Integração de atividades resulta em fazendas sustentáveis
Existem vários modelos desenhados há décadas para a integração de atividades de produção na propriedade rural. A sigla ILPF designa a mais completa, que é a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta. Mas há variações, como lavoura-pecuária, pecuária-floresta e lavoura-floresta. Independentemente do modelo, esses sistemas, desde que sejam bem conduzidos, trazem ganhos ambientais, econômicos e sociais, quando comparados à monocultura.
Na parte ambiental, a ILPF traz melhorias para o solo, sobretudo os do Cerrado, que são ácidos e sem o processo da integração precisariam de muito mais adubação e vários tipos de correção para serem produtivos. Na prática, as raízes mais profundas do capim braquiária em relação às do milho e da soja permitem um bom reaproveitamento dos nutrientes, que se perderiam com a lavagem da superfície do solo pela chuva, que na região varia entre 1.200 e 2.000 milímetros por ano.
“Com a lixiviação, os nutrientes do solo descem abaixo de 25 centímetros [tamanho das raízes do milho e da soja, por exemplo] e se perderiam, se não fosse a braquiária”, explica Flávio Wruck, chefe adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Agrossilvipastoril. A raiz da gramínea, com mais de um metro de profundidade, absorve os nutrientes e os reenvia para a superfície do solo, fazendo o que os pesquisadores chamam de “ciclagem”.
O reaproveitamento continua com os bovinos, que se alimentam da braquiária e depois defecam disponibilizando novamente os nutrientes no solo para serem usados pela cultura seguinte. Dessa forma, o sistema otimiza o uso dos insumos, reduzindo a aplicação de adubos na área. Isso resulta em economia, uma vez que a maioria dos fertilizantes usados no Brasil é importada. Com isso, o ganho no gado de corte também cresce. Segundo o IBGE, hoje a produtividade média da pecuária é de 4,25 arrobas por hectare ano. Mas nos modelos com ILPF este número dobra.
Os pilares na ILPF, do ponto de vista técnico, estão cada vez mais bem alicerçados. Do lado econômico, o sistema aumenta a produção e o ganho do produtor na mesma área de cultivo. No viés social, a integração gera mais empregos no campo, além de aumentar a produção de alimentos com menos custos e pressão ambiental. No âmbito ecológico, aproveita melhor os insumos (adubos), aumenta a fertilidade do solo e reduz a demanda por abertura de novas áreas para o plantio. Ou seja, processos que no final vão diminuir as emissões de gases de efeito estufa do País.
Uma projeção da Embrapa, com base em dados do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), ilustra bem o efeito “poupa-terra”. “Se 50% das áreas de soja e pecuária de Mato Grosso fossem convertidas em integração lavoura-pecuária, o aumento da produtividade dessas atividades no sistema pouparia 2,5 milhões de hectares”, diz o economista Júlio César dos Reis, pesquisador da Embrapa. Ou seja, seria necessário menos área para produzir a mesma coisa.
“Essas informações sobre impactos ambientais, em conjunto com resultados econômicos dos sistemas de ILPF, podem ser um importante instrumento de política pública do governo brasileiro, alinhado à perspectiva do Big Push Ambiental da Cepal [Comissão Econômica para América Latina e o Caribe] e à Agenda 2030 [da ONU], para promover a adoção de sistemas agrícolas sustentáveis nas regiões do Cerrado e da Amazônia”, diz Reis.
No entanto, a ILPF exige uma profissionalização do produtor rural. O sistema é muito mais complexo do que tocar uma atividade isoladamente e exige do empresário rural uma gestão rigorosa da fazenda. “O produtor ganha mais, mas o investimento é muito alto”, diz Wruck.
Para ajudar neste contexto, a Embrapa, junto com universidades, vem fazendo a transferência de tecnologia e tem trabalhado na capacitação continuada, inserindo a disciplina de ILPF na grade curricular de graduação e pós-graduação e também em cursos lato sensu.
