Pasto o ano todo sob a mata de araucária

27 de julho de 2022 6 mins. de leitura
Sistema silvipastoril adotado em Santa Catarina aumenta a rentabilidade de pecuaristas e preserva o meio ambiente

Na propriedade da família de Dyanndra Neves, pecuarista de leite em Major Vieira, planalto norte de Santa Catarina, as vacas pastam em meio a araucárias, erva-mate, pimenteiras e outras plantas nativas, em um cenário que impressiona pela preservação. Outro diferencial é que, ali, as vacas leiteiras – 33 em lactação –, além do restante do rebanho, de 23 animais, entre novilhas, bezerras e alguns bois de corte, têm alimento farto o ano todo, seja inverno ou verão, baseado no que Dyanndra Neves chama de “pastagem perene”. O sistema agroflorestal – que concilia, no caso dessa propriedade, mata nativa e pasto – foi sendo melhorado a partir de um trabalho da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri).

Quando Dyanndra foi morar na propriedade, junto com o marido e uma filha de 10 meses, em 2019, decidiram aprender mais sobre a palestra à qual seus pais, João e Odalia Neves, haviam assistido anos antes e se empolgado. E passaram a adotar, na prática, as pesquisas da Epagri-SC, juntamente com sua irmã, Andéra, que também participa da lida. “A partir daí, a propriedade teve um novo rumo, novos sonhos e projetos foram sendo trilhados”, relembra Dyanndra.

Conforme conta a engenheira-agrônoma e pesquisadora da Epagri-SC, Ana Lúcia Hanisch, as “caívas” – nome regional desses capões formados por mata de araucária e outras plantas nativas, como erva-mate e imbuia, além de pasto nativo – sempre foram utilizadas por pecuaristas da região. O que a pesquisa coordenada por ela na Epagri-SC fez foi encontrar formas de melhorar a pastagem dessas áreas, com técnicas como adubação, sobressemeadura e substituição por gramíneas mais produtivas. “Isso tudo sem a necessidade de derrubar árvores, nem revolver o solo”, faz questão de destacar Ana Lúcia. 

Andéra, Dyanndra, Odália e João Neves Fonte: Arquivo pessoal/Dyanndra Neves

Árvores se beneficiam

Ela complementa dizendo que, nas pesquisas feitas em 13 propriedades rurais do planalto norte catarinense, a adubação, além de elevar a produtividade do pasto, fez com que também a erva-mate produzisse mais. “Até as araucárias começaram a crescer mais.”

A pecuarista Dyanndra Neves confirma que, de fato, as caívas já eram exploradas há décadas pelas famílias da região, tanto para a coleta de erva-mate quanto para a pecuária. E nunca passou pela cabeça da família desmatá-las. Ao contrário. “Meu avô Alfredo Strack, hoje com 94 anos, costumava andar no meio das caívas com um saquinho de pinhões no bolso, para ir semeando e plantando novas araucárias”, recorda. Assim, a pesquisa garantiu não só a preservação florestal, como uma fonte constante de renda para os produtores a partir da própria floresta. No sítio de 27 hectares, o rendimento das vacas leiteiras aumentou e o custo com silagem diminuiu. Segundo a produtora, mesmo no período de seca, as vacas têm pasto garantido, “por causa do sistema agroflorestal das caívas”. 

Ela conta que, antes, as vacas só se alimentavam do pasto nativo das caívas e de silagem, além de ração. Mas, com a troca por gramíneas mais produtivas – tifton e missioneira-gigante no verão e azevém e ervilhaca no inverno –, o consumo de silagem caiu de 40 quilos por animal/dia para 20 quilos por animal/dia. A produtividade das vacas aumentou de 12 litros/animal/dia para 20 litros/animal/dia, base pasto, de 2019 para cá. “Queremos chegar a 30 litros por animal por dia”, projeta Dyanndra. 

Ela comenta também que um dos grandes benefícios do sistema adotado nas caívas é o fato de ter pasto o ano todo, mesmo em períodos de seca. “Produtores da região que mantêm os animais no sistema tradicional ficaram sem ter o que dar de comer para o rebanho no ano passado, quando tivemos uma seca bem forte”, recorda Dyanndra. Outro benefício do sistema é garantir maior bem-estar animal. “Quando as vacas estão em lactação, sentem muito calor”, diz a produtora. “E é muito bonito ver ‘as mimosas’ se fartarem no pasto das caívas e depois ficarem descansando, ruminando na sombra”, orgulha-se a criadora.

Muita pesquisa

O cuidado ambiental nesse sistema foi primordial na pesquisa da Epagri-SC, complementa Ana Lúcia. “No caso do sistema silvipastoril, a gente já tinha as árvores, mas precisávamos pesquisar as pastagens que se adaptassem à região e a áreas sombreadas, sem prejudicar a mata”, continua ela. “Isso evitaria a derrubada de araucárias – o que, aliás, é proibido pela legislação ambiental”, enfatiza. Outro cuidado foi encontrar um jeito de não revolver o solo, o que poderia prejudicar os arbustos de erva-mate, além de liberar carbono para a atmosfera. Assim, após vários tipos de testes de adubação e plantio de diferentes gramíneas, chegou-se à fórmula ideal, que aproveita, inclusive, toda a rica matéria orgânica originalmente acumulada no solo. 

Para iniciar o sistema, faz-se um dessecamento das gramíneas nativas com herbicida – que é aplicado apenas nesta vez. Em seguida, aduba-se a área conforme recomendações técnicas e semeiam-se, no verão, as gramíneas missioneira-gigante e tifton – a primeira é mais adaptada a áreas sombreadas e a outra precisa de mais sol. Quando o inverno está chegando, essas duas gramíneas fenecem, pois não resistem a baixas temperaturas e à menor incidência de luz solar, além, é claro, de já terem sido pastejadas. 

Então, por volta de abril/maio, é a vez de “sobressemear” – ou seja, jogar, a lanço, sobre a mesma área de pasto – o azevém, o trevo e a ervilhaca, que são pastagens de inverno. “Além de muito nutritivas, resistem ao frio”, diz Ana Lúcia. “O trevo nós usamos em áreas mais abertas da caíva; já a ervilhaca é bastante resistente à sombra.” Como boa parte do pasto vicejará em áreas com incidência de sombra, Ana Lúcia diz que se aumenta a quantidade de sementes por área, a fim de garantir um pasto bem formado. 

Dyanndra garante, com a formação das “pastagens perenes”, que a propriedade não fique mais “zerada” em pasto. “Sempre temos um quadro de gramíneas oferecendo o tão necessário alimento.” Segundo ela, o sistema garante pastagens por nove meses no ano – de novembro a março, com tifton missioneira-gigante, e, de junho a setembro, azevém e ervilhaca.

No fim, segundo Ana Lúcia, o objetivo da técnica também é salvar as florestas nativas de araucárias: “A gente dá uma opção econômica para o produtor não ter de desmatar”. Dyanndra complementa: “Hoje vemos nosso trabalho com o melhoramento de pastagens como um enorme passo para a preservação, pois provamos que é possível ter pasto de qualidade, sombra para as vacas e uma enorme floresta, todos vivendo em harmonia”.

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