Integração de atividades resulta em fazendas sustentáveis

16 de novembro de 2020 7 mins. de leitura
Sistema traz vantagens nos campos ambiental, econômico e social e pode ajudar nas políticas públicas

Existem vários modelos desenhados há décadas para a integração de atividades de produção na propriedade rural. A sigla ILPF designa a mais completa, que é a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta. Mas há variações, como lavoura-pecuária, pecuária-floresta e lavoura-floresta. Independentemente do modelo, esses sistemas, desde que sejam bem conduzidos, trazem ganhos ambientais, econômicos e sociais, quando comparados à monocultura.

Na parte ambiental, a ILPF traz melhorias para o solo, sobretudo os do Cerrado, que são ácidos e sem o processo da integração precisariam de muito mais adubação e vários tipos de correção para serem produtivos. Na prática, as raízes mais profundas do capim braquiária em relação às do milho e da soja permitem um bom reaproveitamento dos nutrientes, que se perderiam com a lavagem da superfície do solo pela chuva, que na região varia entre 1.200 e 2.000 milímetros por ano. 

“Com a lixiviação, os nutrientes do solo descem abaixo de 25 centímetros [tamanho das raízes do milho e da soja, por exemplo] e se perderiam, se não fosse a braquiária”, explica Flávio Wruck, chefe adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Agrossilvipastoril. A raiz da gramínea, com mais de um metro de profundidade, absorve os nutrientes e os reenvia para a superfície do solo, fazendo o que os pesquisadores chamam de “ciclagem”. 

O reaproveitamento continua com os bovinos, que se alimentam da braquiária e depois defecam disponibilizando novamente os nutrientes no solo para serem usados pela cultura seguinte. Dessa forma, o sistema otimiza o uso dos insumos, reduzindo a aplicação de adubos na área. Isso resulta em economia, uma vez que a maioria dos fertilizantes usados no Brasil é importada. Com isso, o ganho no gado de corte também cresce. Segundo o IBGE, hoje a produtividade média da pecuária é de 4,25 arrobas por hectare ano. Mas nos modelos com ILPF este número dobra. 

Os pilares na ILPF, do ponto de vista técnico, estão cada vez mais bem alicerçados. Do lado econômico, o sistema aumenta a produção e o ganho do produtor na mesma área de cultivo. No viés social, a integração gera mais empregos no campo, além de aumentar a produção de alimentos com menos custos e pressão ambiental. No âmbito ecológico, aproveita melhor os insumos (adubos), aumenta a fertilidade do solo e reduz a demanda por abertura de novas áreas para o plantio. Ou seja, processos que no final vão diminuir as emissões de gases de efeito estufa do País.

Plantio de soja na ILPF
Plantio de soja na ILPF

Uma projeção da Embrapa, com base em dados do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), ilustra bem o efeito “poupa-terra”. “Se 50% das áreas de soja e pecuária de Mato Grosso fossem convertidas em integração lavoura-pecuária, o aumento da produtividade dessas atividades no sistema pouparia 2,5 milhões de hectares”, diz o economista Júlio César dos Reis, pesquisador da Embrapa. Ou seja, seria necessário menos área para produzir a mesma coisa.

“Essas informações sobre impactos ambientais, em conjunto com resultados econômicos dos sistemas de ILPF, podem ser um importante instrumento de política pública do governo brasileiro, alinhado à perspectiva do Big Push Ambiental da Cepal [Comissão Econômica para América Latina e o Caribe] e à Agenda 2030 [da ONU], para promover a adoção de sistemas agrícolas sustentáveis nas regiões do Cerrado e da Amazônia”, diz Reis.

No entanto, a ILPF exige uma profissionalização do produtor rural. O sistema é muito mais complexo do que tocar uma atividade isoladamente e exige do empresário rural uma gestão rigorosa da fazenda. “O produtor ganha mais, mas o investimento é muito alto”, diz Wruck.

Para ajudar neste contexto, a Embrapa, junto com universidades, vem fazendo a transferência de tecnologia e tem trabalhado na capacitação continuada, inserindo a disciplina de ILPF na grade curricular de graduação e pós-graduação e também em cursos lato sensu.

