Projeto da Embrapa promete neutralizar emissões do gado

16 de novembro de 2020 5 mins. de leitura
Iniciativa derruba a tese de que pecuária é vilã ambiental ao criar uma plataforma de baixo carbono certificada para mostrar que o setor pode ser sustentável

Assimetria informacional. Esse é o nome que a ciência dá para a desconexão entre aquilo que ocorre e as informações que chegam ao consumidor. Quando o assunto é pecuária de corte, o setor costuma ser apontado como o grande vilão das mudanças climáticas globais por causa, entre outros fatores, da emissão de metano por parte dos rebanhos. É neste contexto que a iniciativa da Embrapa se encaixa. A Carne Carbono Neutro (CCN), marca-conceito da estatal, procura mudar essa imagem negativa sempre atrelada ao setor. “Quando propusemos a Plataforma Pecuária de Baixo Carbono Certificada, queríamos dar uma resposta de que, sim, o Brasil tem o sistema de produção pecuário mais sustentável no mundo”, diz Fabiana Villa Alves, pesquisadora da Embrapa Gado de Corte e coordenadora do projeto.

A marca CCN, uma das que integram a plataforma, começou a ser idealizada há oito anos, quando Fabiana e Roberto Giolo de Almeida, também pesquisador da Embrapa, participaram de um congresso na Colômbia sobre sistemas silvipastoris (pecuária e floresta) e agrossilvipastoris (lavoura, pecuária e floresta). No evento, o exemplo de como alguns países estavam conseguindo reduzir as emissões de gases de efeito estufa, caso da Costa Rica, chamou a atenção dos pesquisadores.

Na prática, a marca CCN, embasada por um processo de certificação, obriga o pecuarista a seguir uma série de protocolos. O gado, por exemplo, precisa ser proveniente de sistemas de integração pecuária-floresta ou lavoura-pecuária-floresta. São formas de produção que contribuem para uma maior fertilidade do solo e para o bem-estar animal. Os rebanhos, devido à presença de árvores que sombreiam a pastagem, dispõem de um maior conforto térmico, por exemplo. Todo esse processo tem como resultado uma carne mais macia, sustentável e de melhor qualidade na gôndola.

O anúncio oficial da marca Carne Carbono Neutro (CCN) ocorreu no fim de agosto, após quase uma década de trabalho e de pesquisas realizadas por um grupo de 80 cientistas, sob a coordenação de Fabiana. O frigorífico Marfrig terá exclusividade do uso da marca até 2030 e está vendendo a nova linha de produto em dez lojas do Grupo Pão de Açúcar (GPA). O sucesso da marca CCN depende da organização de toda uma cadeia. A Embrapa fez parcerias com produtores rurais para montar unidades experimentais em suas fazendas e, por não ter abatedouros, saiu à procura de frigoríficos. O único a apostar na iniciativa foi o Marfrig.

O grupo investiu R$ 10 milhões no projeto que serão destinados a pesquisa, certificação da propriedade e pagamentos de royalties pela licença de uso da marca. “O que nos levou a investir nesse projeto foi a possibilidade de fomentar a adoção de uma pecuária de baixo carbono, reforçando assim o nosso pilar estratégico da sustentabilidade. Dessa forma podemos levar ao consumidor uma carne de qualidade, que apresenta o atributo da redução de emissão de gases de efeito estufa”, diz Paulo Pianez, diretor de Sustentabilidade e Comunicação do Marfrig.

R$ 10 milhões foi a quantidade aportada pelo Marfrig para o desenvolvimento da Carne Carbono Neutro

Pecuária Plus mitiga efeito climático do metano

O primeiro lote de Carne Carbono Neutro (CCN) foi proveniente de 150 cabeças de gado da Fazenda Santa Vergínia, que fica em Santa Rita do Pardo (MS). A propriedade tem mais de 7 mil hectares destinados à integração pecuária-floresta, sistema que – quando bem manejado – zera as emissões de metano da produção pecuária. “Eu brinco que é plus porque neutraliza a emissão e ainda sobra um pouco de crédito”, diz Fabiana.

Para se enquadrar como produtor de CCN, o pecuarista precisa seguir uma série de diretrizes da Embrapa. Mas o componente-chave para zerar as emissões de carbono na produção de carne é a presença de árvores no meio do pasto. “Nós nos cercamos de algo crível, que não tivesse como ser contestado. Seguimos as metodologias da UNCC [United Nation Climate Change], onde está o IPCC, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. Pelos órgãos internacionais, só há mitigação quando há crescimento [de plantas]”, explica Fabiana.

Pelas regras atuais, o pecuarista não pode colocar no cálculo do carbono que ele neutraliza a reserva legal da propriedade, área de vegetação nativa obrigatória segundo o Código Florestal. O carbono é capturado quando a árvore cresce e faz fotossíntese. “Se a árvore está em crescimento, ela está fixando carbono. Se a árvore está estabelecida, como na maioria das vezes ocorre nas áreas de reserva legal, ali não há a fixação”, explica a pesquisadora.

O selo CCN é uma resposta àqueles que dizem que a pecuária brasileira é a grande vilã ambiental, segundo a lógica da Embrapa. Os estudos da instituição mostraram que cerca de 200 árvores por hectare seriam suficientes para neutralizar o metano emitido por 11 bovinos adultos por hectare/ano. A marca tem tudo para impulsionar as exportações, segundo os pesquisadores, principalmente para os mercados exigentes, como o europeu. “No Brasil, temos 12,5 milhões de hectares [números de 2016] de áreas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta passíveis de serem certificadas. Só em Mato Grosso do Sul, são 2,8 milhões de hectares”, diz Fabiana. A Embrapa credenciou sete certificadoras para o projeto. O produtor responsável pela criação do gado certificado recebe um diferencial pela arroba.

No início do ano que vem, um novo projeto deve chegar ao mercado. Embrapa e Marfrig vão lançar a marca Carne Baixo Carbono (CBC). É um produto proveniente de gado criado em pastagens bem manejadas.

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