Entenda a polêmica sobre os agrotóxicos
A questão do agrotóxico veio à tona em junho do ano passado, quando a Câmara dos Deputados aprovou o texto do projeto de lei 6.299/02, a chamada “nova lei dos agrotóxicos”, que agora precisa do aval do Senado. Criado em 2002 pelo então senador Blairo Maggi (PPS-MT), o pacote, na opinião dos representantes do agronegócio, visa a modernizar a legislação sobre o tema no País, que data de 1989. A interpretação de parte da sociedade, no entanto, é que a proposta quer flexibilizar a lei.
Recentemente, a temática voltou a repercutir por causa da quantidade de agrotóxicos liberados – foram 262 novos registros de janeiro até 22 de julho, contra 234 no mesmo período de 2018. A liberação de novos produtos não foi uma decisão política do governo de Jair Bolsonaro, segundo Carlos Ramos Venâncio, coordenador geral de agrotóxicos e afins do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
“A maioria deu entrada no Mapa nos anos de 2013 e 2014”, explica. Nada mudou em termos de legislação – a lei de agrotóxicos vigente (7.802), inclusive, não permite que um produto de toxicidade maior que os existentes no mercado seja registrado.
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O que aconteceu é que uma força-tarefa, que começou no governo de Michel Temer, agiu para reduzir o número de produtos à espera de aprovação. “Nos últimos dois anos, foram implementadas diversas medidas para desburocratizar esse processo e fazer a fila andar mais rápido”, afirma a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (leia a entrevista na íntegra).
As medidas deram celeridade ao processo de aprovação, que chega a demorar dez anos – na Europa e nos Estados Unidos, o prazo máximo é de três anos. Os questionamentos gerados após a aprovação levaram a ministra a convocar um café com jornalistas para esclarecer as dúvidas.
Dados da FAO, de 2016, apontam que o Brasil usa 4,31 quilos de agrotóxico por hectare, o que o coloca na 44ª posição no ranking de consumo do produto
Tereza Cristina questionou fontes que apontam o Brasil como o maior consumidor de agrotóxico. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura (FAO, na sigla em inglês) de 2016, o Brasil utiliza 4,31 quilos de agrotóxico por hectare, o que o coloca na 44ª posição no ranking de consumo de agrotóxico, atrás de países como Bélgica (6,89 kg/ha) e Portugal (5,63 kg/ha).
O novo marco regulatório dos agrotóxicos, aprovado em julho deste ano pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), colocou mais lenha na fogueira. A agência passou a adotar padrões do Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos (Globally Harmonized System of Classification and Labelling of Chemicals – GHS), uma regulação internacional adotada por 53 países da União Europeia e da Ásia.
Com a mudança, aumenta o número de categorias para classificação toxicológica dos agrotóxicos. Antes, havia quatro: extremamente tóxico, altamente tóxico, moderadamente tóxico e pouco tóxico. Foram acrescentadas mais duas improvável de causar dano agudo e não classificado para produtos com baixíssimo potencial de dano. Os críticos argumentam que a nova metodologia diminuirá os produtos classificadoscomo extremamente tóxicos.
Pesquisadores se dividem
Para o engenheiro agrônomo e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Caio Carbonari, os agroquímicos são ferramentas fundamentais para alimentar uma população mundial em crescimento. “Os pesticidas evitam perdas pelo ataque de pragas e doenças ou pela competição de plantas daninhas, que reduzem a produtividade. Perder essa eficiência é um retrocesso em todos os aspectos, inclusive ambiental, pois cria a demanda por uma maior expansão de áreas agrícolas”, diz.
Para o vice-presidente da regional sul da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, é possível aumentar a produção de alimentos para suprir a demanda mundial com alternativas, como a agroecologia. “A adoção de outras medidas, no entanto, claramente não interessa às transnacionais que controlam esse mercado”, afirma.
“Se a tecnologia [dos agrotóxicos] fosse insegura, os países de primeiro mundo não estariam usando”, diz o médico toxicologista Ângelo Trapé
Uma pesquisa divulgada recentemente pelo Instituto Butantã, conduzida por Mônica Lopes-Ferreira, doutora em Imunologia, analisou o efeito em peixes dos dez agrotóxicos mais consumidos no Brasil. A conclusão foi de que não existe dose segura, ou seja, quantidade mínima totalmente não letal.
Já o médico toxicologista Ângelo Trapé, docente aposentado da Unicamp, que trabalhou com avaliação de agricultores com exposição a agrotóxico, discorda da metodologia usada na pesquisa. “Se a tecnologia fosse insegura, os países de primeiro mundo não estariam usando”, afirma.
O agro não nega a existência de problemas no âmbito dos agrotóxicos. No entanto, de acordo com as autoridades do setor, eles não estão relacionados ao processo de liberação dos registros nem à classificação, mas a falhas pontuais na aplicação.
Há produtores que desrespeitam as regras: um produto que é para ser usado no solo, às vezes, é aplicado por pulverizador costal ou via aérea sem respeitar a velocidade do vento, o que pode causar deriva e problemas ambientais.
Outra constatação é de que muitos agricultores não usam os equipamentos de proteção individual (EPIs), essenciais para evitar que eles se contaminem. “Intoxicação do aplicador, resíduos em alimentos e eventuais efeitos ambientais colaterais são frutos do mau uso, que corrigimos com educação e treinamento”, diz José Otávio Menten, professor da Esalq (USP– Piracicaba) e presidente do Conselho CientíficoAgro Sustentável (CCAS).