecarga de técnicos, falta de recursos de infraestrutura adequados, ausência de integração entre os sistemas de cadastro estaduais e nacional e enfrentam o atraso o atraso na discussão do Supremo Tribunal Federal sobre determinadas questões do bioma da Mata Atlântica, que perdurou até 2018.

VISÃO NACIONAL

“Houve avanço, mas não atingiremos o prazo atual. Ainda não há um marco estratégico que coordene o CAR e o PRA sob a ótica nacional. Falta uma espécie de pacto federativo que pressuponha integração entre os Estados e União e alinhamento estratégico para implementação do Código”, afirma a diretora do programa de Florestas, Uso da Terra e Agricultura do WRI Brasil, frente local da instituição global de pesquisa World Resources Institute, Fabíola Zerbini. “Fora isso, as Secretarias de Meio Ambiente (Semas) em alguns Estados são articuladas com as Secretarias de Agricultura e, historicamente, as Semas não são estruturadas com orçamentos expressivos. Também não há prioridade à implementação do Código Florestal pelos governos estaduais e pelo federal”, acrescentou Zerbini.

“Há discrepância entre os Estados quanto à regularização”

Fabíola Zerbini

Maior produtor de grãos está à frente do processo

Quando analisado por bioma, a situação do CAR é mais crítica na Amazônia, pela falta de estrutura governamental e operacional, e na Mata Atlântica, pela judicialização da questão, avaliam especialistas. Em outros Estados, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Santa Catarina, o cenário é um pouco menos preocupante e são apontados pelos especialistas como exemplos na aceleração da validação do CAR. Em Mato Grosso, maior Estado produtor de grãos e carnes do Brasil, 77% da área cadastrável já está integrada ao sistema estadual de cadastro rural, de acordo com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente. Deste total, 58,8% dos cadastros já foram analisados, sendo 26% validados. O Estado faz todo o processo em sistema próprio e depois integra os dados na plataforma do Serviço Florestal Brasileiro. A escolha pelo sistema próprio decorre das especificidades de se ter um Estado com três tipos de biomas e terras indígenas e de assentamento, segundo a secretária da Sema, Mauren Lazzaretti, que destaca, porém, a necessidade de se prorrogar o prazo para adesão ao PRA.

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