Futuro do Cerrado passa pela conservação

16 de novembro de 2020 6 mins. de leitura
Em 50 anos, discurso de ‘celeiro do mundo’ ganhou nova roupagem

Nos anos 1970, o Brasil vivia uma ditadura militar e uma das missões na época era reduzir a dependência de outros países no campo alimentar. De importador de comida, a ideia era transformar a Nação, dentro do slogan “ocupar para não entregar”, em um dos celeiros do mundo.

Nesse contexto, de vontade política e investimento em ciência unidos, é que ocorreu a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em 1972. A instituição foi a responsável pelas pesquisas que tornaram os solos pobres e inférteis do Cerrado em uma das regiões mais produtivas do planeta. A tal ponto de ser chamada pelo agrônomo americano Norman Borlaug (1914-2009), Prêmio Nobel da Paz de 1970, de “a grande reserva de alimentos do mundo”.

Ao mesmo tempo que a ciência agrícola e o agronegócio se desenvolveram, o entendimento de que os biomas brasileiros são fundamentais para a preservação de todo o funcionamento climático do planeta também se consolidou. Hoje, não existe mais a tese de que desbravar um bioma como o Cerrado a qualquer custo, sem preocupações ambientais, é vantajoso. Pelo contrário, já existem áreas abertas suficientes para a produção de grãos e carne.

Apesar de a própria ministra da Agricultura, Tereza Cristina, também afirmar que o País não precisa mais desmatar nada para continuar sendo um dos líderes do agronegócio mundial, os dados da ciência, registrados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostram exatamente o contrário.

Em 2019, o Cerrado brasileiro perdeu 6,5 mil quilômetros quadrados de vegetação original. O Estado campeão de desmatamento, com 23% do total, foi o Tocantins. De acordo com dados da WWF-Brasil, o bioma tem hoje 23 milhões de hectares abertos e aptos para a soja e outros 15 milhões de hectares para outras culturas. Metade da vegetação original da região não existe mais e apenas 20% ainda estão intocados, segundo várias pesquisas sobre a região.

Ex-ministro Alysson Paolinelli: “Brasil é a única solução para a segurança alimentar no mundo”
Ex-ministro Alysson Paolinelli: “Brasil é a única solução para a segurança alimentar no mundo”

A destruição do Cerrado tende a mudar completamente a disponibilidade hídrica em várias regiões do País. Também conhecido como a savana brasileira, um dos biomas mais destruídos neste século no Brasil ao lado da Amazônia, concentra importantes afluentes de três grandes bacias hidrográficas sul-americanas:  Amazonas, Paraguai e São Francisco.

Por causa dessa importância para o clima do Brasil e da América do Sul, e por ser um bioma ainda rico em biodiversidade, diversa e única, é que pesquisadores das mais variadas áreas defendem a produção sustentável como única alternativa para o Cerrado brasileiro.

Os platôs brasileiros, como mostra a história da própria Embrapa, sempre foram atrativos conforme recorda o agrônomo Alysson Paolinelli, chamado pelo general Ernesto Geisel para assumir o Ministério da Agricultura em 1974. O projeto liderado pelo agrônomo mineiro passou a ser um chamariz para a ocupação e interiorização da economia brasileira.

O objetivo era ocupar os planaltos do Cerrado, áreas que favoreciam a mecanização e a irrigação, além de terem um clima propício à agricultura com dias quentes e noites com temperaturas amenas. Naquele momento, era vital tornar férteis as terras da região, porque as áreas produtivas do Sul e Sudeste não davam mais conta da demanda nacional. “O Brasil importava 1/3 do que consumia, quase 100% do trigo, 50% do leite e 30% da carne”, relembra o ex-ministro.

Ocupação do Planalto Central

O Programa de Desenvolvimento da Região Centro-Oeste, nos anos 1970, recebeu um investimento de US$ 3 bilhões, segundo o ex-ministro da ditadura Geisel, Alysson Paolinelli. O dinheiro foi usado para a criação de núcleos nas principais áreas do Cerrado, que funcionavam como uma espécie de unidade demonstrativa. Os produtores – de outras regiões do País que aceitassem aquele modelo – tinham um incentivo governamental para irem para lá.

No entanto, havia um gargalo, a agropecuária brasileira era rudimentar, com grande carência de informações técnicas. “Mas o presidente me deu autonomia para tocar e organizar a Embrapa. Em cinco anos, criamos 15 centros voltados a 26 importantes itens”, conta Paolinelli. Uma dessas unidades foi a Embrapa Cerrados, que consolidou as tecnologias para a correção do solo do bioma. “Os solos do Cerrado são muito limitados quimicamente, com baixa concentração de nutrientes e alta concentração de alumínio, o que limita o crescimento da raiz”, explica Sebastião Pedro da Silva Neto, chefe-geral da Embrapa Cerrados.

As pesquisas sobre adaptação de cultivares (arroz, feijão, milho e soja) de países temperados para o clima tropical também começaram a decolar. “Fui pessoalmente buscar uma soja nos Estados Unidos, mas a produtividade era menos de 30 sacas por hectare no Cerrado. Tivemos que tropicalizar”, conta Paolinelli. Os trabalhos deram certo, hoje a produtividade média da soja brasileira de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é de 55,5 sacas de soja por hectare. No entanto, uma boa parcela dos agricultores já produz mais de 90 sacas por hectare.

Uma peculiaridade da soja que favoreceu sua expansão no Brasil, a ponto de hoje ser o carro-chefe da balança comercial do agro nacional, foi a relação simbiótica entre bactérias e as raízes da planta. Esses micro-organismos capturam o nitrogênio do ar e fixam no solo nutrindo a soja. Nesse contexto, a Embrapa fez a seleção de bactérias eficientes para a fixação biológica. “O Brasil se tornou o primeiro país do mundo a produzir soja sem o uso de fertilizantes nitrogenados, que são caros e emitem grande quantidade de gases de efeito estufa na sua produção”, diz Neto. “Nossa soja é mais barata e amigável do ponto de vista ambiental do que a produzida em países de clima temperado, que consome adubos nitrogenados e tem uma pegada de carbono alta”, acrescenta.

A próxima revolução

A produção de uma nova geração de insumos será o próximo salto tecnológico do Brasil, segundo Sebastião Pedro da Silva Neto, chefe da Embrapa Cerrados. Neste ano, o Ministério da Agricultura lançou o Programa Nacional de Bioinsumos para estimular a pesquisa e a produção de produtos biológicos, como fertilizantes e defensivos. “O objetivo é substituir os insumos químicos importados por produtos biológicos produzidos aqui com micro-organismos coletados na biodiversidade brasileira”, diz Neto.

Hoje, o Brasil importa 83% dos fertilizantes que utiliza e também depende de defensivos agrícolas cujas moléculas são patenteadas por empresas multinacionais. “Estamos buscando novos manejos para aumentar a eficiência desses produtos e reduzir a importação”, explica Neto. Além disso, a Embrapa vem pesquisando a rochagem, que é utilização de pó de rochas regionais como fertilizantes nas lavouras, o que é uma alternativa promissora para a redução de custos.

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