ONG se torna empresa para medir a sustentabilidade

27 de abril de 2021 7 mins. de leitura
Produzindo Certo investiu em plataforma para quantificar os índices socioambientais e ajudar a construir uma cadeia sustentável

Vinicius Galera

Se há algum tempo produtores rurais não eram obrigados a demonstrar ações socioambientais, hoje as boas práticas e a quantificação de dados podem ser determinantes para a eficiência produtiva e a sustentabilidade financeira dos negócios no campo. A régua da sustentabilidade está subindo. E o novo patamar exige mobilização de todos os atores da cadeia do agronegócio.

Por isso a coleta, o processamento e a interpretação de dados são fundamentais em um mercado em movimento. “As propriedades rurais estão passando por uma transformação empresarial. Em algum momento o produtor terá que demonstrar alguma coisa”, diz o engenheiro ambiental Charton Locks. Ele é um dos sócios e fundadores da Produzindo Certo, empresa que trabalha para ajudar produtores rurais e empresas a melhorar seus índices socioambientais.

O trabalho começou como uma ONG destinada à assistência técnica em sustentabilidade para propriedades rurais, denominada Aliança da Terra. Ela ainda existe e atua principalmente no combate a incêndios florestais. Mas, recentemente, a assistência precisou dar um salto tecnológico com grande investimento em uma plataforma digital. Assim, a Produzindo Certo foi criada como um spin­off da ONG em 2019.

“Basicamente atuamos no apoio à construção de uma cadeia sustentável”, diz Locks. A Produzindo Certo tem como clientes grandes do agro como tradings, empresas de varejo ou indústrias de alimentos que desejam melhorar a sustentabilidade de seus fornecedores. Grupos como Bayer, Unilever, ADM e GPA estão entre os usuários do sistema.

Normalmente, essas empresas já têm redes de parceiros estabelecidas, mas não conhecem o grau de sustentabilidade das fazendas e precisam conhecer melhor suas redes de fornecedores. O trabalho da Produzindo Certo é entrar nas propriedades e identificar os gargalos enfrentados pelo produtor.

Para isso, técnicos em sustentabilidade são enviados para cada fazenda fornecedora. A partir de um check-list, é feita uma coleta de dados e a avaliação socioambiental. Depois as informações são compiladas juntamente com avaliações por satélite e são identificados os ativos e os passivos das fazendas. Ao fim de tudo, é atribuída uma pontuação socioambiental que vai de 0 a 100.

Quem paga a conta são as empresas. O produtor não tem custo nenhum pela avaliação. Com os dados e um diagnóstico, é estabelecido um plano de ação para tornar o negócio mais rentável e eficiente. Tudo é feito tendo como regra a transparência.

“Nós só entramos no negócio se o produtor estiver ganhando”, diz Locks.

Desse modo, a Produzindo Certo criou uma rede de produtores verificada. Hoje são mais de 1.600 fazendas e mais de 6 milhões de hectares cobertos e vistoriados. O círculo virtuoso ajuda o produtor e as empresas.

A plataforma com os dados está disponível para os técnicos da Produzindo Certo e para as empresas contratadas, mas Locks diz que espera também empoderar os produtores. “Nós já estamos trabalhando num módulo produtor rural, que deve estar disponível ainda este ano. Será um lugar onde ele encontrará um conjunto de informações que o ajudarão a tomar decisões e facilitarão sua vida como ao pegar crédito no banco, por exemplo.”

Parceira da ONG desde 2009, a trading ADM foi uma das primeiras parceiras da Produzindo Certo. O líder de sustentabilidade para a América Latina, Diego Di Martino, ressalta que uma das vantagens da parceria é que a empresa brasileira tem um perfil muito alinhado com o produtor. “Eles falam a língua do produtor. Eles têm essa facilidade de comunicação.”

Segundo Diego, nem sempre o produtor tem condições técnicas ou está disposto a falar com franqueza sobre a situação de sua fazenda. “Às vezes você precisa estabelecer laços de confiança”, diz. “Desde a nossa aproximação inicial, percebemos que a Produzindo Certo tem a preocupação de trazer conhecimento que, sozinhos, os produtores talvez não tivessem.”

