Maior risco para soja é incerteza sobre peste suína africana na China

27 de abril de 2021 10 mins. de leitura
Brasil continuará a ser principal exportador e EUA podem buscar soja por aqui, diz consultor

Entrevista com Daniel Hueber, consultor e diretor da Hueber Report, dos EUA.

O maior risco para limitar uma alta dos preços da oleaginosa ou fazer as cotações recuarem é a incerteza sobre a gravidade da peste suína africana na China, avalia o consultor Daniel Hueber, do conhecido relatório The Hueber Report. “Relatórios privados dizem que pode ser tão ruim quanto em 2018-2019”, afirma. “Se isso estiver correto, podemos ver a demanda começar a se contrair na soja, então esse é um fator de risco maior agora do que o clima da primavera nos EUA.” Segundo o consultor, se a doença se alastrar por rebanhos reprodutores, pode afetar a procura pela oleaginosa no curto prazo e no próximo ano.

Na avaliação de Hueber, o Brasil continuará a ser o “fornecedor dominante” de soja, à frente dos EUA, principalmente em consequência do câmbio. Ao contrário do ano passado, quando o País chegou a importar soja americana, neste ano são os EUA que poderão ter de buscar grãos no Brasil diante de estoques apertados. “Podemos nos tornar um cliente mais forte para a soja brasileira este ano do que jamais fomos.”

Hueber diz que relatórios privados alertam sobre gravidade da doença na China.

Qual a perspectiva para os preços internacionais dos grãos? Como esse cenário afeta o Brasil?

Na soja, o Brasil assumirá o controle do mercado de exportação neste momento. A oferta de soja dos Estados Unidos já está bastante comprometida. As vendas norte-americanas estão no limiar das projeções do Departamento de Agricultura dos EUA (Usda). Provavelmente isso nos tira do mercado pelo menos até o outono (do Hemisfério Norte), e o Brasil, ou a América do Sul como um todo, será o fornecedor dominante para o mundo e, mais especificamente, para a China. Provavelmente chegamos a um ponto em que os preços em uma base internacional são justos para a oferta que temos. A menos que a China queira comprar mais soja do que antecipamos, provavelmente já vimos as cotações subirem o máximo que poderiam ter subido. Para o Brasil, tem um fator secundário que é a relação do real contra a moeda norte-americana. O dólar vem subindo no mundo, mas o real parece estar em uma posição de tentar se fortalecer. Se o real se valorizar, isso significaria menor valor para o produtor no Brasil.

Estaríamos perto de uma espécie de teto para a soja?

Sim. O clima dos EUA começará a ganhar destaque, mas provavelmente o maior risco neste momento para impedir os preços de subirem ou vê-los caindo é que não sabemos quão grave está a situação da peste suína africana na China agora. Relatórios privados dizem que pode ser tão ruim quanto foi em 2018-2019, quando eles perderam mais da metade de seu rebanho de suínos. Se isso estiver correto, podemos ver a demanda começar a se contrair na soja, então esse é um fator de risco maior agora do que o clima da primavera nos EUA.

O ressurgimento da doença na China afeta o ritmo de recuperação de rebanhos e reduz a demanda por importação de soja no curto prazo?

Isso afeta não apenas o cenário de curto prazo, mas também o de longo prazo. A China passou o último ano reconstruindo rapidamente seus estoques de suínos, concentrando-os mais em operações pecuárias maiores. Provavelmente há mais biossegurança agora, mas, por causa da concentração, se houver um surto, a doença pode se espalhar rapidamente. O maior desafio para o mercado é obter boas informações. O governo disse muito pouco, e o Rabobank, por exemplo, afirmou que em algumas áreas a taxa de abate ou de mortalidade teria chegado a 20% a 30% no número de porcas. Se a doença estiver impactando as porcas, e eles tiverem que liquidar rebanhos reprodutores, isso vai afetar a demanda pelos próximos seis a nove meses. Se for tão grave, é algo que pode nos afetar para o próximo ano no mercado de soja. Por enquanto, as margens de esmagamento na China ficaram estáveis. Se diminuírem, seria um dos primeiros indicadores de acúmulo de estoques de ração.

Há incentivo para produtores norte-americanos plantarem uma área maior de soja e milho na safra 2021/22 do que o Usda projeta?

O relatório de intenções de plantio de março é uma pesquisa, não o que vai de fato para o solo. Se houver mudanças, geralmente são de redução de área por causa de problemas climáticos quando agricultores entram no campo. Eu esperaria ver um pouco mais de soja entrando em produção, mas não acho que veremos mudança significativa.

Quais os riscos nos próximos meses para a oferta mundial de grãos?

A segunda safra de milho do Brasil está em desenvolvimento, e isso terá grande influência no suprimento mundial. A oferta também dependerá do clima na América do Norte. Acho que 36,8 milhões de hectares ou mais serão plantados nos EUA. Mas, quando você olha para onde o Usda projetou aumento no plantio, é mais em áreas ao norte, não no coração do cinturão de milho, o que pode limitar as chances de rendimentos significativamente maiores. Para a soja, o Usda aumentou os estoques finais mundiais em mais de 3 milhões de toneladas. Parte disso reflete um número maior de safra para o Brasil, mas também acho que eles esperam que a produção mundial permaneça substancial neste ano.