Gestão moderna permite três safras por ano
Por ser um país tropical e não ter um inverno rigoroso, o Brasil consegue colher duas safras por ano, o que é um enorme diferencial. E as vantagens competitivas vão além para os produtores rurais que fazem a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). “Eles verticalizam a produção e podem ter três safras: a safra verão de grãos, a safra de inverno [geralmente milho] e uma terceira, que é quando colocam os animais no resto da palhada do milho consorciada com o capim braquiária”, diz Flávio Wruck, pesquisador da Embrapa. “Se tiverem árvores, produzem 365 dias por ano literalmente”, acrescenta.
De acordo com estimativas da Rede ILPF, uma associação de empresas pública e privadas voltada ao aprimoramento da tecnologia, hoje a área de ILPF no Brasil é algo entre 15 milhões e 17,5 milhões de hectares. “Quando você verticaliza a produção, aumenta a quantidade produzida na mesma área, automaticamente reduz a necessidade de o produtor abrir novas áreas”, explica Wruck. Isso reduz a pressão para supressão de vegetação nativa, tema que tem manchado a reputação brasileira nos mercados internacionais por causa do aumento do desmatamento e do número de focos de queimadas.
O conceito de integrar agricultura com pecuária existe na Europa desde a Idade Média e veio para o Brasil com os imigrantes. Nos anos 1970, entretanto, a Embrapa passou a desenvolver métodos modernos, adaptados à realidade brasileira. Nos anos 1980, o pesquisador João Kluthcousk da Embrapa Arroz e Feijão criou o “Sistema Barreirão”, uma tecnologia de recuperação/renovação de pastagens em consórcio com a cultura de arroz. “Logo outras unidades da Embrapa começaram a usar o princípio com outras espécies, como milho”, afirma Wruck.
Em 2000 foi lançado o “Sistema Santa Fé”, que consorcia o milho com capim braquiária em solos já adubados para depois entrar com o gado. “A integração começou como lavoura-pecuária. O produtor consorciava o milho com a braquiária e, depois da colheita do cereal, entrava com o gado para fazer o pastejo da braquiária e do restolho do milho”, explica o pesquisador da Embrapa.
Os resultados de pesquisa se mostraram muito bons, o que fez a ILPF ganhar força em quase todas as unidades da Embrapa, dando início a um trabalho em rede. “Em meados de 2006, a Embrapa Florestas começou a entrar com o componente florestal na integração”, diz o pesquisador.
Para Paulo Herrmann, presidente da John Deere Brasil, a ILPF dá resiliência ao setor. “Temos uma pistola com três canos. Se porventura tivermos uma frustração de safra, temos uma segunda e uma terceira, a de boi”, diz. Só para se ter uma ideia, os dados do IBGE apontam uma produtividade média na pecuária de corte de 4,25 arrobas por hectare/ano. “Nos modelos de integração é possível dobrar esse valor com muita tranquilidade. Nos experimentos da Embrapa, chegamos a produzir 30 arrobas por hectare/ano”, finaliza Wruck.
17,5 milhões de hectares é a estimativa da área de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta no Brasil
Desafios da ILPF
1. Quebra de paradigma
Agricultor precisa se tornar pecuarista e vice-versa
2. Assistência técnica
Há escassez de profissionais capacitados para instruir o produtor sobre a ILPF. Embrapa e universidades têm trabalhado para resolver esse gargalo
3. Maior exigência
A ILPF aumenta a complexidade técnica e econômica do sistema
4. Customização
Faltam produtos específicos para a ILPF. Por exemplo, gramíneas mais tolerantes ao sombreamento de árvores
5. Profissionalismo
Maior exigência de trabalho e planejamento na propriedade rural. O produtor rural é obrigado a deixar sua zona de conforto
6. Escassez de financiamento
A falta de recursos para investimento é o principal gargalo. Há linhas de crédito, mas os produtores não conseguem acessar por não apresentar garantias.