Gestão moderna permite três safras por ano

Por ser um país tropical e não ter um inverno rigoroso, o Brasil consegue colher duas safras por ano, o que é um enorme diferencial. E as vantagens competitivas vão além para os produtores rurais que fazem a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). “Eles verticalizam a produção e podem ter três safras: a safra verão de grãos, a safra de inverno [geralmente milho] e uma terceira, que é quando colocam os animais no resto da palhada do milho consorciada com o capim braquiária”, diz Flávio Wruck, pesquisador da Embrapa. “Se tiverem árvores, produzem 365 dias por ano literalmente”, acrescenta.

De acordo com estimativas da Rede ILPF, uma associação de empresas pública e privadas voltada ao aprimoramento da tecnologia, hoje a área de ILPF no Brasil é algo entre 15 milhões e 17,5 milhões de hectares. “Quando você verticaliza a produção, aumenta a quantidade produzida na mesma área, automaticamente reduz a necessidade de o produtor abrir novas áreas”, explica Wruck. Isso reduz a pressão para supressão de vegetação nativa, tema que tem manchado a reputação brasileira nos mercados internacionais por causa do aumento do desmatamento e do número de focos de queimadas.

O conceito de integrar agricultura com pecuária existe na Europa desde a Idade Média e veio para o Brasil com os imigrantes. Nos anos 1970, entretanto, a Embrapa passou a desenvolver métodos modernos, adaptados à realidade brasileira. Nos anos 1980, o pesquisador João Kluthcousk da Embrapa Arroz e Feijão criou o “Sistema Barreirão”, uma tecnologia de recuperação/renovação de pastagens em consórcio com a cultura de arroz. “Logo outras unidades da Embrapa começaram a usar o princípio com outras espécies, como milho”, afirma Wruck.

Em 2000 foi lançado o “Sistema Santa Fé”, que consorcia o milho com capim braquiária em solos já adubados para depois entrar com o gado. “A integração começou como lavoura-pecuária. O produtor consorciava o milho com a braquiária e, depois da colheita do cereal, entrava com o gado para fazer o pastejo da braquiária e do restolho do milho”, explica o pesquisador da Embrapa.

Os resultados de pesquisa se mostraram muito bons, o que fez a ILPF ganhar força em quase todas as unidades da Embrapa, dando início a um trabalho em rede. “Em meados de 2006, a Embrapa Florestas começou a entrar com o componente florestal na integração”, diz o pesquisador.

Para Paulo Herrmann, presidente da John Deere Brasil, a ILPF dá resiliência ao setor. “Temos uma pistola com três canos. Se porventura tivermos uma frustração de safra, temos uma segunda e uma terceira, a de boi”, diz. Só para se ter uma ideia, os dados do IBGE apontam uma produtividade média na pecuária de corte de 4,25 arrobas por hectare/ano. “Nos modelos de integração é possível dobrar esse valor com muita tranquilidade. Nos experimentos da Embrapa, chegamos a produzir 30 arrobas por hectare/ano”, finaliza Wruck. 

17,5 milhões de hectares é a estimativa da  área de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta no Brasil

Desafios da ILPF

1. Quebra de paradigma 

Agricultor precisa se tornar pecuarista e vice-versa

2. Assistência técnica

Há escassez de profissionais capacitados para instruir o produtor sobre a ILPF. Embrapa e universidades têm trabalhado para resolver esse gargalo

3. Maior exigência

A ILPF aumenta a complexidade técnica e econômica do sistema

4. Customização

Faltam produtos específicos para a ILPF. Por exemplo, gramíneas mais tolerantes ao sombreamento de árvores

5. Profissionalismo

Maior exigência de trabalho e planejamento na propriedade rural. O produtor rural é obrigado a deixar sua zona de conforto

6. Escassez de financiamento

A falta de recursos para investimento é o principal gargalo. Há linhas de crédito, mas os produtores não conseguem acessar por não apresentar garantias.

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