Soja vira aliada na renovação de canaviais

27 de abril de 2021 10 mins. de leitura
Parceria entre a cooperativa Cocamar, do Paraná, e usinas do oeste paulista permite expandir plantio do grão e melhorar a terra para a cana

‘GANHA-GANHA’

A soja acabou de ser colhida em meados de abril e, no seu lugar, em vez do tradicional milho de inverno, vai entrar a cana-de-açúcar, a partir de maio. O terreno já foi preparado anteriormente, com calagem, adubação adequada e, ainda por cima, a soja deu um “reforço” à nutrição da gramínea, garantindo mais nitrogênio no solo. Essa alternância entre soja e cana na mesma área tem sido observada de duas safras para cá, em canaviais do oeste de São Paulo, e os envolvidos já se preparam para uma terceira rodada. 

Ali, uma parceria entre a cooperativa paranaense Cocamar, de Maringá, e a Usina Cocal, de Paraguaçu Paulista, tem permitido que agricultores cooperados ampliem o plantio de soja nas terras da indústria sucroalcooleira, em áreas de renovação de canaviais.

De todos os lados que se olhe há vantagens para os envolvidos. Tanto para a Cocamar e seus cooperados quanto para a Cocal. A empresa de açúcar e etanol, que cultiva 125 mil hectares de cana-de-açúcar na região, deve, por exigência agronômica, renovar por ano cerca de 20% desses plantios, já que, após a média de cinco cortes, a planta perde a capacidade de rebrotar e garantir a mesma produtividade e tem de ser substituída por uma nova. Se anteriormente a Cocal utilizava, para revigorar essas áreas, predominantemente milheto e crotalária, passou agora a receber a soja em parte das lavouras, com a recente parceria com a Cocamar. 

Havia a oportunidade de levar a soja para o oeste paulista, como meio de melhorar as terras para a cana e, ao mesmo tempo, produzir mais soja – Marco Antônio de Paula

Marco Antônio de Paula, gerente de Negóciosda Cocamar

O grão entra, assim, na área em que a cana velha foi retirada. Após a soja cumprir seu ciclo, que dura em média 4 meses, é colhida e, em seguida, o mesmo local volta a receber mudas de cana, formando uma parcela de canavial renovado e, por isso, mais produtivo para a Cocal, que processa, em duas unidades industriais, em Paraguaçu Paulista e em Narandiba, 8,7 milhões de toneladas por safra. 

Para os produtores cooperados, a principal vantagem é a possibilidade de expandir seus plantios de soja para áreas próximas, pois no Paraná – onde eles estão sediados – a disponibilidade de terras está cada vez mais restrita. Já para a Cocamar, que adquire a soja dos seus associados, a vantagem é dispor de maior volume do grão para processamento na indústria ou exportação direta, além, é claro, de beneficiar e trazer mais renda aos produtores. Uma vantagem e tanto, tendo em vista os preços recordes que a oleaginosa vem alcançando desde o ano passado e o câmbio favorável aos embarques externos.

O CEO da Usina Cocal, Paulo Zanetti, conta que a ideia de renovar canaviais com soja havia surgido pouco antes da parceria com a Cocamar. “Havia uma opção de nós mesmos plantarmos a soja. A outra era terceirizar esse plantio”, diz ele, acrescentando que, neste processo, coincidentemente, surgiu o interesse da Cocamar de aderir à empreitada. “Temos muita amizade com a Cocamar e com o seu presidente, o Luiz Lourenço, e ele me disse que a cooperativa estaria investindo em entrepostos e estruturas de recebimento de soja no oeste paulista”, diz. “Quando ele nos comentou isso, pensamos que seria uma boa oportunidade para nós trabalharmos juntos, com produtores de soja vindo plantar nas áreas de canavial que a gente tinha de renovar.”

