Brasil está preparado para responder a exigências de sustentabilidade da China

26 de maio de 2021 10 mins. de leitura
País asiático deve incentivar práticas conservacionistas e cobrar isso das empresas ali sediadas, sem, porém, tirar o foco da segurança alimentar

Empresas da China devem ampliar a sua preocupação com sustentabilidade, tanto acompanhando o posicionamento do governo do país asiático sobre redução de emissões de gases do efeito estufa como o ambiente de negócios internacional, com crédito mais barato ou cobrança de investidores sobre o tema, avalia a assessora especial da ministra da Agricultura (Tereza Cristina) e chefe do Núcleo China do ministério, Larissa Wachholz. “Entendemos que isso é positivo do ponto de vista da agricultura brasileira, porque o Brasil está preparado para responder a exigências de sustentabilidade”, afirma. Segundo ela, vários aspectos de sustentabilidade da produção agropecuária do País são valorizados pelos chineses, entre eles o uso de sistemas integrados como lavoura-pecuária-floresta para redução das emissões. “Apesar desses elementos, temos enormes desafios pela frente, sobretudo o combate ao desmatamento ilegal e a implementação plena do Código Florestal”, diz. Conforme Larissa, a China tende a avaliar sustentabilidade e segurança alimentar em conjunto. “Vemos o país buscando incentivar práticas sustentáveis na agricultura, mas não criando restrições e amarras rígidas que dificultem o próprio acesso a alimentos, porque segurança alimentar continua sendo uma prioridade estratégica da sociedade e liderança chinesas.”

A China anunciou a promessa de reduzir em mais de 65% suas emissões de carbono em 2030 e alcançar a neutralidade nas emissões líquidas antes de 2060. Como isso afeta o agronegócio brasileiro?

Larissa Wachholz  – Essa decisão da China foi um “game changer”, pois alterou as discussões internacionais sobre mudanças do clima. Quando a China anuncia essas metas, a principal preocupação e o que conta para o cálculo são as emissões geradas dentro do país.  Aproximadamente 77% são oriundas dos setores de energia e transporte. A agricultura tem participação um pouco inferior a 7%. Dito isso, quando se tem um compromisso dessa importância, vai precisar cortar onde for possível. Mesmo que a agricultura tenha uma parcela pequena, ela também vai ser analisada sob essa ótica. O nosso exemplo da agricultura de baixo carbono pode ter iniciativas interessantes para ajudar os chineses a verem formas de cortar emissões na agricultura deles. Técnicas e tecnologias desenvolvidas pela Embrapa e outras entidades brasileiras poderiam ser objeto de cooperação com a China. A China é muito grande, e o sul é tropical, então o país tem essa experiência da agricultura tropical, assim como o Brasil. Agora, a partir do momento em que a China faz esse compromisso público de neutralidade de carbono, vai batalhar para alcançá-lo. Novas leis, regras e regulamentações estão sendo emitidas para que os diferentes setores produtivos e níveis de governança se alinhem a essa estratégia. Consequentemente, as empresas chinesas, muitas delas estatais, vão ter que se mover nessa mesma direção. Isso vai ter um impacto na sua atuação no exterior. Já estamos vendo isso, por exemplo, no caso da Cofco, a maior empresa de alimentos da China, e provavelmente veremos com uma frequência cada vez maior. Não porque isso vá contribuir para a redução de emissões dentro da China, mas porque passa a ser uma questão reputacional e de manutenção de coerência dentro dessa nova estratégia que vem da liderança chinesa. 

A China deve fazer alguma exigência aos fornecedores de grãos e carnes daqui para a frente relacionada a esse posicionamento sobre sustentabilidade?

As empresas chinesas estão expostas ao ecossistema de negócios internacional. Empréstimos de bancos internacionais podem vir com cláusulas de sustentabilidade como incentivo para juros menores, por exemplo. Isso é natural e esperado. A Cofco tomou um grande empréstimo internacional liderado pelo IFC, do Banco Mundial, com critérios de sustentabilidade. E isso fez com que passasse, por exemplo, a rastrear os seus fornecedores diretos de grãos. Outras empresas chinesas atuando internacionalmente certamente se verão na mesma situação. Por condições mais favoráveis num empréstimo ou até por cobrança de acionistas em empresas listadas, exigências como essas serão feitas. Entendemos que isso é positivo do ponto de vista da agricultura brasileira, porque o Brasil está preparado para responder a exigências de sustentabilidade. O Brasil tem aspectos de sustentabilidade da agropecuária que são muito relevantes e serão valorizados. É um dos países com maior número de áreas protegidas, está coberto por vegetação natural em aproximadamente 66% da área total do País, tem o Código Florestal. Temos integrações bastante sofisticadas, sistemas como lavoura-pecuária-floresta, que estão dentro do contexto de agricultura de baixo carbono. Tem os biocombustíveis, com redução das emissões do setor de transporte. Apesar desses elementos de sustentabilidade, temos enormes desafios pela frente, sobretudo o combate ao desmatamento ilegal e a implementação plena do Código Florestal, que é prioridade absoluta do ministério. Se nossos parceiros comerciais fizerem maiores exigências de sustentabilidade porque estão preocupados com esse aspecto, ótimo, porque a agricultura brasileira está preparada para atender a esses critérios. Mas é importante atentar para o seguinte: as questões da sustentabilidade e da segurança alimentar precisam ser vistas em conjunto. A China não vai ter uma avaliação descasada desses dois elementos. Como consequência disso, vemos a China buscando incentivar práticas sustentáveis na agricultura, mas não criando restrições e amarras rígidas que dificultem o próprio acesso a alimentos, porque segurança alimentar continua sendo uma prioridade estratégica da sociedade e liderança chinesas. Não adianta apenas ter uma produção sustentável que não consiga entregar em larga escala. É aí que a relação do Brasil com a China se fortalece. O Brasil é um dos poucos países no mundo capazes de produzir em larga escala, com a qualidade sanitária necessária e com sustentabilidade. Você não vai encontrar essa combinação em muitos países, e a China reconhece isso.  

