Cafezal do cerrado de Minas prima pela conservação

27 de julho de 2022 6 mins. de leitura
Na fazenda três meninas, de marcelo e ana paula urtado, forrageiras e árvores entre o plantio elevam sustentabilidade e garantem excelente café

Engenheiro-agrônomo por formação, mestre em tecnologia ambiental e arborista certificado internacionalmente, há seis anos Marcelo Cocco Urtado resgatou as raízes da família na cafeicultura, por meio da agricultura conservacionista no Cerrado Mineiro. Sua história na produção de café começou logo cedo, quando era criança e brincava no terreiro de café da fazenda da família em Monte Carmelo, no interior de Minas Gerais. Na idade adulta, os laços se distanciaram da produção: formou-se em Botucatu (SP) e passou a trabalhar na capital paulista com projetos de arborização e compensação ambiental. E o sonho, sempre presente, de retornar à cafeicultura se tornou realidade em outubro de 2016, quando comprou uma fazenda de 54 hectares na mesma Monte Carmelo. 

Ali, Urtado, junto com a esposa zootecnista, Ana Paula, deu início a um projeto até então diferenciado em sustentabilidade na cafeicultura: o cultivo do grão focado na preservação do bioma e no enriquecimento da biodiversidade local. Hoje, a Fazenda Três Meninas – nome em homenagem à sua esposa, com a qual divide a gestão da propriedade, e às filhas Fernanda e Malu – é exemplo de agricultura conservacionista na região, com manejo integrado entre produção e floresta. “A natureza é nossa sócia. Precisamos dar condições para ela nos ajudar no sistema agrícola e ela responde muito rápido”, define Marcelo Urtado.

Mudanças climáticas

O conceito é considerado uma etapa a mais da agricultura regenerativa, ao adotar técnicas de cultivo climaticamente inteligente, com práticas voltadas ao combate das mudanças climáticas e hídricas e à proteção do solo. “Fazer diferente não é mais ideologia ou opção, se tornou questão de sobrevivência econômica. Com o avanço do aquecimento global e a resistência do bicho-mineiro (principal praga do café), produzir preservando o bioma é uma necessidade”, defende.    

Quando adquiriu a fazenda, em 2016, a propriedade produzia aquém do seu potencial, sob as práticas de uma cafeicultura convencional. “A produção aqui estava na UTI. Não tinha mais condição”, relata. O primeiro passo, conta Urtado, foi realizar o plantio de forrageiras, como cobertura de solo, entre as linhas dos cafezais. “Nosso preceito é manter todo o solo coberto o ano todo, o que diminui a erosão, a temperatura do ambiente e deixa mais água no solo. Com o solo rico, o ecossistema fica mais equilibrado”, conta. Atualmente, ele cultiva mais de 10 tipos de forrageiras, em três a quatro ciclos anuais, a fim de diversificar a cobertura vegetal e os insetos atraídos por elas, o que ajuda no controle de pragas e doenças. 

Na sequência, ele passou a não colher as forrageiras, para serem usadas como matéria orgânica, já que fixam nitrogênio no solo. Urtado calcula que a adubação verde garantida pelas plantas forrageiras, posteriormente compostadas naturalmente no solo, reduziu seu custo com fertilizantes em 47%, pois agora adquire somente torta de mamona como fonte externa para fertilização. “Há plantas de cobertura que fixam no solo 250 kg de nitrogênio por hectare por ano”, aponta. 

Menos defensivos

O terceiro passo foi a redução do uso de herbicidas, possibilitada a partir da maior biodiversidade do solo e do uso de produtos biológicos – feitos à base de bactérias, fungos e micro-organismos – para o controle de pragas. Há mais de um ano e meio, Urtado eliminou totalmente o uso de defensivos químicos e viu seu custo de produção recuar 5% com a medida. “Se o objetivo é deixar o solo mais vivo, precisamos usar menos defensivo. A qualidade do café melhorou bastante, com a presença de notas sensoriais diferentes na bebida”, pontua. Por fim, o cafeicultor adotou um sistema de irrigação por gotejamento de precisão e instalou placas de energia solar em 100% da propriedade. 

Em paralelo às práticas voltadas ao sistema agrícola, ele plantou, desde a sua chegada à Fazenda Três Meninas, mais de 11 mil árvores e arbustos junto à vegetação nativa na área de reserva legal da propriedade, de 12 hectares. As árvores também são plantadas em meio à área produtiva, sendo intercalada uma rua de árvores a cada 11 ruas de cafezal. “As espécies são escolhidas a dedo, para atrair maior biodiversidade de insetos, melhorar o microclima e fornecer no máximo 30% de sombreamento”, relata o cafeicultor. Funcionam também como quebra-vento.

Urtado, além disso, é adepto da agricultura digital. Na fazenda, possui estação meteorológica, sensores de solo para monitorar umidade, sensoriamento para análise preditiva de ferrugem do cafezal, software para manejo da irrigação, além de toda a gestão automatizada. 

Com o manejo conservacionista, o produtor viu a produtividade da fazenda saltar de 20 sacas de 60 quilos de café por hectare em 2016, quando assumiu a propriedade, para a média de 54 sacas por hectare na última safra, 2021/22, em 40 hectares de lavouras. O custo total de produção diminuiu aproximadamente 20% após a transição completa do sistema para o modo mais sustentável, alcançado pela primeira vez na safra 2021/22, que está sendo colhida.

Agricultura de baixo carbono

Por todas as práticas conservacionistas, a produção da Fazenda Três Meninas é considerada como agricultura de baixo carbono, classificação que não fica somente no conceito. Um estudo realizado pelo Imaflora no início de 2021, a pedido da Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado de Monte Carmelo (Monteceer) para quantificar o balanço líquido de dióxido de carbono dos cafezais da região, mostrou que a propriedade tem balanço negativo de carbono de 5,47 toneladas negativas de CO2 por hectare ao ano ou negativo em 0,16 por saca, ou seja, o cafezal mais sequestra do que emite gás carbônico. 

Uma nova aferição foi realizada pelo Imaflora neste ano e o resultado deve ser conhecido em breve. O produtor estima que, hoje, o seu saldo negativo deva ser ainda maior. Isso porque, desde janeiro do ano passado, não utiliza mais insumos agrícolas químicos. Na época do estudo, o produtor aplicava, embora em quantidade pequena, fertilizantes organominerais e defensivos nas plantações.

Práticas sustentáveis agregam valor ao produto

Hoje, Urtado possui a produção certificada pelos selos Den Origin, Orgânico do Brasil e Rainforest Alliance, que identifica o café cultivado em propriedades que seguem rigorosos padrões sociais e ambientais. Além desses, conta com chancelas de compradores, como os selos Nespresso AAA de Qualidade Sustentável e C.A.F.E. Practices, da Starbucks. Ele estima que 80% da sua produção, ou por volta de 2,1 mil sacas por ano-safra, seja exportada. 

As chancelas de um produto sustentável e de qualidade proporcionam ao café de Urtado preços mais altos. O produtor calcula que receba entre R$ 550 e R$ 700 a mais pela saca de 60 kg de café especial orgânico, o chamado prêmio pago pelos grãos diferenciados.

Este conteúdo foi útil para você?

195180cookie-checkCafezal do cerrado de Minas prima pela conservação