Para Zanetti, como se trata de uma grande área a ser renovada, em torno de 18 mil a 20 mil hectares/ano, foi uma vantagem ter à frente da parceria uma cooperativa do porte da Cocamar. “É a cooperativa que se responsabiliza pelos produtores; a gente trata dos contratos diretamente com a Cocamar, não com os produtores, e isso para nós é uma tranquilidade, pois toda a responsabilidade contratual, além do pacote tecnológico necessário para o plantio de soja e cuidados com a terra, é da Cocamar.”

“É um ganha-ganha em que todas as partes envolvidas saem satisfeitas”, confirma o gerente de Negócios da Cocamar e coordenador do Programa de Renovação Sustentável, o engenheiro agrônomo Marco Antônio de Paula. Ele comenta que uma das dificuldades para os produtores de soja da Cocamar, que fica no norte do Paraná, era expandir as áreas de lavoura. “Percebemos, então, que havia a oportunidade de levar a soja para o oeste paulista, em sistema de rotação com a cana, como meio de melhorar as terras para a cana e, ao mesmo tempo, produzir mais soja.” A cana sai beneficiada, observa o agrônomo, porque a soja disponibiliza mais nitrogênio no solo e serve para “quebrar” o ciclo de pragas e doenças da cana, ao se alternarem, na mesma área, plantas de classes diferentes – uma gramínea e uma leguminosa. “A gente entrega uma área melhor para a volta da cana”, garante.

A parceria começou na safra 2019/20, como um programa piloto. Na ocasião, cerca de 20 agricultores cooperados da Cocamar cultivaram 5,2 mil hectares de soja em áreas de renovação de canavial na Cocal. Na safra atual, cem sojicultores da Cocamar ampliaram a área para 25 mil hectares, sendo que, este ano, além da Cocal, também a usina Umoe, de Sandovalina, e a Atvos, em Teodoro Sampaio, aderiram ao programa.  “Nenhum dos participantes do projeto piloto desistiu”, observa De Paula. Para a safra 2021/22, a expectativa do gerente é de que a área continue crescendo. “Estamos conversando com várias usinas, inclusive do Paraná. Quando alguma delas fica em dúvida, convidamos para que venha ver o que está acontecendo no Pontal do Paranapanema (oeste paulista), uma vitrine.” O gerente esclarece: “Não estamos aqui só para arrendar terras, queremos desenvolver um trabalho juntos, que traga benefícios para todos”. 

Zanetti, da Cocal, conta que havia uma preocupação: a de que o manejo da soja, pelos produtores, causasse danos à cana, como um impacto do glifosato (defensivo utilizado para matar plantas daninhas, inclusive gramíneas, na soja) na cana ou um eventual amassamento das mudas com a movimentação de máquinas. “Acompanhamos atentamente e vimos, no projeto piloto, que não aconteceu nada disso. Ou seja, a parceria estava aprovada.” 

O dirigente da Cocal diz não ter ainda, em números, quanto a reforma com soja contribui para elevar a produtividade do canavial, mas afirma estar satisfeito com os resultados até aqui. “A soja reestrutura o solo, quebra o ciclo de pragas e doenças da lavoura e os produtores repõem os nutrientes ao fim da safra. Não temos dúvida, a rotação é um bom negócio.”

Já satisfeito desde o sucesso do projeto piloto, na safra 2019/20, Zanetti conta que a usina resolveu dobrar a área de canavial que seria alternada com soja – 11 mil hectares em 2020/21. Agora, embora a usina tenha de renovar por volta de 20 mil hectares por ano, Zanetti diz não ser possível que seja 100% com soja, por causa do ciclo vegetativo tanto da oleaginosa quanto da cana. “Em parte da área continuaremos a plantar crotalária e milheto”, diz Zanetti. Ele lembra que, com a soja, tem um lucro extra, já que arrenda as terras para a Cocamar. “Temos um contrato de três anos.”