O Brasil se mantém como maior exportador de soja esse ano? E o milho, como você vê o nosso posicionamento no mercado internacional?

No mercado de soja, o Brasil continuará a ser o fornecedor dominante. Mesmo que o real tenha saído das mínimas extremas, ainda está próximo dos níveis mais baixos que já vimos. Com o dinheiro que continuamos injetando na economia nos EUA e uma projeção de crescimento do PIB na faixa de 6% a 6,5%, isso é positivo para o dólar americano. Se o dólar subir, nos deixa em desvantagem competitiva no cenário mundial, principalmente ante as safras sul-americanas. Quanto à situação do milho, a questão é quanta oferta o Brasil terá? No ano passado praticamente esgotou estoques de milho e até olhou para importação. Agora somos nós, os EUA, que talvez tenhamos que importar mais soja do que o normal. O Usda projeta que precisaremos importar cerca de 953 mil toneladas, e esse número pode facilmente dobrar. Podemos nos tornar um cliente mais forte da soja brasileira este ano do que jamais fomos.

O aumento da demanda da China por milho é pontual? O Brasil terá condições de participar desse mercado tanto quanto os Estados Unidos?

Não creio que seja um caso isolado. A China é o segundo maior produtor de milho do mundo, mas, com o aumento do consumo, sabíamos que não conseguiria evitar a importação. Eles ficaram fora do mercado dos EUA por mais de uma década e agora voltaram com força. Para o Brasil capitalizar isso, provavelmente vai precisar avaliar uma forma de expandir a produção. As estimativas para o próximo ano levam a produção do Brasil de soja para 140 milhões de toneladas e de milho para 110 milhões a 115 milhões de toneladas, o que tenderia a indicar que é preciso encontrar mais área plantada e também aumentar a produtividade. A dúvida é de onde essa área virá, a menos que você tire de outras safras como algodão ou trigo.

Esse é um tema polêmico. Falando sobre isso, qual é a tendência para a demanda por soja brasileira em termos de sustentabilidade? Podemos perder participação de mercado com as pressões para parar o desmatamento, mesmo o legal? Como os importadores nos veem em termos de sustentabilidade em relação aos EUA?

A preocupação com a sustentabilidade depende do mercado. Se olharmos para a Europa, provavelmente ficará mais consciente sobre onde os grãos são produzidos. Mas a China, se precisar de soja, vai procurar o melhor mercado e, se ele tiver os intervalos de entrega adequados, vai importá-la. Talvez o maior desafio não seja perder competitividade em relação aos EUA, mas como qualquer país pode expandir a produção? Nos EUA, para produzirmos mais soja ou milho, temos que roubar área de outra safra, algodão, arroz ou trigo, mas o plantio de trigo já está nos menores níveis em pelo menos 50 anos. Então a questão é: os avanços na genética e no melhoramento de plantas podem realmente intensificar esses níveis de produção? É uma incógnita.

Com relação à covid-19, como a pandemia afeta a demanda por alimentos?

Não sei se as pessoas comeram menos durante a pandemia ou só mudaram a alimentação para um local diferente. Nos EUA, temos muito menos pessoas comendo em restaurantes, mas estamos consumindo o mesmo tipo de calorias. Dito isso, haverá uma explosão inicial à medida que superamos a covid. Vamos voltar a sair, gastar um pouco mais, talvez exagerar um pouco, mas isso tende a se estabilizar. Se há alguma coisa que o ano passado nos ensinou é que podemos sobreviver sem certas coisas. 2020 mudou hábitos de consumo que não vão voltar de imediato. Mas, se a economia se recuperar e a renda aumentar, as dietas tendem a ser mais ricas em proteínas animais. Isso exige um uso maior de farelo de soja, de milho.

Depois de exportar grandes volumes em 2020, o Brasil encerrou o ano passado com estoques reduzidos, e os preços locais da soja e do milho atingiram níveis recordes. Há chance de repetição desse cenário na virada de 2021 para 2022?

Se a China continuar como um comprador agressivo, com certeza. Muito da exportação também dependeria de como vai evoluir a segunda safra de milho do Brasil. Eu entendo que 20% desse milho foi plantado fora da janela ideal. Isso não significa necessariamente uma produção menor, mas certamente aumenta o risco.

O Brasil tem condições de atender a exportação de soja e o consumo interno? Você vê a necessidade de o Brasil importar dos EUA ou de outros destinos além do Mercosul em 2021?

Se as projeções atuais de safra, entre 135 milhões e 137 milhões de toneladas de soja, se concretizarem, provavelmente o Brasil não vai precisar importar grande volume.

Há tendência de aumento do plantio no Brasil e na Argentina em 2021/22 de soja e milho?

Sim. O incentivo econômico está dado neste momento. A menos que haja um evento explosivo, que surpreenda todos, o comércio mundial continuará a se expandir. Se as economias globais seguirem melhorando, veremos dietas ricas em proteínas continuando a crescer, então ambos os países têm potencial para aumentar a produção novamente no próximo ano. A situação política está mais “em fluxo” na Argentina, mas o Brasil tem outra eleição em 2022. Não que isso afete necessariamente a produção de milho e soja, mas terá impacto sobre o comportamento da moeda e o quão competitivos vocês se mantêm, o que pode moderar ou desacelerar parte da expansão, mas certamente não vai pará-la.

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