Produtores e pesquisadores se voltam a práticas sustentáveis

29 de maio de 2019 9 mins. de leitura
O objetivo é usar práticas conservacionistas e ciência para produzir mais e melhor, aumentar a rentabilidade e gerar menos impactos ao meio ambiente
A palavra da vez é sustentabilidade, conceito que abrange os pilares ambiental, social e econômico. A preocupação com os impactos gerados por uma atividade econômica hoje baliza as negociações comerciais e está presente nas conversas de bar dos grandes centros urbanos. O consumidor quer saber o que está comendo, como e onde foi produzido o alimento, e se o meio ambiente é respeitado. A boa notícia é que o produtor brasileiro, agricultor e\ou pecuarista, está cada dia mais preocupado com essas questões. Não só ele, como também as empresas e startups do setor. O gaúcho Joel Ragagnin, produtor na região de Jataí, em Goiás, é um exemplo. Insatisfeito com os resultados do modelo de produção que adotava no passado, ele passou a utilizar uma série técnicas conservacionistas para aumentar a produtividade na lavoura e o lucro, e para reduzir os impactos ambientais. As mudanças vêm surtindo efeito, tanto que a fazenda da família foi o destaque em “Práticas Sustentáveis” do Rally da Safra no ano passado, expedição técnica organizada pela Agroconsult que percorre o Brasil visitando as principais regiões produtoras de grãos. Os avanços no campo estão muito relacionados aos estudos realizados pelos cientistas. Neste contexto, um projeto de relevância é o AgriCarbono, coordenado pelo pesquisador Silvio Vaz Jr., da Embrapa Agroenergia. Trata-se de uma pesquisa para capturar o gás carbônico (CO2), emitido por termoelétricas e que atingiria a atmosfera, e transformá-lo em produtos que potencializam o uso racional de agroquímicos na agropecuária. A seguir, confira o detalhamento dessas duas histórias.

Controle biológico gera economia

A constatação de que precisava mudar aconteceu há cerca de sete anos e levou a família Ragagnin a buscar outra forma de produzir. A primeira atitude foi adotar o sistema de rotação de culturas e implementar a pecuária. “Se eu tenho um sistema direcionado a lavouras, soja, milho e feijão, e deixo ele um ano voltado à pecuária, e quebro todo o ciclo de doenças sem precisar colocar nada”, diz o gestor de produção da empresa. “E, quando volto à lavoura, eu tenho cultivos mais saudáveis sem precisar interferir muito”, explica Joel. Natural do Rio Grande do Sul, a família Ragagnin está na região de Jataí, em Goiás, desde 1979. Hoje, o Condomínio Ragagnin é uma empresa familiar formada pelos pais e cinco filhos, que juntos cultivam 9,5 mil hectares de soja, milho e feijão. De acordo com o engenheiro agrônomo Joel Ragagnin, responsável pela operação agrícola do Condomínio, a guinada na forma de produzir foi forjada pela necessidade. “Começamos a observar que este sistema de uso de insumos químicos, fertilizantes, fungicidas e inseticidas estava se esgotando”, diz. “Estávamos aumentando o uso, mas não estava sendo suficiente”, explica. LEIA MAIS > Pecuária bovina na berlinda  > No caminho da sustentabilidade As mudanças levaram a uma diminuição grande no uso de inseticidas. Aliado a isso, a família adotou o controle biológico, uso de bactérias, fungos e insetos para combater doenças e pragas e também para fixar nutrientes no solo. Paralelamente, os Ragagnin substituíram parte dos fertilizantes químicos – insumo extremamente caro, já que cerca de 90% da matéria-prima é importada – por rochagem. Trata-se da utilização do pó de rochas regionais como adubo nas lavouras. Também conhecido como remineralizador de solo, o produto é ambientalmente correto por ser proveniente de rejeitos da mineração. “Gradualmente, estamos substituindo os fertilizantes químicos por estes alternativos”, diz Joel, que hoje integra o Grupo de Agricultura Sustentável (GAS), que reúne produtores de todo o Brasil.
O gaúcho Joel Ragagnin utiliza práticas agrícolas conservacionistas na lavoura
O gestor de produção do Condomínio Ragagnin não é contra o uso de produtos químicos, mas a favor de um sistema de produção mais equilibrado, composto de um conjunto de conhecimentos, técnicas agrícolas, agricultura de precisão, produtos e tecnologias que levem a um melhor resultado. A família planta tanto grãos convencionais quanto transgênicos. “A soja BT, por exemplo, é nossa aliada”, diz Joel. Ele se refere à semente de soja geneticamente modificada, que possui o gene da bactéria Bacillus thuringiensis (BT), que age como um inseticida natural contra as principais pragas das lavouras, reduzindo drasticamente o uso do produto. Os irmãos Ragagnin substituíram em torno de 40% da adubação química por produtos alternativos e reduziram em 50% a utilização de inseticidas. Segundo Joel, a queda no uso de fungicidas e herbicidas foi menor, em torno de 20%, porque há menos opções. “Acho que vai levar um tempo para atingir 70%, 80% de substituição”, diz. “Eu não acredito em substituição total, vamos sempre depender de um mecanismo químico de intervenção, mas há muitos produtos com baixo índice de impacto que podem ser utilizados”, diz o engenheiro agrônomo. “Quando eu olho o viés econômico, eu percebo que a produtividade global aumentou, os custos diminuíram, logicamente a rentabilidade relativa subiu”, diz Joel. Os ganhos também são perceptíveis nos outros dois pilares da sustentabilidade: ambiental e social. “Eu tenho um sistema mais produtivo, que causa menos impacto, porque o consumo de insumos é menor, o que gera uma satisfação muito grande, já que coloco produtos mais saudáveis no mercado.”