Satisfeitos, produtores cooperados dobram suas apostas

Aposta garantida é a expressão que define o investimento que produtores de soja do norte do Paraná, cooperados da Cocamar, fizeram ao topar plantar a leguminosa em áreas de renovação de canaviais no oeste paulista. Além de conseguirem, finalmente, mais área para ampliar a lavoura, recebem uma terra previamente limpa e preparada pela usina e, ainda por cima, a Cocamar providencia o seguro rural, em caso de alguma adversidade climática. A empolgação foi tanta que o sojicultor Wilson Antonio Palaro, associado da Cocamar e com lavouras em Floresta (PR), mais do que dobrou sua produção na atual safra, apenas participando do Projeto Renovação Sustentável, da Cocamar. 

“Em Floresta eu planto 170 hectares de soja”, conta Palaro. “Na safra 2019/20, primeiro ano do projeto, topei plantar 288 hectares em Iepê (SP)”, continua. A experiência foi tão bem-sucedida que, na safra atual, acabou de colher 408 hectares no município paulista de Pirapozinho, todos no oeste do Estado. Sem dispensar, obviamente, os 170 hectares originais, do Paraná. “Se o projeto da Cocamar continuar, eu vou continuar”, garante ele, que já projeta ampliar a área para pelo menos 700 hectares de soja em terras paulistas. “Aqui no Paraná a gente não encontra mais terra para expandir o plantio”, diz. “Aí surgiu a oportunidade de crescer em São Paulo”, continua. “Além de colhermos bem, o preço foi muito bom nessas duas safras. E tem a garantia do seguro rural.”

Outro produtor paranaense, Fabiano Rossi, que cultiva soja em Primeiro de Maio e Sertanópolis, ambos municípios do norte do Estado, lembra que, por ali, não só comprar terra, como arrendar, é muito difícil. Ainda mais com os preços recordes que a soja alcançou nesta e na safra anterior. “Quando consegue arrendar (alugar a terra para plantar), o valor do arrendamento é muito alto”, diz. Por isso, quando a Cocamar propôs que ele ampliasse o plantio em áreas de usina de cana no Estado vizinho, topou na hora. “A família vai crescendo, os gastos aumentando… Precisávamos encontrar um meio de aumentar nossa renda”, argumenta. No Paraná, ele cultiva o equivalente a 130 hectares de soja nos dois municípios. Nas terras arrendadas pela Cocamar na Usina Cocal, cultivou cerca de 300 hectares em 2019/20. “Para minha surpresa, produzimos mais ali por hectare do que na terra roxa do Paraná”, diz. “Acho que pelo fato de a terra nunca ter recebido soja e, por isso, não haver tantas doenças de solo, ajudou”, avalia. “Além disso, antes de a gente entrar com a soja, a usina faz uma adubação e correção da terra muito boas.”

Para a safra 2020/21, cuja colheita acabou de se encerrar, Rossi mais que dobrou a aposta em terras paulistas, cultivando quase 700 hectares em áreas de renovação de canaviais, juntamente com seu pai, Santo Rossi, e seu irmão João Paulo Rossi. “No início, estávamos apreensivos, sem saber como a soja iria se comportar em área de cana, mas foi tudo bem e resolvemos ampliar nesta safra.” Além, reforça Rossi, da “segurança que dá a Cocamar, tanto em assistência técnica quanto no seguro rural”. “Esperamos que a usina continue gostando do projeto para que a gente possa continuar lá.”

Como funciona

  • A colheita da cana ocorre entre abril e novembro em São Paulo
  • Após a colheita, a cana velha e improdutiva é erradicada (na proporção de cerca de 20% da área de canaviais)
  • A usina prepara a área com calagem e adubação
  • A soja é semeada neste local por volta de outubro/novembro
  • A colheita da soja ocorre a partir de janeiro/fevereiro e se encerra entre março/abril
  • Após a colheita, a soja deixa como “legado” uma rica adubação nitrogenada e sua palhada, que também serve como adubo orgânico e proteção do solo
  • O plantio da cana nova é refeito nesta área recuperada, com a vantagem de se ter “quebrado” o ciclo de pragas e doenças encontradas em canaviais
  • Na safra seguinte, outra área do canavial é renovada sob o mesmo sistema, em rotação com a soja

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