‘Produção em 2023 será maior, mas custos seguirão elevados’

13 de dezembro de 2022 7 mins. de leitura
Lucchi diz que preços agrícolas cederão, mas não para os níveis da pré-pandemia

O ano que está terminando foi desafiador para o setor agropecuário, com crise dos insumos, aumento expressivo do custo de produção e quebra de safra. Para 2023, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) espera um ano um pouco mais favorável. Não será, porém, sem desafios. “Será um ano de margens menores, custos de produção ainda elevados, mas boa produção”, diz o diretor técnico da CNA, Bruno Lucchi, ao Estadão.

Na avaliação de Lucchi, as culturas voltadas ao abastecimento doméstico são as mais vulneráveis à redução de consumo ou à estagnação econômica. Do ponto de vista da produção, a confederação projeta uma safra recorde de grãos e recuperação na produção de café, cana-de-açúcar e laranja. “Há uma tendência climática favorável”, pontuou.  Veja os principais trechos da entrevista:

Estadão: Depois de um ano com uma série de desafios para o agronegócio, especialmente na cadeia de abastecimento, o que a CNA espera para o setor agropecuário em 2023? A instabilidade e volatilidade permanecem no próximo ano?

Bruno Lucchi: O que temos para o próximo ano é uma tendência climática favorável, e um menor impacto do clima favorece muito o campo. O custo de produção já foi incorporado em valores muito altos pelos produtores, mas há preocupação com o fato de que alguns agricultores que não travaram custos podem ter receita menor em virtude de um crescimento mais lento da demanda e da maior oferta, que tende a gerar queda dos preços.

A desaceleração da economia também deve ser vista no agro, considerando os riscos de recessão global, menor crescimento da economia chinesa, inflação e juros elevados pelo mundo? 

Quando falamos de produtos que predominam no mercado doméstico, como a horticultura, a fruticultura, a suinocultura independente e a pecuária de leite, trata-se de cadeias em que, com redução de consumo ou economia estagnada, o produtor não tem um estímulo maior ao aumento da produção. No caso dos derivados de leite, como são produtos de maior valor agregado, quando a economia não vai bem há redução de consumo. O mesmo vale para a carne bovina, pois alguns cortes não têm vazão em economia estagnada. No mercado internacional, temos produtos como soja, com oferta e demanda mais ajustada e estoque maior, o que gera expectativa de pressão nos preços. A única commodity para a qual esperamos preços mais altos no próximo ano é o trigo, em virtude dos problemas na produção global. 

Dado esse contexto econômico, qual é a perspectiva da CNA para a produção agropecuária em 2023?

Avaliamos que o fenômeno climático La Niña (que afeta o clima e lavouras) esteja em intensidade menor do que nos anos anteriores. Isso favorece a produção. Espera-se que a safra de grãos fique acima dos 300 milhões de toneladas. A Conab prevê 313 milhões de toneladas. No caso do café, 2023 será um ano de bienalidade negativa, mas, como neste ano a produção foi muito ruim, devemos ter recuperação na produção, assim como na cana-de-açúcar. Na cana, vai depender também de como ficará a questão tributária da gasolina, que compete com o etanol. Em laranja, também esperamos recuperação. De forma geral, a expectativa é positiva do ponto de vista de crescimento de produção. 

Com essa provável queda de preços no mercado internacional, as cotações das commodities agrícolas tendem a retornar aos patamares pré-pandemia ou não será um recuo tão forte?

Haverá queda, mas os preços não retornam ao patamar anterior à pandemia porque o custo de produção aumentou em maior proporção. De julho de 2021 a junho de 2022, os insumos para formulação de fertilizantes subiram muito de preço. O cloreto de potássio (KCl) aumentou 107%, o fosfato monoamônico (MAP) subiu 51%, a ureia, 47%. Já entre os defensivos, o preço do glifosato aumentou 225%, enquanto o da saca de soja aumentou 20,7%, o milho caiu 7% e a arroba do boi ficou estagnada. Esperamos uma queda em 2023 tanto no custo de produção quanto nos preços das commodities agrícolas, porém o custo vai cair menos do que a receita. É um cenário preocupante, de menor margem para o produtor, em que a gestão de risco e a gestão financeira serão ainda mais relevantes.

Portanto, mesmo com a queda no preço dos insumos, o custo de produção ainda pesará sobre as margens de rentabilidade em 2023?

Já pagamos um valor muito elevado nos insumos usados nas cadeias agrícolas que estamos plantando agora, com o maior custo de produção da história. O custo de produção desta safra, a 2022/23, subiu cerca de 40%. A depender do custo que o produtor plantou e do preço do ano que vem, pode haver margem negativa, neutra ou muito pequena. Isso depende da cadeia, se o produtor travou o preço e do quanto travou. A única certeza que temos é de que haverá redução da margem. 

Do lado da demanda, qual cenário a CNA observa para as culturas exportadoras em meio à desaceleração econômica global?

O crescimento mundial será menor, o que significa que talvez importadores não aumentem a demanda, comprem a mesma quantidade ou um pouco menos. Em algumas commodities, já temos um balanço de oferta e demanda para o próximo ano mais ajustado. Acreditamos que a quantidade exportada pelo Brasil aumentará porque teremos uma supersafra de grãos. Esperamos que o volume exportado anule a queda de preços. Podemos ter valores (de geração de receita) próximos aos deste ano. 

A questão ambiental também será um fator de risco para as exportações de produtos agrícolas brasileiros? Vimos recentemente União Europeia, Reino Unido e Estados Unidos propondo leis ambientais mais restritivas a commodities ligadas ao risco de desmatamento.

Deveríamos usar a questão ambiental como um ativo brasileiro, mostrando a preservação que há em cada grão de soja. No caso da União Europeia (UE), vemos como uma forma de boicotar o avanço do acordo entre Mercosul e UE e de frear a participação do Brasil no mercado europeu. Entendemos que o Brasil tem condições de atender a qualquer tipo de demanda, dentro de protocolos privados e legais. O Código Florestal brasileiro permite desmatamento em determinados porcentuais. Se o consumidor ou comprador quiser um produto desmatamento zero, ele pode demandar isso, mas com protocolo privado e pagamento diferenciado para o produtor por meio do estímulo. A legislação proposta pela UE não é harmônica porque cria países com alto risco e tem critérios subjetivos.

Ainda do lado de riscos, no ambiente interno, o crédito agrícola é um dos riscos para a agropecuária em 2023 em cenário de restrição orçamentária?

Crédito agropecuário é um risco, sem sombra de dúvidas. E é fundamental para o Brasil seguir mantendo a produtividade e a competividade na produção de alimentos. Hoje, apesar de o porcentual do crédito rural subsidiado ser pequeno na composição do funding, ele ainda é muito importante para pequenos e médios produtores, para preconizar políticas públicas como a questão ambiental e de armazenagem e para balizar o mercado privado quanto à taxa de juros. Tentamos ainda trabalhar em uma complementação de crédito para a safra 2022/23. As linhas de investimento estão suspensas. Custeio e seguro rural são linhas que nos preocupam muito e esperamos que não saiam das prioridades do próximo governo.

Este conteúdo foi útil para você?

211140cookie-check‘Produção em 2023 será maior, mas custos seguirão elevados’