Redução do efeito estufa

Quem diria que a agricultura poderia ajudar na sustentabilidade da geração de energia? Este é o objetivo do AgriCarbono, um projeto da Embrapa Agroenergia que conta com recursos de cerca de R$ 8 milhões provenientes da Eletrobras Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), por meio do Programa de P&D da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da Embrapa. “O projeto AgriCarbono consiste na utilização do gás carbônico (CO2), que é gerado pelas termoelétricas da Eletrobras no Rio Grande do Sul para obtenção de produtos químicos de alto valor [e utilidade para a agropecuária]”, explica Silvio Vaz Jr., pesquisador da Embrapa Agroenergia à frente do projeto.
O pesquisador Silvio Vaz Jr. está à frente da pesquisa, que visa transformar o CO2 em produtos de uso agropecuário
Pela lei federal 9.991 de julho de 2000, os geradores e transmissores de energia precisam investir 1% de sua receita bruta em P&D. Deste percentual, 0,4% é regulamentado pela Aneel. No AgriCarbono, o objetivo é capturar o CO2 emitido nas termoelétricas – por meio da queima de carvão mineral – para a produção de energia e dar um destino mais nobre. “Nós capturamos o gás carbônico pela conversão em nanocarbonatos, que são sais sólidos. O CO2 passa a ser um carbonato em escala nanométrica”, diz o pesquisador. Em vez de o gás carbônico alcançar a atmosfera, aumentando o efeito estufa, ele poderá ser transformado nos chamados “suportes”, espécie de cápsulas, esferas recobertas, que liberam gradualmente os agroquímicos. “Cerca de 90% dos agroquímicos aplicados, como os pesticidas, não atingem o alvo e são levados pela chuva e, por meio da lixiviação, podem alcançar rios e lençol freático”, diz Vaz Jr.
“Quando você faz uma liberação controlada [de agroquímicos], a expectativa é reduzir a quantidade aplicada no campo, diminuindo o impacto à saúde pública e ao meio ambiente da utilização do produto”, esclarece Silvio Vaz Jr., pesquisador da Embrapa Agroenergia.
Esses “suportes” são feitos com nanocarbonatos e polímeros naturais – como a lignina, subprotudo da indústria de papel e celulose. No caso do AgriCarbono, o alvo da pesquisa para a liberação lenta ou controlada são três classes de agroquímicos: semioquímicos (como o cis-jasmone), antibióticos (a oxitetraciclina) e fertilizantes (o próprio nanocarbonato). “Os semioquímicos são compostos químicos liberados por plantas e insetos como arma de defesa ou para atrair parceiros”, explica o pesquisador. A ideia é usar os suportes para a liberação lenta desta substância, a ser empregada no Manejo Integrado de Pragas (MIP), que consiste em utilizar em regime de alternância produtos biológicos e agroquímicos. Com os antibióticos a lógica é a mesma. A intenção é usar as cápsulas à base de nanocarbonato e lignina para a liberação lenta da oxitetraciclina, um dos fármacos mais usado na pecuária brasileira para tratamento de doenças e ganho de peso. O problema é que de 20% a 90% da substância é excretada pelos animais, o que pode interferir no meio ambiente e criar resistência a certos microrganismos. Por último, o projeto pretende usar o nanocarbonato, que é um sal sólido, como fertilizante em estufas de vegetação para corrigir o solo e a auxiliar na fotossíntese das plantas ali cultivadas, como hortaliças. O AgriCarbono teve seu início este ano e deverá ser concluído daqui a três anos. Ele não contempla os defensivos agrícolas (herbicidas, fungicidas e inseticidas). No entanto, a Embrapa Agroenergia está participando do consórcio internacional de pesquisa GreenMol da União Europeia com o apoio do CNPq – também coordenado por Vaz Jr. –, em que estudará o comportamento de pesticidas como o glifosato (o herbicida mais usado na soja), quando encapsulado pela lignina kraft da indústria de celulose e papel. Para o coordenador do projeto, a agricultura pode contribuir para a sustentabilidade da geração de energia elétrica, enquanto ela própria utiliza produtos de CO2 para ser mais sustentável.

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