A China quer ser mais sustentável

5 de outubro de 2022 5 mins. de leitura
PLANO QUINQUENAL 2021/25 APROVADO PELO GIGANTE ASIÁTICO É INCISIVO NAS QUESTÕES AMBIENTAIS, QUE DEVEM SE REFLETIR TANTO INTERNA QUANTO EXTERNAMENTE, E NO AGRO BRASILEIRO

A China vai focar cada vez mais o tema sustentabilidade e exigir, tanto interna quanto externamente, uma produção que respeite o meio ambiente e garanta a neutralidade em carbono. Especialistas entrevistados pelo Estadão avisam que essas exigências – já constantes no Plano Quinquenal 2021-2025 do gigante asiático, lançado no ano passado – vão, mais cedo ou mais tarde, reverberar no agronegócio brasileiro, que tem os chineses como principais parceiros comerciais. 

Para a especialista em China e sócia da Vallya Agro, Larissa Waccholz, mesmo que o setor produtivo ainda não sinta uma cobrança mais enfática do país nesse sentido, “as coisas mudam muito rápido por lá” e, assim, de uma hora para outra, as exigências podem chegar. “As preocupações dos chineses, hoje, estão relacionadas mais com resíduos químicos tóxicos, poluição ambiental e segurança alimentar, como contaminação de alimentos”, diz Waccholz. “A população ainda não está tão enfaticamente voltada às grandes questões energéticas e neutralidade de carbono.”

Mas isso não deve demorar a acontecer, porque, com a orientação governamental inserida no novo Plano Quinquenal, “o país inteiro estará comprometido na pauta de redução de carbono”, diz Waccholz. “O plano reverbera nos mais diversos setores do país e nos planos provinciais”, explica. “E, quando você começa a sair do macro para o micro e a colocar essa ideia na cabeça das pessoas, elas começam a se preocupar e a exigir sustentabilidade.”

51,8%
da carne bovina exportada pelo Brasil de janeiro a agosto foi adquirida pela China

FONTE: SECEX

38,1%
dos embarques externos de carne suína do Brasil até agosto foram para a China

FONTE: SECEX

Mudança de rumo

Para o sócio-diretor da consultoria Agroicone, Rodrigo Lima, episódios de contaminação alimentar na China há alguns anos fizeram com que o país mudasse seus padrões sanitários. E, mais recentemente, a grave crise de peste suína africana (PSA), que dizimou o plantel de suínos e obrigou a uma guinada no sistema de produção – saindo das criações de “fundo de quintal” para granjas industriais e sanitariamente mais seguras –, também deve se refletir em novos padrões ambientais. “O imenso salto que a China deu em relação ao padrão produtivo de carne suína deve modificar a cultura interna em relação a como se produz, inclusive nos impactos ambientais”, comenta Lima. “E, a partir do momento em que essas exigências internas se intensificam, a China, naturalmente, vai cobrar sustentabilidade de quem vende pra ela.” 

O diretor da Agroicone destaca, sobre o Plano Quinquenal, que ele vê a China “com o objetivo de acelerar a produção e o desenvolvimento verde e de baixo carbono”. E esse desenvolvimento deve respeitar a redução dos gases do efeito estufa e o restauro da vegetação nativa. Lima lembra, ainda, que, no ano passado, na Conferência do Clima em Glasgow, Escócia, o gigante asiático assinou uma declaração conjunta com os Estados Unidos, no sentido de combater os efeitos das mudanças climáticas. “Eles falam, por exemplo, que não vão aceitar comprar produtos que tenham origem em desmatamento ilegal.” Então, para Lima, seria “simplista” deduzir que a China “não está nem aí para o desmatamento”. 

A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que representa o setor processador e exportador de soja, diz que “ainda não há exigências explícitas da China sobre desmatamento zero”, mas ela quer saber a origem dos produtos que adquire, por meio da rastreabilidade, por causa da segurança alimentar.  A Abiove destaca que a China trata o tema da sustentabilidade “como um processo e não uma ruptura, como faz a União Europeia”. Segundo a entidade, “dada a grande relevância da China como importador de commodities agrícolas, ela procura adotar medidas que não interrompam o fluxo de produtos”. Ou seja, “a China não quer gerar qualquer risco para a segurança alimentar interna e, assim, manter o fluxo de importações é uma prioridade”.  De todo modo, a Abiove faz questão de citar políticas de sustentabilidade da entidade, como compromissos auditados de não comercializar soja produzida em propriedades com áreas desmatadas na Amazônia, entre outros. 

Para Larissa Waccholz, mesmo que a soja exportada à China não seja um produto de visibilidade direta para o consumidor, o agro brasileiro deve ficar atento às mudanças de comportamento. “O consumidor chinês deve começar a demonstrar interesse por produtos zero carbono ou carbono neutro, produzidos dentro da China, principalmente”, diz. “E, mais cedo ou mais tarde, buscará sustentabilidade também em produtos que vêm de fora.”

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