A trading, que tem uma carteira com cerca de 500 fornecedores, não consegue oferecer o serviço a todos os produtores. Por isso fazem o diagnóstico por região escolhida. “Nós convidamos pessoas que queiram participar do programa. A adesão sempre é voluntária.”

Martino ressalta que o trabalho de avaliação está totalmente alinhado com a mudança no perfil dos produtores, mais propensos a se abrir para práticas sustentáveis. “Hoje é possível vermos enormes mudanças relacionadas às novas gerações. Os filhos saem para estudar fora e voltam com a cabeça totalmente diferente, o que ‘contamina’ os pais”, diz.

Finanças verdes

A Produzindo Certo também está de olho nos “green bonds” ou títulos verdes, como é chamada a busca por linhas de custeio associadas à sustentabilidade. Locks explica que o financiamento de negócios nas fazendas pelo capital financeiro é uma mudança que vai ocorrer nos próximos anos.

“Nós começamos a procurar o mercado de capital para financiar o agro no Brasil”, diz o empresário. Em fevereiro, juntamente com a Traive, uma agrofintech voltada para a análise de risco no agro, e a Gaia Securitizadora, a empresa emitiu um título CRA (Crédito de Recebíveis do Agronegócio) de R$ 63 milhões. O valor foi aportado para 14 fazendas de Mato Grosso e Goiás.

A iniciativa, pulverizada entre sete produtores, é praticamente inédita. Normalmente, um CRA é lançado para beneficiar empresas. “Estamos falando de produtores de diferentes tamanhos que tocam negócios separados”, diz Locks. De acordo com o executivo, além do dinheiro, o recurso permite ao produtor se tornar um grande empresário.

Locks explica que o investimento no agro tem uma dificuldade histórica devido aos riscos do negócio, propriamente, ao risco ambiental e, principalmente, ao risco climático.

Como os produtores brasileiros dispõem de maquinário e insumos caros, o valor das operações tende a ser muito grande, o que, em muitos casos, inviabiliza o crédito.

Para ilustrar a dificuldade, ele diz que há seis anos a empresa busca um financiamento desse tipo. O pulo do gato, desta vez, foi envolver o seguro no financiamento, o que permitiu encontrar o investidor externo com maior facilidade. “Fomos direto buscar dinheiro no mercado internacional.” A Produzindo Certo já tem na mira uma nova operação, que deve sair até o meio do ano.

‘Sempre quis fazer as coisas de modo correto’

"A ideia é continuar produzindo cada vez mais e corretamente."
“A ideia é continuar produzindo cada vez mais e corretamente.”

O produtor Jorge Schinoca, da cidade de Jaciara, em Mato Grosso, é um dos beneficiados pela experiência da Produzindo Certo. Ele produz grãos e cria gado no sistema de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF).

Fornecedor da JBS e da Marfrig, Schinoca tem um rebanho com cerca de 5 mil animais certificados e espera certificar a fazenda no próximo ano. “Eu sempre busquei esse tipo de parceria, sempre quis fazer as coisas de modo correto e estava procurando uma certificadora.”

Na primeira avaliação, foi constatado que 84% da produção da fazenda estava correta. Hoje, depois do diagnóstico e do plano de ação, o número está acima de 90%.

A principal vantagem da parceria e da produção correta, segundo Schinoca, é a agregação de valor. “Eu sabia que um dia teríamos um valor agregado para aquele que produzia certo. Sempre ganho um pouco a mais que o meu vizinho na venda dos meus produtos”, afirma. Com produção entre 25 e 30 arrobas por hectare ao ano, o pecuarista diz que o boi já deu de goleada na soja. “Esse nicho de mercado exige uma certa postura do pecuarista. Por isso a parceria é importante. Estou bastante satisfeito. A ideia é continuar produzindo cada vez mais e mais corretamente.”

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