A pressão sobre o Brasil em relação ao meio ambiente tem vindo da União Europeia e, mais recentemente, dos EUA, mas não da China. A questão  ambiental pode ter maior relevância na relação Brasil-China em um futuro próximo?

Sim. Do ponto de vista da agricultura, esse debate vai estar cada vez mais presente, e ele é positivo e vantajoso para o Brasil. A China enfrenta alguns dos mesmos desafios que o Brasil, que é produzir em larga escala, com a qualidade necessária e, no caso da China, em uma parte do território com agricultura tropical. A agricultura tropical tem os seus próprios desafios que você não encontra no clima temperado. Então a China tem uma capacidade de compreender e trabalhar com o Brasil para verificar padrões de sustentabilidade que se encaixem nesses requisitos de agricultura tropical. Agora, de fato, esse tema vai estar cada vez mais presente porque é o grande assunto na China neste momento. Um dos pilares mais importantes do 14º plano quinquenal chinês é a questão ambiental. A China vai valorizar os parceiros internacionais que puderem se aliar a ela na defesa das questões ambientais. Como o Brasil tem muito a mostrar na agricultura, uma conversa próxima com a China na área ambiental vai ser muito favorável para o País. Você pode pensar em mecanismos de agricultura de baixo carbono, nos desafios de combinar conservação da biodiversidade e segurança alimentar, nos elementos de estímulo às finanças verdes e aos investimentos que tenham critérios ESG (relacionados a práticas ambientais, sociais e de governança). Tenderá a haver uma atuação cada vez mais forte de investidores, empresas e fundos chineses priorizando critérios ESG nas suas análises de investimento. Esses recursos podem ser direcionados à agricultura brasileira a partir do momento em que consigamos elaborar projetos demonstrando a sustentabilidade do que estamos promovendo. Isso pode ser uma grande fonte de recursos para o agronegócio nacional. 

Os títulos verdes brasileiros teriam o potencial para atrair investidor chinês?

Sem dúvida. A agricultura tem grande potencial exatamente pelos critérios de sustentabilidade que temos e conseguimos promover. Por exemplo, você pode pensar em projetos que estimulem a produção com técnicas de baixa emissão de carbono. Já temos um protocolo desenvolvido pela Embrapa que tem esse sistema integrado de lavoura-pecuária-floresta e permite fazer uma carne carbono neutro. Estão em desenvolvimento outros protocolos para produtos de reduzida emissão de carbono ou neutros em carbono. Há projetos nas áreas de soja, café, couro, leite. São vários produtos que podem ser objeto de investimento chinês na área de finanças verdes. Os chineses têm uma preocupação muito grande sobre como garantir a rentabilidade dos seus investimentos no exterior. E um dos debates que têm ocorrido dentro da China é que as práticas ESG precisam fazer parte dessa avaliação de viabilidade dos investimentos para ajudar a garantir a rentabilidade que se busca. O uso das técnicas de agricultura de baixo carbono vem acompanhado de maior rentabilidade para o produtor. Se você avaliar os resultados dos 10 primeiros anos do Plano ABC, a parte de empréstimos subsidiados do programa alcançou 4 milhões de hectares de pastagens degradadas que foram recuperadas. Mas sabemos, por estudos, que foram recuperados 26 milhões de hectares. O produtor viu que a recuperação da pastagem elevava a rentabilidade e começou a fazer os investimentos com seus próprios recursos, porque viu vantagem financeira. Você quer aplicar critérios ESG que venham a aumentar a rentabilidade, a segurança e a previsibilidade dos seus projetos. A agricultura brasileira representa um pipeline de projetos para finanças verdes, e, a partir do momento em que os investidores chineses colocam maior grau de importância na análise desses quesitos, somos um receptor natural desses investimentos. 

Que tipo de parcerias o agro brasileiro pode criar com a China na agenda de desenvolvimento sustentável?

Há dois tipos de parceria possíveis. Tem um potencial grande de colaboração nessas técnicas de agricultura de baixa emissão de carbono. Além disso, vejo a possibilidade de os chineses participarem da implementação do ABC+ no Brasil. A exemplo do que aconteceu nos primeiros anos do ABC, em que tivemos fundos de outros países que ajudaram a financiar a capacitação do produtor brasileiro, a China poderia participar disso também. E tem as questões propriamente de negócios: a atração de capital chinês para projetos de finanças verdes na agricultura brasileira. E aí pode ser no modelo Fiagro, dos fundos de investimento para a agroindústria, ou em modelos específicos, direcionados para empresas chinesas que têm interesse em desenvolver projetos nas cadeias de proteína animal, de cereais. O governo chinês tem, principalmente desde o ano passado, feito anúncios sobre incentivo a investidores chineses para olharem, por exemplo, para a cadeia de proteína animal em outros lugares do mundo, até como forma de reduzir os riscos de novas crises sanitárias dentro da China, como a peste suína africana, que dizimou boa parte do plantel de suínos local. Se tiver um problema com carne no país, ele consegue garantir algum tipo de produção de outros nos quais tenha investimento. O que também é bom para o Brasil porque assegura uma participação importante no mercado chinês de proteína animal. 

Este conteúdo foi útil para você?

148240cookie-checkBrasil está preparado para responder a exigências de sustentabilidade da China